Amigos do jazz + bossa

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

MENSAGEM NA GARRAFA




Vontade inconclusa de pertencimento

De usufruir do incomunicável repouso

De celebrar as intimidades profanas

De vislumbrar os fugazes contornos

De partilhar os hálitos

Vontade inconclusa de remissão

De trocar a esterilidade argilosa da conveniência

Pelo risco prenhe de sentido

Pela plêiade de sensações

Pela tréplica física do gozo

Pela cumplicidade elementar

Vontade inconclusa de atirar os objetos pelo chão

De correr desamarrado pela chuva

De ouvir os cânticos festivos

De rechaçar o tédio insidioso

De espanar a ferrugem da alma

De abolir a convivência enfadonha

Vontade inconclusa...

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O hoje pouco lembrado Leo Parker, nascido no dia 18 de abril de 1925, em Washington – DC, foi um dos mais talentosos baritonistas surgidos nos anos 40. Ao lado de Serge Challoff, Cecil Payne e Sahib Shihab, Parker pertence à primeira geração do bebop. Seu primeiro instrumento foi o sax alto, que aprendeu a tocar na ainda adolescência.

Foi tocando o sax alto que ele fez a sua primeira gravação, acompanhando o lendário Coleman Hawkins, em fevereiro de 1944, na célebre gravação de “Woody ’N You”, de Dizzy Gillespie, e que é considerada um marco na história do jazz moderno. Além de Parker e Hawkins, participaram da sessão Dizzy Gillespie, Don Byas, Clyde Hart, Oscar Pettiford e Max Roach, com arranjos elaborados por Budd Johnson.

Em dezembro daquele ano, Parker trocou o alto pelo barítono, após ser contratado por Billy Eckstine para integrar a sua big band, onde permaneceria até o final do ano seguinte. Na orquestra, ele encontrou algumas almas gêmeas musicais, como Dexter Gordon, Sonny Stitt e Gene Ammons. Os quatro formavam os “Unholy Four”, malucos e talentosos em igual medida e Parker, mais novo dos quatro, era carinhosamente chamado de “The Kid”.

A banda de Eckstine podia ser considerada um verdadeiro Estado-Maior do bebop, pois além dos músicos anteriormente citados, em suas hostes se perfilavam, ainda, luminares como Charlie Parker, Fats Navarro, Dizzy Gillespie e Art Blakey, apenas para nominar alguns. Leo tornou-se amigo de Gillespie e em 1946 fez parte do grupo do trompetista de bochechas colossais.

Em seguida, Parker passaria pela banda de Illinois Jacquet, entre 1947 e 1948, além de participar de gravações sob a liderança de Tadd Dameron, Fats Navarro, Bud Powell, J. J. Johnson, Charlie Rouse, Stan Getz, Teddy Edwards, Trummy Young, Wardell Gray, Kai Winding, Sarah Vaughan, Miles Davis, Gene Ammons e Sir Charles Thompson. Com este último, compôs “Mad Lad”, que chegou a fazer um relativo sucesso e foi lançada em disco pela Apollo Records, em julho de 1947.

Outra composição de Parker, “Settin’ The Pace”, em parceria com Dexter Gordon, se converteria em um pequeno clássico do jazz. Aos 22 anos, em dezembro de 1947, Leo realiza suas primeiras gravações como líder, para a Savoy. O disco de 78 rotações continha duas músicas, “El Sino” e “Wild Leo”, e contou com a participação de Gordon.

No início da década de 50, Parker, assim como vários outros músicos ligados ao bebop, padecia de uma grave dependência química. Durante os próximos anos ele travaria uma intensa guerra contra o vício em heroína, que lhe devastaria a saúde e lhe traria severos prejuízos à promissora carreira. Em 1954 ele se afastou da música, alegando problemas pulmonares e praticamente não gravou, apresentando-se muito esporadicamente em clubes da região de Washington.

Em 1961, o produtor Alfred Lion ofereceu a Parker a chance de sair da obscuridade, contratando-o para lançar um álbum pela Blue Note, “Let Me Tell You ‘Bout It”. O disco foi gravado em sessão única, no dia 09 de setembro, com engenharia de som do mago Rudy Van Gelder e serve como um formidável mostruário das capacidades do saxofonista, cuja formação musical agrega elementos de R&B, blues, soul, gospel e jazz em igual medida.

O acompanhamento ficou a cargo de músicos bem pouco conhecidos, mas com vasta quilometragem em palcos e estúdios: Bill Swindell (tocou com Lionel Hampton, Lucky Millinder e Trummy Young) no saxofone tenor, John Burks (oriundo das bandas de Johnny Hodges, Louis Bellson e Eddie “Cleanhead” Vinson) no trompete, Yusef Salim (com passagens pelos grupos de Mongo Santamaria e Cannonball Adderley) no piano, Stan Conover (trabalhou ao lado de Arnett Cobb, Gene Ammons e Eddie Harris) no contrabaixo e Purnell Rice (esteve na orquestra de Count Basie e nas bandas de Hal Singer e Dakota Staton) na bateria.

O disco é um caleidoscópio de influências, indo desde o bebop feérico de “Glad Lad” (tema de autoria do líder, que brilha em duelos com o não menos intrépido Burns) ao blues taciturno de “Blue Leo”, parceria de Parker com o grande Ike Quebec. Nesta, a sonoridade gutural do líder se impõe de maneira onipresente, como um doloroso e exasperado lamento.

Ainda navegando pelas pantanosas águas do blues e do gospel, o quinteto apresenta a lancinante “Let Me Tell You 'Bout It”, de Robert Lewis. Com um arranjo que evoca as bandas de rua de Nova Orleans e uma cadência marcial, o tema possui a eloqüência de um sermão, sendo que os sopros em uníssono, o contrabaixo fantasmagórico de Conover e a bateria imponente de Rice conferem-lhe uma incontestável dignidade.

O mesmo Robert Lewis assina “VI”, um tema incisivo e vibrante, no qual se pode ouvir com nitidez o som opulento de Parker, a riqueza do seu fraseado e a velocidade com que costura os acordes. O piano nervoso de Salim e as intervenções eletrizantes de Swindell são outros pontos altos desta faixa. “Parker’s Pals é um hard bop pulsante e musculoso, na linha de Horace Silver, e apresenta um ótimo trabalho de Rice com as escovas e atuações de tirar o fôlego de Swindell e do líder, que assina o tema.

O pianista é o autor de “Low Brown”, soul jazz devastador, com uma batida infecciosa e uma levada irresistível. É um tema simples, baseado em poucos acordes, que lembra a estrutura do hit “The Sidewinder”, de Lee Morgan. Os improvisos de Parker são voluptuosos, ricos em idéias e extremamente dinâmicos. As intervenções de Burks, rápidas e inflamadas, também chamam a atenção.

A explosiva “TCTB” é uma composição de Parker e Swindell, baseada nas harmonias de “Sweet Georgia Brown”. O curioso título vem das iniciais de “Taking Care of the Business” e o sexteto faz exatamente isso: toma conta dos negócios com precisão, ousadia e muito swing, com direito a uma esperta citação a “Bebop”, de Dizzy Gillespie. Saxofones barítono e tenor duelam como dois alucinados e acrescentam à receita doses cavalares de histamina.

O cd traz duas faixas-bônus, que não foram incluídas no LP original: a trepidante “The Lion’s Roar”, de Parker e Russell Jacquet, e uma versão estendida de “Low Brown”, com quase nove minutos de duração. Scott Yanow, do site Allmusic, deu ao disco quatro merecidas estrelas e afirma que nesta gravação o saxofonista se encontra “no auge de sua forma e rodeado de músicos inspirados”.

Pouco mais de um mês depois desta sessão, o saxofonista voltaria ao estúdio de Van Gelder para gravar “Rollin’ With Leo”, seu segundo álbum para a Blue Note. Swindell e Burks permanecem, mas a sessão rítmica é outra: Al Lucas no contrabaixo, Johnny Acea no piano e Wilbert Hogan na bateria (Stan Conover e Puenel Rice tocam em duas faixas apenas). A fraca repercussão do disco anterior fez com que a gravadora segurasse o lançamento de “Rollin’ With Leo” por inexplicáveis vinte e cinco anos e somente em 1986 o álbum chegou ao mercado.

Infelizmente, muito tarde para que Parker obtivesse um reconhecimento minimamente proporcional ao seu gigantesco talento. Ele faleceu no dia 11 de fevereiro de 1962, em Nova Iorque, em decorrência de um ataque cardíaco. Tinha apenas 36 anos e, na abalizada opinião do crítico britânico Richard Cook, era “um dos melhores baritonistas do bebop”.

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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O GUITARRISTA SUJO



Quando se fala em guitarristas de jazz, quais os nomes que logo vêm à mente? Barney Kessell, Wes Montgomery, Jim Hall, Joe Pass, Grant Green, Pat Martino, Herbie Ellis, Tal Farlow, Jimmy Raney, Pat Metheny, Django Reinhardt... Dificilmente alguém mencionará, de imediato, o nome de Howard Mancel Roberts, embora ele tenha sido, durante mais de quarenta anos, um dos músicos mais ativos e requisitados do cenário norte-americano.

Talvez por ter atuado em contextos tão variados, como orquestras de TV e de cinema, ou por ter sido um dos primeiros guitarristas a realizar a fusão entre o jazz e estilos tidos como comerciais, como o funk, o country ou o pop, Roberts jamais obteve um reconhecimento, no âmbito do universo jazzístico, à altura do seu talento, muito embora conste dos créditos de alguns dos melhores discos de jazz, rock, pop, soul e R&B gravados entre os anos 50 e 80.

Esse grande músico, compositor, arranjador e educador musical nasceu no dia 02 de outubro de 1929, em Fênix, no Arizona. Desde muito cedo, Roberts revelou uma enorme aptidão para a música e seu talento precoce sempre foi estimulado pelos pais. Com oito anos já conseguia tocar algumas músicas de ouvido, aos nove ganhou sua primeira guitarra acústica (uma Gibson Kalamazoo) e aos doze ele já era um músico hábil e bastante maduro para a idade.

O aprendizado musical formal veio, inicialmente, pelas mãos de Horace Hatchett, guitarrista que tocou nas orquestras de Tommy Dorsey e Red Nichols, que lhe transmitiu os rudimentos da música erudita e do jazz. Em seguida, o garoto estudaria com professores renomados como o arranjador Howard Heitmeyer (criador de um dos mais populares métodos para guitarra do período) e o compositor Fabian Andre (autor do standard “Dream a Little Dream of Me”).

Aos 15 anos, ele inicia a carreira profissional, tocando guitarra acústica, elétrica e bandolim em bandas de baile da cidade natal. Seus ídolos, na época, eram Django Reinhardt, George Van Eps e Oscar Moore, mas em breve o jovem Charlie Christian se juntaria ao rol de suas preferências musicais. Antes de completar 20 anos, já havia tocado com alguns nomes de peso, como o trompetista Art Farmer e o pianista Pete Jolly, outro gênio precoce em seu instrumento, quando estes se apresentaram em clubes da região de Fênix.

Em 1950 decide se mudar para Los Angeles, onde o mercado musical se mostrava bastante promissor. Um dos primeiros amigos que fez na nova cidade foi o também guitarrista e arranjador Jack Marshall, por intermédio de quem arranjou seu primeiro trabalho fixo, no trio do baterista Chico Hamilton, juntamente com o experiente baixista George Duvivier. Em seguida, Howard integraria o quarteto do pianista e compositor Bobby Troup, que se tornaria um dos seus mais constantes parceiros musicais ao longo dos anos.

Dono de um estilo que lembrava o de Barney Kessell, outro grande amigo, Roberts construiu uma sólida reputação como músico de estúdio, tendo participado de gravações de trilhas sonoras de vários filmes no cinema e na TV. Ao mesmo tempo, seu nome se consolidava como um dos mais confiáveis acompanhantes do cenário local.

Na nova cidade, o guitarrista retomou os estudos, tendo cursado a faculdade de História da Música, na University of Southern California. Também aprofundou-se no aprendizado de arranjos, regência, orquestração e composição com figuras proeminentes como Albert Harris, Russ Garcia e Earl Hagen.


Em seu impressionante currículo, constam participações em álbuns de gente do gabarito de Harry Babasin, Shorty Rogers, Frank Morgan, Pete Jolly, Helen Carr, June Christy, Bud Shank, Lena Horne, Buddy Rich, Chico Hamilton, Claude Williamson, Gerry Mulligan, Peggy Lee, Pete Rugolo, Bob Cooper, Buddy DeFranco, dos irmãos Pete e Conte Candoli, Sonny Stitt, Wardell Gray, Cannonball Adderly, Dave Brubeck, Zoot Sims, Stan Getz, Lennie Niehaus, Georgie Auld, Buddy Collette, Neal Hefti, Mel Tormé, Billy May, Lou Rawls, Jack Wilson, Thelonious Monk, Miles Davis, Jack Sheldon, Mary Lou Williams e uma infinidade de outros.

Sua versatilidade lhe permitia atuar ao lado do “Rei do Mambo” Perez Prado, dos ídolos adolescentes Ricky Nelson e Eddie Cochran, de astros pop como Sonny & Cher e The Jackson Five, do precursor da bossa nova Laurindo de Almeida, do soulman Sam Cooke, de estrelas do R&B como as Supremes, do folclórico bandleader Ray Conniff, do refinado Johnny Hartman, de atores como Dean Martin e Robert Mitchum ou de roqueiros como Elvis Presley, The Beach Boys, Little Richard e The Monkees, com igual desenvoltura.

Um dos seus trabalhos de maior repercussão, artística e comercialmente falando, foi o álbum “Julie Is Her Name – Vol 2” (Liberty Records, 1958), da cantora Julie London. Roberts substituiu o sensacional Barney Kessel, que originalmente acompanhava a cantora no primeiro volume (também da Liberty Records, mas gravado em 1955), juntamente com o contrabaixista Ray Leatherwood. Para a continuação, foi recrutado o ótimo baixista Red Mitchell e o repertório é recheado de clássicos como “Blue Moon”, “What is The Thing Called Love” e “How Long Has This Been Going On”.

Nesse período, Howard já estava profundamente envolvido com a educação musical. Seu primeiro emprego como professor foi no Westlake College of Music, instituição renomada e que era considerada uma espécie de Berklee School da Costa Oeste. Em meados dos anos 70, Roberts seria um dos fundadores do Guitar Institute Of Technology, em Hollywood, instituição que existe até hoje, com o nome de Musician's Institute.

Howard também seria um alentado autor de livros didáticos, tendo escrito mais de uma dezena deles. Títulos como “Howards Roberts Chord Melody”, “Howards Roberts Guitar Book”, “The Electric Bach”, “Six Violin Pieces By Bach Arranged For Plectrum Guitar”, “The Accelerator: The Theory – Fingerboard Connection”, “Super Chops: Jazz Guitar Technique in 20 Weeks” e “Howard Roberts Sight Reading For The Guitar”, são considerados obras de referência para o estudo da guitarra e o detalhe é que todos foram publicados pela sua editora, a Playback Publishing Company.

Além de artigos esporádicos para a Down Beat, ele manteve, durante anos, uma coluna mensal, chamada “Jazz Improvisation”, na revista Guitar Player. Como músico, sempre gozou do respeito da crítica. O venerando Leonard Feather, certa feita escreveu em sua coluna no jornal Los Angeles Times: “Roberts emerge como músico de um talento devastador e se alinha entre os maiores guitarristas da atualidade. Sua técnica é fenomenal, assim como a sua capacidade de execução nos tempos rápidos”.

Liderando seus próprios combos, Howard construiu uma bela, porém não muito extensa, carreira discográfica. Seus álbuns encontram-se distribuídos por selos como Verve, Capitol, Impulse, V.S.O.P., Discovery e Concord. Pela gravadora de Norman Granz, lançou aquele que é considerado, pela crítica especializada, o ponto culminante de sua discografia: “Good Pickin’s”.

Secundado por uma seleção de craques da Costa Oeste, Roberts divide o estúdio com o saxofonista Bill Hollman (que participa de cinco das dez faixas), o pianista Pete Jolly, o contrabaixista Red Mitchell e o baterista Stan Levey. As gravações foram realizadas em março de 1959 e os arranjos ficaram a cargo de Hollman e do não menos talentoso Marty Paich.

Para abrir os trabalhos, nada melhor que uma irresistível releitura de “Will You Still Be Mine?”, de Matt Dennis e Tom Adair. A abordagem de Howard é voluptuosa, incandescente, repleta de riffs certeiros e muito balanço. O tenor de Hollman se mostra um parceiro à altura da perícia do líder e seus improvisos são naturalmente desafiadores, assim como os solos de Mitchell e do incansável Levey.

O blues “When The Sun Comes Out”, de Harold Arlen e Ted Koehler, é executado com toda a solenidade que o estilo exige, sendo que o sopro relaxado de Hollman acrescenta uma surpreendente dose de ternura ao tema. A dupla de compositores é responsável, ainda, por “Between The Devil And The Deep Blue Sea”, aqui executada em um inebriante tempo médio. Sem a participação de Hollman, Howard tem uma atuação impecável. Energético e apoiado por uma sólida sessão rítmica, o guitarrista cria riffs bastante consistentes e solos inspiradíssimos.

Composta por Jerome Kern e Oscar Hammerstein II, “All The Things You Are” recebe um arranjo esperto e imaginativo. A agilidade de Roberts e sua fluência nos tempos mais acelerados se revelam por inteiro, mas a classe de Jolly e a potência percussiva de Levey também merecem ser apreciadas com bastante atenção. Na comovente “Lover Man”, de Jimmy Davis, Jimmy Sherman e Roger “Ram” Ramirez,o guitarrista utiliza uma afinação diferente, fazendo com que o seu instrumento adquira uma sonoridade próxima do violão.

Charlie Parker é uma das maiores influências de Howard e a interpretação de “Relaxin’ At Camarillo” mostra à perfeição o domínio do guitarrista sobre o idioma bop. Seu dedilhado é viril, feérico, intenso, nervoso. A performance de Hollman é das mais estimulantes, transpondo para o tenor, com enorme competência, as harmonias aparentemente indomáveis criadas por Bird.

Outro ídolo do bebop, o pianista George Wallington contribui com a agitada “Godchild”. A abordagem crispada e furiosa de Howard é muito bem ancorada pela sessão rítmica, com destaque para a levada segura de Mitchell e para as palpitantes intervenções de Levey. Improvisos ensolarados de Jolly e Hollman traduzem a leveza e a técnica preciosa de dois dos mais talentosos representantes do West Coast Jazz.

“Easy Living” é uma das mais belas canções do repertório norte-americano e as versões de Billie Holiday e Chet Baker estão entre as mais emocionantes. A versão do quarteto, decerto, não tem o mesmo impacto emocional e nem se permite a maiores ousadias harmônicas, mas possui charme e personalidade. Outro standards revisitado com graça e sobriedade é a encantadora “The More I See You”, da dupla Harry Warren e Mack Gordon. O líder e Hollman brilham, com atuações convincentes, solos inspirados e muito swing.

“Terpsichore” é o único tema de autoria do líder incluído no disco. Blues encorpado e ressonante, apresenta diálogos avassaladores entre Hollman e Roberts, que criam uma atmosfera nebulosa, quase opressiva. Um álbum bastante representativo de um guitarrista no auge de sua criatividade, cuja contribuição para o West Coast Jazz ainda é pouco reconhecida.

Em 1963, Roberts assinou com a Capitol e seus dois primeiros álbuns para a nova gravadora “Color Him Funky” e “H. R. Is A Dirty Guitar Player”, fizeram grande sucesso, influenciando, por exemplo, a guinada de Wes Montgomery rumo ao pop. Ambos contaram com a produção de Jack Marshall e apresentam Howard na companhia do  baixista Chuck Berghofer, do baterista Earl Palmer e dos organistas Paul Bryant e Burkley Kendrix.

A partir de 1966, Roberts e seu grupo, chamado “The Magic Band”, passaram a ser atração fixa do clube Donte’s, um dos mais importantes de Los Angeles. Emérito descobridor de talento, o guitarrista deu oportunidade a vários jovens em início de carreira, como os saxofonistas Pete Christlieb e Tom Scott, o pianista Dave Grusin e o baterista John Guerin, que futuramente viriam a ser músicos de renome no cenário jazzístico.

Roberts e Wes eram grandes amigos e costumavam conversar bastante. Uma das maiores preocupações de Montgomery, na época um guitarrista de muito prestígio, mas com vendas modestas, era exatamente dar maior conforto à sua família.  Ele viu nos álbuns de Roberts para a Capitol uma maneira de diversificar seu público, atrair novos ouvintes e aumentar as vendagens de seus discos. Além disso, Wes não conseguia ler música, o que reduzia sensivelmente as suas possibilidades como músico de estúdio.

Howard incentivou o amigo, inclusive dando sugestões em relação ao repertório. Em pouco tempo, Wes, se tornaria o maior vendedor de discos da pequena Riverside, sendo rapidamente elevado à condição de astro do jazz e assíduo freqüentador das paradas de sucesso. Um dos grandes prazeres que os dois partilhavam era constatar que entre seu público havia milhares de garotos que, depois de ouvi-los tocar, passaram a se interessar pelo jazz.

Requisitado músico de estúdio, Roberts está presente nas trilhas sonoras de diversos seriados e programas televisivos, como “The Twilight Zone” (exibido no Brasil com o título “Além da imaginação”), “The Munsters” (“Os monstros”, também exibida no país), “I Dream of Jeannie” (“Jeannie é um gênio”, inesquecível seriado estrelado por Barbara Eden e Larry Hagman), “The Beverly Hillbillies” (sucesso absoluto da rede CBS, que ficou no ar de 1962 até 1971 e que no Brasil recebeu o nome de “A família Buscapé”) e “The Deputy” (produzida pela rede NBC de 1959 a 1961 e estrelada por Henry Fonda).

No cinema, ele pode ser ouvido na trilha do filmes “The Sandpiper” (“Adeus às ilusões), produção de 1965, dirigida por Vincent Minelli e estrelada por Elizabeth Taylor e Richard Burton. A trilha sonora foi composta por Johnny Mandel, que ali lançou seu grande sucesso “The Shadow of Your Smile”. A música, que ganharia o Oscar de Melhor Canção Original, é uma parceria com o letrista Paul Francis Webster e se tornaria um dos maiores hits da década, nas vozes de gente como Tony Bennett, Barbra Streisand e Johnny Mathis.

O nome de Roberts está indelevelmente associado à célebre fabricante de guitarras Gibson, que sob a sua supervisão construiu dois modelos com o seu nome: a H. R. Custom e a H. R. Fusion. Por suas contribuições como músico e projetista, Howard faz parte do seleto Gibson Hall of Fame, embora também tenha ajudado no desenvolvimento de guitarras para outras marcas, como Epiphine, Ibanez e Aria.

Inquieto e extremamente interessado na mecânica dos equipamentos musicais, ele fundou na década de 60, juntamente com o engenheiro Ron Benson, a fábrica de amplificadores Benson Amplifier Company, que encerraria suas atividades em 1974. Também foi o produtor de uma série de vídeos didáticos estrelados pelo grande baixista Ray Brown.

O compositor Duane Tatro criou o “Concert For Electric Guitar and Orchestra” especialmente para Roberts. A primeira execução pública da obra foi realizada no auditório do Museu Municipal Jean Delacour, em Los Angeles, no mês de janeiro de 1977. Howard atuou como solista convidado da Studio Arts Orchestra, sob a regência de Charles Blackman, e a repercussão do concerto junto à crítica foi bastante favorável.

Após uma vida intensa e bastante produtiva, Howard faleceu no dia 28 de junho de 1992, em Seattle, estado de Washington, onde morava desde a década anterior. Naquela cidade, fundou o Roberts Music Institute, que depois de sua morte passou a ser administrado por seu filho, o também guitarrista Jay Roberts. Sua influência pode ser sentida no trabalho de feras como Grant Green, George Benson, Jerry Garcia, Howard Alden, Jimmy Bruno, Larry Carlton, Lee Ritenour ou Anthony Wilson, todos admiradores confessos.

Pedro “Apóstolo” Cardoso define Roberts como um guitarrista “de técnica brilhante, em estilo marcado pela ousadia nas escalas harmônicas, acordes de passagem explorados com grande sutileza e intenso contraste de altos e ‘calmas’. Pertence à mais pura tradição do ‘bebop’, mas capaz de lirismo e altas doses de sensibilidade nas baladas, como nos acompanhamentos e solos da gravação com Julie London”.

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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O ADMIRÁVEL REQUINTE DA SIMPLICIDADE



O pianista, arranjador, compositor e bandleader Theodore Shaw Wilson nasceu no dia 24 de novembro de 1912 em Austin, no Texas. Em 1918 muda-se com a família para Tuskegee, no Alabama. Estudou piano e teoria musical no “Tuskegee Institute”, entidade voltada ao ensino da população afro-americana, que na época era dirigida pelo lendário militante da causa negra Booker T. Washington.

Além do piano, o pequeno Wilson também aprendeu a tocar violino, oboé e clarinete, sempre incentivado pelos pais. Durante os verões, Teddy costumava visitar a cada de uma tia, em Detroit, onde se deliciava ao som da orquestra de Fletcher Henderson e dos “McKinney’s Cotton Pickers”, que teve a oportunidade de assistir ao vivo. Ali também ouvia gravações do tenor italiano Enrico Caruso e de expoentes da música erudita.

Seu primeiro contato com o jazz veio por intermédio de gravações de Louis Armstrong, Bix Beiderbecke e Fats Waller, sendo que este, juntamente com Earl Hines, foi a sua primeira grande influência ao piano. Wilson também estudou música no “Talladega College”, atuando na orquestra daquela instituição de ensino como violinista e pianista. Em 1929, com apenas 17 anos, foi contratado para integrar a orquestra de Lawrence “Speed” Webb, em Detroit.

Ali, tornou-se amigo de outra futura lenda do jazz, o trompetista Roy Eldridge. O pianista permaneceu na banda de Webb até 1931, quando foi contratado para substituir o genial Art Tatum na orquestra de Milton Senior, na cidade de Toledo, Ohio. Tatum já era um dos mais importantes músicos do jazz e tornou-se, além de fonte de inspiração, um grande amigo de Wilson. O pupilo relembra seu convívio com o ídolo: “Art foi o sujeito mais bem dotado para a música que jamais vi na minha vida, algo milagroso, como o atacante que faz um gol em cada ocasião que tem a bola. Dava-me atenção especial e, sempre que eu pedia, ele se detinha e voltava a tocar lentamente cada passagem, para ensinar-me a digitação que havia utilizado”.

Ainda em 1931, nova mudança, desta feita para Chicago, Illinois, onde Wilson assumiria o piano na orquestra de Erskine Tate. Conhecido por sua exigência e por ser um emérito descobridor de talentos, ate empregou em sua orquestra expoentes como Louis Armstrong, Freddie Keppard, Buster Bailey e Omer Simeon entre outros. Em seguida, Wilson passaria por várias outras orquestras de Chicago, destacando-se as de Clarence Moore e Eddie Mallory.

Se havia qualquer dúvida de que seu futuro profissional estaria na música, esta se dissipou depois que Teddy se estabeleceu em Chicago. Mais do que nunca, tudo o que ele queria era tocar – e sempre contou com o apoio dos pais para atingir seus objetivos. Em uma entrevista, ele declarou: “depois de conhecer a música de Detroit e de Chicago, sempre pensei que aqueles que querem ser médicos ou maestros não sabem o que estão perdendo”.

Em 1932 o pianista participou de sua primeira gravação, sob a liderança de Benny Carter (apenas um tema foi gravado na ocasião, “Tell All Your Dreams To Me”). De janeiro a março de 1933 Teddy integrou a banda de Louis Armstrong, juntando-se em seguida, à “Grand Terrace Cafe Orchestra” de Earl Hines. Com Armstrong, o pianista realizou cerca de duas dezenas de gravações, para a RCA Victor. O lendário trompetista foi fundamental para o crescimento de Wilson: “tocar com Armstrong todas as noites era como freqüentar uma verdadeira escola. Ele era um mestre incrível e jamais tocava uma nota que não estivesse carregada de sentido musical”.

Após tocar com o clarinetista Jimmie Noone, Wilson, incentivado pelo produtor John Hammond, decide se mudar para Nova Iorque, em outubro de 1933. Seu primeiro trabalho foi na banda de Benny Carter, com a qual atuou no espetáculo “Chocolate Dandies” e também realizou várias gravações. Ele também fez alguns trabalhos com a cantora Mildred Bailey e com o clarinetista Mezz Mezzrow nesse período.

De acordo com John Hammond, importante produtor e filho de uma rica família (mãe pertencia à família Vanderbilt), a primeira esposa de Wilson, Irene Eadie Wilson (que além de excelente pianista é autora do clássico “Some Other Spring”), foi de fundamental importância na formação pessoal e profissional de Teddy. Graças à esposa, o pianista aprimorou a sua mão esquerda, desenvolveu seu estilo, dando ênfase às mudanças de andamento e à regularidade rítmica, e tornou-se um espectador assíduo de concertos de pianistas eruditos, como o austríaco Rudolf Serkin e o francês Robert Casadesús, de quem Wilson se tornaria amigo pessoal.

No dia 22 de maio de 1934, Teddy realiza a sua primeira gravação de piano-solo. Em setembro do mesmo ano, inicia uma parceria com o vibrafonista Red Norvo, que seria retomada em diversas ocasiões futuramente. Naquele período, o pianista fazia parte da orquestra de Willie Bryant, um trompetista, cantor e bandleader de Nova Orleans, que trabalhou com a lendária Bessie Smith, no musical “Buck And Bubbles”. A banda de Bryant era atração fixa do “Savoy Ballroom” e dela faziam parte luminares como Benny Carter, Ben Webster e Cozy Cole.

Wilson deixou Bryant no início de 1935, para assumir o piano do grupo de gospel “The Charioteers”. Ainda naquele período e novamente por sugestão de John Hammond, ele também montou diversas pequenas orquestras de estúdio, selecionando seus parceiros junto às orquestras de Count Basie, Duke Ellington e Cab Calloway. Os vocais, geralmente, ficavam a cargo da cantora Billie Holiday, daí nascendo a cumplicidade musical entre os dois.

Essas gravações, para selos como Columbia, Vocalion e Brunswick, eram firmemente assentadas no swing e feitas à base de standards, para abastecer as populares jukeboxes. Graças a elas, cantoras da estirpe de Lena Horne, Helen Ward e, obviamente, Bille Holiday, consolidaram seus nomes junto ao público. Os acompanhantes eram de primeiríssima linha, tais como Lester Young, Roy Eldridge, Johnny Hodges, Cozy Cole, Sid Catlett, Charlie Shavers, Red Norvo, Buck Clayton e Ben Webster, apenas para nominar alguns.

Wilson recorda com carinho as gravações históricas que realizou com lady Day: “Essas sessões foram pura delícia e eu jamais havia ouvido quem cantasse como Billie. Ela podia dizer apenas um ‘olá’ ou um ‘bom dia’ e já tínhamos uma experiência musical. Sua maneira de cantar era um reflexo fiel de todas as suas experiências de vida, da sua carga psicológica e da sua personalidade”.

Sobre os músicos participantes suas palavras não eram menos elogiosas: “eles eram a nata das grandes bandas. Quando Duke Ellington estava na cidade, eu chamava Johnny Hodges e Harry Carney. Quando Basie estava por perto, tocávamos com Lester Young e Buck Clayton. Jamais se poderia reunir semelhante conjunto de músicos para tocar em público e o mais incrível é que essas sessões custavam vinte dólares para cada 03 horas de gravação”.

Em novembro de 1935, uma gravação reuniu novamente Wilson e Billie Holiday, desta feita sob a condução de Benny Goodman. O clarinetista, que já conhecia o trabalho de Teddy na orquestra de Mildred Bailey e, inclusive, haviam participado de uma jam session, decide contratar o pianista, em abril de 1936. O trio de Goodman era complementado pelo baterista Gene Krupa e mais tarde converteu-se em um quarteto, com a inclusão do vibrafonista Lionel Hampton.

O trio/quarteto de Goodman teve uma importância capital na história do jazz, não apenas pelo brilhantismo de sua música, mas por ter sido o primeiro combo de jazz a se apresentar com músicos brancos e negros dividindo o mesmo espaço. Essa união ajudou a romper com a segregação vigente no show business, que obrigava brancos e negros a tocar separadamente e o grupo de Benny é até hoje celebrado como um símbolo da integração racial.

Para que se tenha uma idéia da vergonhosa situação da época, basta dizer que em 1937, o quarteto participou do filme “Hollywood Hotel”, dirigido por Busby Berkeley. Ocorre que foram rodadas duas versões da película. Naquela exibida nos cinemas do norte dos Estados Unidos, aparecem Goodman, Lionel Hampton, Teddy Wilson e Gene Krupa. Na versão exibida no sul, racista, Wilson foi substituído pelo pianista branco Jess Stacy.

O pianista esteve presente no célebre concerto de Goodman no Carnegie Hall, no dia 16 de janeiro de 1938. A parceria entre Wilson e o clarinetista perdurou até 1939, quando o pianista desligou-se para montar sua própria orquestra. Mas a amizade e a admiração permaneceriam, tanto que Goodman costumava dizer que Teddy era “o melhor jazzman da música americana”. Pedro Cardoso destaca o papel de Wilson no trio/quarteto, dando-lhe “coesão, fluidez melódica com a base harmônica do piano, simultaneamente segurando o trio e aparando a aspereza e a impulsividade de Gene Krupa”.

A atuação com Goodman deu a Wilson uma enorme visibilidade, além de ter rendido a ele diversos prêmios como melhor pianista, concedidos por revistas especializadas como “Metronome” e “Down Beat”. No final dos anos trinta, o pianista cria a “Teddy Wilson School For Pianists”, em Manhattan. O conteúdo pedagógico era inovador, pois os alunos recebiam discos didáticos não comerciais, com o próprio Wilson ao piano, acompanhados dos respectivos encartes, contendo texto analítico e transcrição dos temas.

Após a sua saída do grupo de Goodman, Wilson montou uma orquestra cujo prefixo era o tema “Jumpin’ On The Blacks And Whites” e que contava com craques como os saxofonistas Ben Webster, Shorty Baker e Rudy Powell, os trompetistas Doc Cheatam e Hal Baker, o trombonista J. C. Higginbotham, o guitarrista Al Casey, seu xará Al Hall no contrabaixo e o baterista J. C. Heard. Thelma Carpenter fazia os vocais e os arranjos do próprio líder, sendo que durante algum tempo a banda foi atração fixa do “The Apollo Theatre”, no Harlem.

Embora gravações como “The Man I Love” (com solo de Ben Webster), “Out Of Nowhere” (com solo de J. C. Higginbotham) e “Little Things That Mean So Much”, tenham tido alguma repercussão, a orquestra não obteve o sucesso comercial esperado e foi desfeita em abril de 1940, sendo que a sua derradeira apresentação ocorreu no “Golden Gate Ballroom”. Wilson então montou um sexteto (Bill Coleman, Jimmy Hamilton, Benny Morton, Al Hall e Big Sid Catlett), que passou a ser atração fixa do clube Café Society, permanecendo ali de junho de 1940 até novembro de 1944.

O mundo vivia o horror da Segunda Guerra e Teddy gravou diversos “V-Discs”, que eram mandados para divertir os soldados norte-americanos na Europa e no Pacífico, acompanhando as cantoras Lena Horne e Helen Ward. No dia 06 de junho de 1945, o pianista reencontra o antigo parceiro Red Norvo e participa das gravações de “Red Norvo And His Selected Sextet”, para o selo “Comet”. Foram apenas quatro temas gravados (“Hallelujah”, “Get Happy”, “Slam, Slam Blues” e “Congo Blues”) e mais alguns takes alternativos desses temas, mas a importância histórica é a presença dos então jovens Charlie Parker e Dizzy Gillespie, que estavam revolucionando o jazz com sua abordagem ousada e inquieta.

Wilson já havia tocado com Parker e Gillespie antes, em um concerto para a “New Jazz Foundation”, realizado no “Town Hall”, em Nova Iorque. Além deles, também estavam presentes a cantora Dinah Wahington, o trompetista “Hot Lips” Page, o saxofonista Georgie Auld, o violinista Stuff Smith, o baixista Slam Stewart, o baterista Cozy Cole e outros. Ainda em 1945, Wilson volta a trabalhar com Benny Goodman e se apresenta novamente no “Town Hall”, desta feita com líder de uma banda que contava com Red Norvo, Bill Coleman, Gene Krupa, Stuff Smith e “Flip” Phillips. O concerto foi gravado e distribuído pela Commodore.

Em 1946 o pianista foi contratado para trabalhar na Orquestra da Rádio CBS, onde ficou até 1955, atuando em programas como o “Peter Lindt Hayes Show” e na série radiofônica “The Crime Photographer”. Ainda naquele ano, começa a lecionar na Juilliard School of Music e na Metropolitan School of Music. Ele também foi músico fixo da gravadora Musicraft, acompanhando grandes nomes do jazz, como Artie Shaw, Mel Tormé, Georgie Auld e, principalmente, Sarah Vaughan.

Nos últimos anos da década de quarenta, Wilson volta a se destacar nas eleições de melhor pianista das revistas Metronome e Esquire. Ele também monta um grupo com músicos mais ligados ao bebop, como o saxofonistya Wardell Gray, o guitarrista Billy Bauer e o baixista Arnold Fishkin. Entre 1949 e 1952, ele atuou como pianista da rádio WNEW.

A década de 50 foi marcada por temporadas na Europa, com destaque para seus concertos na Inglaterra, onde era um dos mais queridos músicos de jazz. Nos Estados Unidos, merece destaque o concerto realizado no dia 25 de março de 1952, onde novamente dividiu o palco com Charlie Parker, desta feita no teatro “Loew’s Valencia”, em Nova Iorque, tendo Eddie Safranski no contrabaixo e Don Lamond na bateria. Em 1955 Wilson participa do longa metragem “The Benny Goodman Story”, tendo Steve Allen no papel principal.

Nessa época, ele assina com a Verve, do produtor Norman Granz, e naquele selo grava, juntamente com seu trio, álbuns bastante elogiados como “For Quiet Lovers”, “I Got Rhythm” e “These Tunes Remind Me of You”. Na Verve, o pianista reencontrou o velho amigo Lester Young, gravando com ele o aclamado “Pres and Teddy”, nos dias 12 e 13 de janeiro de 1956.

Um dos mais estupendos discos de Wilson para a gravadora de Norma Granz é “The Impecable Mr. Wilson”. Acompanhado do contrabaixista Al Lucas e do baterista Jo Jones, o pianista destila todo o seu charme e refinamento, naquele que é considerado um dos momentos culminantes de sua gigantesca discografia. As gravações foram realizadas no dia 13 de setembro de 1956, em Nova Iorque.

A abertura fica por conta de uma acelerada versão de “I Want to Be Happy”, de Irving Caesar e Vincent Youmans. Lucas tem uma pegada robusta e se sai muito bem nos tempos rápidos. Jones é um mestre da percussão, provavelmente o mais moderno dos bateristas do swing, e seu trabalho com as escovas – ele preferia usá-las, ao invés de baquetas, quando atuava com Wilson – é sensacional. O líder tem um domínio rítmico e melódico perfeito e a inclusão de elementos do bebop em sua execução apenas o torna um pianista ainda mais interessante.

Em seguida, dois temas da dupla Andy Razaf & Fats Waller: “Ain't Misbehavin'” e “Honeysuckle Rose”. O andamento mais lento da primeira reforça a influência do blues e revela as qualidades de Wilson como um excepcional executante de baladas. Na segunda, evidencia-se o amplo domínio da técnica do stride piano, com destaque também para as notáveis performances de Jones e Lucas.

O versátil pianista trafega pelas veredas sinuosas do bebop, em “Fine and Dandy” e “I Found a New Baby”, com a autoridade e a desenvoltura de quem compartilhou os palcos com Charlie Parker e seu controle do tempo e dos andamentos é admirável. Sua elegância, traduzida na simplicidade e no parcimonioso dos acordes, dá uma nova dignidade a standards como “Sweet Lorraine”, de Clifford Burwell e Mitchell Parish, e “Laura”, de David Raksin e Johnny Mercer.

Baladas românticas como “It's the Talk of the Town”, de Al Neiburg e Jerry Livingston, e “Time on My Hands” de Mack Gordon e Vincent Youmans, recebem arranjos sofisticados mas que, ao mesmo tempo, não soam pomposos. Os ingredientes usados por Wilson são o bom gosto, o comedimento e a concisão. Sua articulação se baseia em discursos harmônico-melódicos breves, tornando dispensáveis os acordes em profusão ou as exibições gratuitas de virtuosismo.

Mesmo quando precisa se exprimir nos andamentos mais candentes, como é o caso de “Undecided”, de Leo Robin, ou “Who Cares”, de George e Ira Gershwin, ele evita a profusão de notas e a verborragia sonora. A maneira como ele estabelece o diálogo com o contrabaixo e a bateria também é exemplar. Na companhia do pianista, Jones, conhecido por seu dinamismo e impetuosidade, jamais recorre a expedientes gratuitos, como o rufar interminável dos tambores, mantendo sempre uma abordagem percussiva vibrante, mas sem excessos.

Para finalizar, mais um tema dos irmãos Gershwin, “Our Love Is Here to Stay”, outra belíssima interpretação do trio, com uma atuação primorosa do líder. A arte de Wilson sem assemelha a uma iguaria fina, preparada por um chef criativo e desprovido de frescura. Nesse disco, podemos saborear essa culinária refinada e exclusiva, muitas e muitas vezes, sem corrermos o menor risco de ter uma indigestão.

Os anos vindouros continuariam a ser de muito trabalho. Wilson voltou a tocar com Benny Goodman, durante uma excursão à União Soviética, em 1962. Uma das facetas pouco conhecidas do pianista é a sua militância política e seu envolvimento com organizações de esquerda dos Estados Unidos. Esse envolvimento lhe valeu o apelido de “Marxist Mozart”, dado pelo dançarino Howard “Stretch” Johnson, outro artista bastante engajado politicamente. Wilson realizou concertos a fim de arrecadar fundos para o jornal “The New Masses” e contribuiu para a “Russian War Relief”, durante a II Guerra Mundial.

Wilson, juntamente com outros artistas simpáticos à causa da esquerda, como Al Haig, Paul Robeson e Cy Oliver, fez parte do comitê artístico que apoiava a candidatura do advogado Benjamin J. Davis, um dos maiores expoentes da luta pelos direitos civis entre as décadas de 30 e 60. Negro e membro do Partido Comunista, Davis foi eleito para o cargo de vereador de Nova Iorque em 1943, obtendo maciça votação no Harlem. Ele foi bastante perseguido por suas convicções políticas e passou vários anos na prisão. Morreu em 1964, em decorrência de um câncer no pulmão, quando fazia campanha para o senado, concorrendo pelo pequeno “People’s Party”.

Em 1969, o pianista participou do projeto “Jazz At The Philarmonic”, sob a batuta de Norman Granz, apresentando-se ao lado de luminares como Clark Terry, Dizzy Gillespie, Benny Carter, Coleman Hawkins, Zoot Sims e outros. Durante o terço final daquela década, manteve um quarteto com o trompetista Bobby Hackett.

Nos anos 70, Teddy continuou a excursionar pelo mundo, liderando seus trios em freqüentes temporadas pela Europa e Japão. Também participou de festivais de jazz ao redor do planeta, apresentando-se em Tóquio, Montreux, Nice, Chicago, Pescara e muitos mais. Em boa parte de seus concertos dos anos 70, Teddy se apresentava ladeado pelos filhos, o contrabaixista Theodore e o baterista Steven Wilson.

Goodman e Wilson voltariam a tocar juntos na edição de 1973 do Newport Jazz Festival, causando uma verdadeira comoção na platéia. A maturidade fez muito bem ao pianista e algumas de suas melhores gravações foram feitas durante as décadas de 60 e 70 , para o selo britânico Black Lion, como “Stomping At The Savoy” (1967), “Runnin' Wild” (gravado ao vivo no Festival de Montreux de 1973) e “Blues for Thomas Waller” (1974). Ele também gravou para outros selos europeus, como o dinamarquês Storyville e o francês Black & Blue.

O pianista fez alguns trabalhos na área da publicidade, compondo jingles para o rádio e a TV. Em uma bem-humorada entrevista ao jornalista Les Tomkins, ele esclareceu: “Respeitado o limite da razoabilidade, um músico profissional deve se ocupar de música e, mesmo que não goste, deve estar preparado para tocar até em contextos mais comerciais. Já trabalhei em trilhas para comerciais no rádio e na TV. Eles pagam bem e eu tenho um monte de obrigações, inclusive filhos para criar. De qualquer maneira, se me pagarem bem, eu toco até no Pólo Norte”.

Como nos lembra Pedro Cardoso, Wilson “plantou e colheu desde muito jovem todos os possíveis ensinamentos da cultura musical e pianística, tornando-se um executante super-dotado mas sem exuberância, completo mas sem exibicionismos”. Nele é possível encontrar uma síntese dos grandes pianistas que o precederam e que fizeram escola, em especial Art Tatum, Earl Hines e “Fats” Waller e, ainda segundo o Apóstolo do Jazz, “o virtuosismo do fraseado de Teddy este baseado em 02 pilares únicos e sólidos: rigor e simplicidade”. 

Wilson faleceu no dia 31 de julho de 1986, em decorrência de um câncer intestinal, nas dependências do “New Britain Hospital”, em New Britain, estado de Connecticut, onde estava internado há várias semanas. Seu corpo foi enterrado no “Fairview Cemetery” e entre os seus muitos herdeiros musicais é possível apontar os nomes de Mel Powell, Joe Bushkin, Jimmy Rowles, Hank Jones, Dave McKenna, Clyde Hart, Sonny White, Sir Charles Thompson e Ray Bryant, entre muitos outros.

Para o pesquisador Sylvio Lago, Wilson era um mestre da harmonia e “sua arte era caracterizada pelo refinamento do toque, cinzelando cada nota com fraseados delicadamente esculpidos e com equilíbrio das expressões melódica, harmônica e rítmica. As improvisações eram curtas, virtuosísticas, e com gosto pronunciado para a espontaneidade dos andamentos, do fraseado e do controle dinâmico”.


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domingo, 15 de janeiro de 2012

O ELOGIO DA INSANIDADE



Maldigo o sol

O sol desatinado e poroso

Maldigo o sol minucioso da manhã

O sol que ecoa na lápide solitária

Maldigo a lua

A lua portátil e fugidia

Maldigo a lua que irrompe por entre as ramas

Maldigo a meteorologia

Quando chove e quando faz sol

Maldigo o silêncio convergente

Maldigo o efeito táctil do drama

Maldigo a polidez cartesiana do decoro

Maldigo a bifurcação do caminho, o rio que dá vau

Maldigo a geologia intacta da retina

Maldigo, maldigo sempre...

Não me impressionam os cálculos agônicos do servilismo

Não me impressionam os sintomas minerais da fleuma

Me causa espécie a serenidade contida,

Me repugna o ócio cultivado sob os dosséis de seda

Me quero livre!

Me quero fora dos círculos do comedimento e do recato

Me quero livre para cuspir na face da etiqueta

Por isso maldigo, agora, neste exato instante

Maldigo porque nunca pude romper os grilhões

Maldigo porque sempre me perfilei

Maldigo porque sempre honrei as convenções

Maldigo a transigência com aquilo que mais desprezo

O habitat castiço e mecânico em que vivo

Queria a incontinência

Queria a estupefação

Mas tudo o que fiz

Foi louvar os medíocres e os emplumados

Abracei a indignação apenas para desonrá-la

Por isso maldigo, neste instante congelado e vulgar

Submeti-me sempre às filigranas da linguagem

Maldigo-as, pois

Maldigo a todos, pela eternidade e adiante

Agora perdi o medo

Agora sou o eu que sempre sonhei ser

Agora posso escancarar-lhes a mediocridade

A putrefação do caráter

A ridícula troca de favores, o apadrinhamento, a hipocrisia

É noite e as janelas estão fechadas

Tomei o cuidado de verificar

Estou só...

Posso maldizê-los à vontade

Mas o faço em silêncio

Pois as paredes têm ouvidos...

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O saxofonista e flautista Joseph Carl Firrantello, nascido no dia 16 de dezembro de 1937, em Chicago, Illinois, teve uma vida bastante turbulenta. Aos 11 anos começou o aprendizado do clarinete, trocado, ainda na adolescência, pelo sax tenor. Aos 18 anos ingressa na University of Illinois, graduando-se bacharel em música em 1959.

Vivendo em uma cidade musicalmente estimulante, seus primeiros passos, como músico profissional, foram dados em clubes e boates de Chicago e arredores. Como dificilmente um sujeito chamado Joseph Firrantello conseguiria ir muito longe na carreira musical, o saxofonista adotou o pseudônimo de Joe Farrell, bem mais simples que o nome de batismo, e foi à luta!

Em 1960 resolve tentar a sorte em Nova Iorque e seu primeiro emprego foi na Maynard Ferguson Big Band, permanecendo ali até o ano seguinte. Em 1962 junta-se à banda do trombonista Slide Hampton, com quem mantém uma parceria de cerca de três anos. Concomitantemente, adquire bastante destaque ao participar, ao longo daquela década, de álbuns de gente como Charles Mingus, Dizzy Reece, Chris Connor, Bob Timmons, Andrew Hill, Pat Martino, James Moody, Gary McFarland, Oliver Nelson e Willie Bobo.

Na banda de Mingus, torna-se amigo do pianista Jaki Byard e participa de vários concertos e gravações sob a liderança deste. Também fez parte da célebre Thad Jones/Mel Lewis Orchestra, entre 1966 e 1969, e do quinteto de Elvin Jones, entre 1967 e 1970. Nesse período, já havia gravado alguns discos com Chick Corea e a afinidade estético-musical entre os dois era bastante evidente.

Farrell fez parte da primeira formação do Return to Forever, banda de orientação fusion criada por Corea, e permaneceu ali de 1971 a 1973. No início dos anos 70, ele assina com a CTI Records e seus discos obtém ótimas vendagens, especialmente “Moon Gems,” de 1972. No selo de Creed Taylor, ele se tornaria um dos artistas mais ativos do cast, marcando presença em discos de Don Sebesky, Eric Gale, Stanley Turrentine, Grant Green e Milt Jackson.

Seu nome passa a ser disputado não apenas na seara jazzística, mas também por artistas ligados ao rock, ao pop e ao R&B, como Laura Nyro, Roberta Flack, The Rascals, James Brown, Bee Gees, Darryl Hall & John Oates, Santana, Aretha Franklin, Carly Simon e The Band, a famosa banda que acompanhou Bob Dylan em alguns dos seus melhores trabalhos dos anos 60 e 70.

O saxofonista também participou de álbuns de artistas brasileiros, como Flora Purim, Airto Moreira, Luiz Bonfá e Hermeto Pascoal. Grande admirador do estilo de Farrell, o maestro Antonio Carlos Jobim fez questão de tê-lo em vários dos seus discos, com destaque para “Stone Flower” (CTI, 1970), “Tide” (PolyGram, 1970) e “Look to the Sky” (CTI, 1972).

A lista de músicos de jazz com quem Farrell trabalhou, como líder ou como acompanhante, é longa e eclética, incluindo aí nomes como Lee Konitz, John McLaughlin, Jimmy Smith, Freddie Hubbard, Paul Horn, Buddy Rich, Dave Holland, Ray Barretto, Buster Williams, Keith Jarrett, Joe Williams, Dizzy Gillespie, Stanley Clarke, Jack DeJohnette, Ray Mantilla, Stan Getz, George Benson, Herbie Hancock, Larance Marable e uma infinidade de outros.

Durante os anos 70, integrou os grupos do baterista Billy Cobham e do trompetista Blue Mitchell, excursionando e gravando assiduamente com ambos. Ele também fez parte da Mingus Dynasty durante o terço final daquela década, participou de diversos álbuns do ex-patrão Corea e montou um grupo com o baterista Louis Hayes. Embora fosse um músico bem-sucedido e sua agenda estivesse sempre lotada, Farrell tinha sérios problemas com o álcool e a cocaína, fatores que atrapalharam bastante sua carreira e que, em pouco tempo, lhe devastariam a saúde.

No início da década de 80, Farrell participou do supergrupo Fuse One. Criado pelo produtor Creed Taylor, o grupo fazia uma mistura de jazz com ritmos latinos, funk e pop e por sua formação passaram, entre outros, músicos consagrados como os guitarristas George Benson e Larry Coryell, os saxofonistas Stanley Turrentine e Ronnie Cuber, os baixistas Stanley Clarke e Marcus Miller, os pianistas Ronnie Foster e Victor Feldman, os percussionistas Paulinho da Costa e Sammy Figueroa e os bateristas Lenny White e Steve Gadd.

O grupo chegou a gravar alguns álbuns para o selo japonês King, mas a receptividade do público ficou bastante abaixo do esperado, ainda mais quando se considera os talentos envolvidos no projeto. Uma curiosidade é que o grande Wynton Marsalis, famoso por seu apego ao tradicionalismo, chegou a fazer parte da banda, podendo ser ouvido no disco “Silk”, de 1982.

Morando em Los Angeles desde o início dos anos 80, Farrell viu ali os seus problemas de saúde se agravarem, por conta do alcoolismo. As ofertas de trabalho começaram a rarear e durante aquela década o saxofonista gravou pouquíssimos discos em seu próprio nome. Além dos álbuns pela CTI, Farrell lançou discos por selos como Warner Bros., Xanadu, Contemporary, Timeless e Reference.

Em um dos seus raros discos da época, lançado pela independente Real Time, Farrell encontra uma lenda do jazz, o altoísta Art Pepper. Os dois homens compartilhavam um talento invulgar e uma vida pessoal pra lá de tumultuada, daí porque a interação entre ambos foi absoluta. Pena que Pepper atue em apenas três das oito faixas do álbum, mas sua presença é bastante para tornar esse disco um pequeno clássico oitentista.

A sessão rítmica é das mais experientes e conta com o pianista George Cables, o baixista Tony Dumas e o baterista John Dentz. As gravações foram feitas no dia 23 de março de 1982, em os Angeles, e a faixa escolhida para abrir o disco é uma criação do quinteto, chamada “Section-8 Blues”. Embora se assente na tradição do blues, o tema flerta com o bop contemporâneo, aproximando-se das composições oblíquas de um Wayne Shorter. Destaque absoluto para as inflamadas performances de Farrell e Pepper, que mostra aqui uma indubitável influência de Coltrane.

“Darn That Dream”, balada elegante de autoria de Jimmy Van Heusen e Edgar De Lange, recebe um arranjo minimalista, que privilegia a beleza algo fantasmagórica da melodia. A sonoridade adstringente de Pepper contrasta com a doçura do piano de Cables, seu pianista por muitos anos, com um resultado emocionante. Ótimas atuações de Dentz, com um magistral uso das escovas, e de Farrell, que honra a tradição baladeira do tenor e emula a abordagem sensível de Lester Young

Os dois saxofonistas estão na plenitude da criatividade em “Mode For Joe”, hard bop flamejante de Cedar Walton. Solos portentosos, ataques rápidos e bem articulados, fluência nas transições entre graves e agudos, uso inteligente dos efeitos, enfim, Pepper e Farrell duelam como se estivessem em uma animada jam session. Cables conjuga vivacidade e precisão, providenciando um acompanhamento impecável para que os saxofonistas possam brilhar com toda intensidade.

“Blue & Boogie” é bebop da melhor safra e leva a assinatura do pai fundador Dizzy Gillespie. Sem a presença de Pepper, Farrell se desdobra e consegue estimular os companheiros e encantar o ouvinte com sua sonoridade poderosa e seus improvisos surpreendentes. Todos os integrantes da sessão rítmica têm amplo espaço para solar, com destaque para a explosiva atuação de Dentz.

O quarteto emenda três standards em seqüência, sendo o primeiro deles a vibrante “You Stepped Out Of a Dream”, de Nacio Herb Brown e Gus Kahn, executada com uma curiosa levada afro-caribenha, com direito a uma rápida citação a “Stranger In Paradise”. “Someday My Prince Will Come” e “On Green Dolphin Street” ganham arranjos mais convencionais, mas em todos eles o brilhantismo e a excelência técnica de Farrell se sobressaem.

O encerramento fica por conta da feérica “Fun For One And All”, única composição de Farrell inclusa no disco. É um calipso sincopado e alegre, com uma excelente atuação de Cables e de Dentz. Mesmo em um contexto eminentemente dançante, o saxofonista consegue impregnar o tema com elevadas doses de bebop. O disco foi lançado no Brasil há alguns anos pela gravadora Trama.

Pouco mais de dois meses depois dessa gravação, Pepper morreria, em decorrência de um AVC. Farrell, que gravaria apenas mais um álbum como líder, ainda viveria mais alguns anos, vindo a falecer no dia 10 de janeiro de 1986, em Los Angeles, vitimado por um câncer ósseo. Em 2008, sua filha, Kathleen Firrantello, entraria na justiça contra os rappers Kanye West, Method Man, Redman e Common, exigindo reparação pelo uso não autorizado de trechos de um tema de autoria do saxofonista, “Upon This Rock”.

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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A HISTÓRIA DOS FESTIVAIS DE JAZZ, por José Domingos Raffaelli




A música conhecida como jazz sempre teve um significado indefinido para o público brasileiro. A escassez de informações, divulgação precária, desinteresse da imprensa e raros lançamentos fonográficos entre nós foram durante muitos anos fatores negativos que impediam o público em geral de tomar conhecimento de um gênero musical de aceitação cada vez maior em outros países. Somente a partir de 1974 as coisas começaram a mudar através de uma avalanche cada vez mais crescente de lançamentos de jazz, culminando por ocasião do I Festival de Jazz São Paulo-Montreux realizado em setembro de 1978, movimentando uma centena de músicos e 50 mil espectadores durante oito dias numa maratona sem precedentes.


Nesse festival apresentaram-se Dizzy Gillespie, Benny Carter, University of Texas Big Band, Astor Piazzolla, Jazz at the Philarmonic (com Roy Eldridge, Harry Edison, Milt Jackson, Zoot Sims, Jimmy Rowles, Ray Brown e Mickey Roker), Luiz Eça & Hélio Delmiro, Victor Assis Brasil, Raul de Souza, Frank Rosolino, George Duke, Larry Coryell & Philip Catherine, Stan Getz, Rio Jazz Orquestra, Chick Corea, Ahmad Jamal, John McLaughlin, Márcio Montarroyos e Etta James.

Descobriu-se, então, que havia público para uma realização desse porte. A repercussão do evento proporcionou sua segunda edição em 1980. Em agosto do mesmo ano realizou-se o Rio Jazz Monterey Festival no Rio de Janeiro, apresentando-se Pat Metheny, Weather Report, McCoy Tyner, American-Brazilian All Stars (Clark Terry, Slide Hampton, Victor Assis Brasil, Jeff Gardner, Paulo Russo e Claudio Caribé), Al Jarreau, George Duke & Stanley Clarke, Chaka Khan e outros.




Posteriormente, surgiram no Brasil o Free Jazz Festival (depois intitulado TIM Jazz Festival), o Heineken Concerts, o Chivas Jazz Festival e outros de menor repercussão. De alguns anos a esta parte algumas cidades menores passaram a promover festivais de jazz patrocinados pelas respectivas prefeituras: Búzios, Ouro Preto, Rio das Ostras, Itatiaia, etc.

O início da história dos festivais de jazz remonta a agosto de 1948, quando o primeiro evento foi realizado em Nice, na França, iniciando uma onda de festivais em todo o mundo. Os franceses repetiram a experiência em 1949, em Paris, com enorme sucesso.


Todavia, somente em 1954 os Estados Unidos realizarem seu primeiro festival de jazz em Newport, Rhode Island, apropriadamente denominado Newport Jazz Festival, produzido pelo pianista e empresário George Wein em parceria com o casal de milionários Lorillard, provocando uma onda de entusiasmo nos músicos, críticos e aficionados pela perspectiva de ouvirem os melhores jazzmen do mundo. Modesto no início, com apenas dois dias de música, teve repercussão mundial, com sucesso artístico e financeiro acima da expectativa dos organizadores.

O jazz foi tratado com a dignidade que merece. Newport passou a ser um evento anual de grande porte e a procura de ingressos tornava-se cada vez maior, obrigando seus organizadores a transferi-lo para New York em 1972, mudando seu nome para Newport-New York Jazz Festival. Mais tarde, com patrocinio dos cigarros Kool, sua denominação passou a ser Kool Jazz Festival e, anos depois, com mudança do patrocinador, chamou-se JVC Jazz Festival.


A essa altura, Estados Unidos e Europa eram assaltados pela febre dos festivais, utilizando todos os pretextos para organizá-los, fosse nas grandes cidades (New York, Berlim, Paris ou Londres), nas montanhas (em Aspen, no Colorado), nas estações de veraneio ou pequenas cidades (Helsinki, na Finlândia, Montreux, na Suíça, Haia na Holanda ou Umbria, na Itália, país onde realizam-se 55 festivais de jazz por ano).

Nos anos 60 o jazz atravessou um período difícil devido ao sucesso do rock que conquistou os jovens de todo o mundo e os festivais de jazz sofreram uma defasagem. Na tentativa de atrair os jovens, os organizadores passaram a programar grupos de música pop misturados aos jazzmen para estabilizarem suas receitas, garantindo a continuidade dos eventos.

Nesse período o Japão surgiu como um novo e lucrativo mercado para o jazz, transformando-se no novo Eldorado, atraindo músicos americanos e europeus. Apesar da proliferação dos festivais, o de New York sempre ofereceu uma visão do melhor jazz do mundo, embora, como os demais, incluisse atrações comeciais para atrair maior número de jovens espectadores. A essa altura, George Wein expandiu sua área de atuação conduzindo sozinho um incrível circuito de festivais em inúmeras cidades americanas com eventos em Los Angeles, Boston, Miami, Nova Orleans e Chicago, além de Nice, na França, e Londres, na Inglaterra.

O que começou por idealismo tornou-se um grande negócio com altíssimas inversões de capital e lucros cada vez maiores, cujas receitas sempre alcançaram cifras de milhões de dólares, aumentadas pela venda de camisetas, distintivos, programas e principalmente, publicidade extensa. Os direitos de transmissão pela TV e gravações ao vivo sempre geram substancial retorno de capital, bem como os aluguéis de stands para venda de instrumetos musicais, discos e equipamentos de som. O jazz faz parte de um esquema importante da indústria fonográfica, dos empresários e os festivais com investimentos maciços de milhões de dólares transformaram-se numa fantástica fonte de renda com muitos interesses em jogo.

Os festivais converteram-se em veículos promocionais da maior importância, cuidadosamente planejados para que tudo saia a contento. O interesse das gravadoras consiste primordialmente em colocar seus artistas nos festivais para obterem uma grande promoção na imprensa em torno dos seus nomes. Todavia, com o fim das gravadoras de jazz, esse irtem ficou totalmente defasado.


Há anos foi instituida no famoso Festival de Montreux, Suiça, a chamada Noite Brasileira, projetando internacionalmente artistas brasileiros. Lá se apresentaram, entre muitos outros, Hermeto Pascoal, Elis Regina, Simone, É o Tchan, Baby Consuelo e Elba Ramalho; vale salientar que Elba Ramalho, Simone e É o Tchan foram estrepitosamente vaiados por desagradarem inteiramente ao público e à exigente crítica européia. Com o passar dos tempos, em face do fracasso dos artistas nacionais, a Noite Brasileira foi definitivamente cancelada em Montreux.

A gravadora Pablo, do empresário Norman Granz, em 1975 e 1977 acertou com Claude Nobs, produtor-diretor do Festival de Montreux, apresentações do seu fabuloso elenco de jazz, o mesmo ocorrendo com a gravadora Xanadu em 1978.

A título de curiosidade, sem que qualquer esquema promocional fosse acionado neste caso específico, uma apresentação de Miles Davis no Festival de Newport de 1955 valeu-lhe um régio contrato com a Columbia. Davis não atravesava uma boa fase nos primeiros anos daquela década, mas ao tocar “Round About Midnight” recebeu uma ovação consagradora que transformou-o no grande sucesso artístico do evento, recebendo uma proposta irrecusável da Columbia, sendo contratado no ato.

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Textos do Mestre José Domingos Raffaelli são sempre deliciosos e extremamente enriquecedores. Esse, então, é uma beleza! Para acompanhar a leitura, postei músicas extraídas de discos gravados em alguns dos mais importantes festivais de jazz do planeta. Abaixo, a relação dos discos, com as datas das respectivas gravações e os nomes dos músicos que participaram dos concertos:

01 – “Bill Evans at the Montreux Jazz Festival” – Verve – 15 de junho de 1968. Bill Evans (piano), Eddie Gomez (contrabaixo) e Jack DeJohnette (bateria).

02 – “Swiss Movement” – Atlantic – 22 de junho de 1969. Eddie Harris (sax tenor), Les McCann (piano), Benny Bailey (trompete), Leroy Vinnegar (contrabaixo) e Donald Dean (bateria).

03 – “Miles Davis at Newport – 1958” – Columbia – 03 de julho de 1958. Miles Davis (trompete), John Coltrane (sax tenor), Cannonball Adderley (sax alto), Bill Evans (piano), Paul Chambers (contrabaixo) e Jimmy Cobb (bateria).

04 – “Together Again: Live at the Montreux Jazz Festival '82” – Pablo – 25 de julho de 1982. The Modern Jazz Quartet: John Lewis (piano), Milt Jackson (vibrafone), Percy Heath (contrabaixo) e Connie Kay (bateria).

05 – “Live in Marciac, 1993” – Groovin’ High (no Brasil, foi lançado pela Biscoito Fino) – 12 de agosto de 1993. Tommy Flanagan e Hank Jones (piano), Hein Van de Geyn (contrabaixo) e Idris Muhammad (bateria).

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