Amigos do jazz + bossa

sábado, 30 de abril de 2011

CONEXÃO JAMAICANA




Wynton Kelly é um nome bastante conhecido e admirado dentro dos círculos jazzísticos. Jamaicano de nascimento e criado em Nova Iorque, ele foi um dos mais requisitados pianistas dos anos 50 e 60 e fez parte do grupo de Miles Davis entre 1959 e 1963, tendo participado das gravações de “Kind Of Blue”, dividindo o teclado com o genial Bill Evans, seu antecessor na banda de Miles.


Não obstante, ele pertence àquela espécie de músico que é sempre lembrado como um excepcional acompanhante, mas cuja carreira solo não fez o sucesso merecido. É claro que se está falando do ponto de vista da popularidade, já que seus discos como líder, para selos como Riverside, Milestone, Vee Jay, Blue Note, Verve, Xanadu e Delmark, entre outros, primam pela qualidade excepcional e merecem figurar, com louvor, em qualquer discoteca.


Wynton nasceu em Kingston, Jamaica, no dia 02 de dezembro de 1931. Em 1935, sua família imigrou para os Estados Unidos, em busca de melhores condições de vida, fixando-se no bairro do Brooklin, em Nova Iorque. Ali, o garoto começou os estudos de piano clássico, logo passando a se dedicar ao jazz, por conta da influência das orquestras de Count Basie e Duke Ellington, que ouvia no rádio. Além disso, fazia parte de um grupo de garotos que, em um futuro breve, iria se tornar a nata do jazz novaiorquino: Randy Weston (seu primo), Sonny Rollins, Max Roach, Cecil Payne, Ahmed Abdul-Malik, Jackie McLean, Art Taylor e Duke Jordan.


Com apenas 12 anos, em 1943, começou a tocar semiprofissionalmente em bandas de baile do próprio bairro. O primeiro emprego fixo foi na orquestra de Ray Abrams, saxofonista ligado ao R&B, em 1947. Em seguida, viriam trabalhos nas bandas de Hot Lips Page, Eddie "Cleanhead" Vinson, Eddie “Lockjaw” Davis, Hal Singer e Johnny Moore. Em 1949, Wynton foi contratado pelo cantor Babs Gonzales, em cuja big band pontuavam, entre outros, os fabulosos J. J. Johnson, Roy Haynes e Sonny Rollins.


Com a reputação crescendo no meio musical, Kelly começou a década de 50 tocando com gente do gabarito de Dizzy Gillespie, Dinah Washington e Lester Young. Em 1951, com apenas 20 anos, fez suas primeiras gravações como líder para a Blue Note, ao lado do baterista Lee Abrams e do baixista Fred Skeete. Seu ídolo e maior influência era, então, o grande Nat King Cole, um dos maiores pianistas dos anos 40 e que acabaria abandonando a carreira de pianista para se tornar um dos mais bem-sucedidos cantores da época.


De 1952 a 1954, o pianista serviu às forças armadas e foi obrigado a fazer uma pausa na carreira. Findo o período no exército, o pianista voltou à ativa com enorme disposição. Novamente se juntou à banda de Dinah Washington, em 1955, e voltou a trabalhar com Dizzy Gillespie, em 1957, desta feita integrando a big band do trompetista. Também foi membro do grupo de Charles Mingus, entre 1956 e 1957, mas não chegou a participar de nenhum álbum do contrabaixista.


Em compensação, Kelly registrou trabalhos, como sideman, em álbuns de luminares como J.J. Johnson, Sonny Rollins, Johnny Griffin, Hank Mobley, Billie Holiday, Coleman Hawkins, Paul Gonsalves, Stan Getz, Art Farmer, Jimmy Cleveland, Paul Quinichette, Frank Wess, Clark Terry, Pepper Adams, Lee Morgan, Abbey Lincoln, Steve Lacy, Benny Golson, Betty Carter, Donald Byrd, Milt Jackson, Blue Mitchell, Curtis Fuller, Chet Baker, Cannonball Adderley, Sonny Criss, Wes Montgomery, Freddie Hubbard, George Coleman, Philly Joe Jones, Wayne Shorter, Art Pepper, Dizzy Reece, Art Taylor, James Clay, Sam Jones, Mark Murphy, Roland Kirk, King Curtis, Dexter Gordon, David “Fathead” Newman e incontáveis outros.


Em 1958 gravou para a Riverside o ótimo “Piano”, liderando um quarteto integrado por Kenny Burrell, Paul Chambers e Philly Joe Jones. Em 1959, seria a vez de “Kelly Great”, desta feita para a Vee Jay, novamente com um time de peso a acompanhá-lo: Lee Morgan no trompete, Wayne Shorter no sax tenor, Paul Chambers no contrabaixo e Philly Joe Jones na bateria.


Sua habilidade e sua técnica ao piano levaram o guitarrista holandês Joop Visser, seu fã declarado, a escrever: “Wynton Kelly foi um talento altamente subestimado. Era tanto um elegante solista com um acompanhante ritmicamente infeccioso, com um estilo que mesclava as linhas harmônicas do bebop com uma grande influência do blues. Dotado de uma afinação perfeita e altamente individual, dominava como poucos o estilo de acordes em bloco. Seu trabalho foi sempre muito melódico, especialmente quando interpretava baladas, enquanto um irresistível sentido de swing caracterizava as suas performances nos tempos médios e rápidos”.


Ainda em 1959, foi convidado por Miles Davis para substituir Bill Evans em seu sexteto. Kelly esteve presente nas gravações do mítico “Kind Of Blue” (na faixa “Freddie Freeloader”) e participou de vários álbuns importantes na discografia de Davis, como “In Person: Friday Night At the Blackhawk”, “In Person: Saturday Night At the Blackhawk”, “Sketches Of Spain” e “Someday My Prince Will Come”.


Durante seu período com o trompetista, estreitou os laços de amizade com John Coltrane, então tenorista da banda, e participou de discos antológicos do saxofonista, como “Giant Steps” (de 1959, no qual divide o piano com o grande Tommy Flanagan) e “Coltrane Jazz” (de 1960), ambos para a Atlantic. Outro colega da banda de Davis que contou com os bons préstimos do pianista em seus próprios discos foi o altoísta Cannonball Adderley. Kelly brilha nos álbuns “Cannonball Adderley Quintet In Chicago” (Verve) e “Cannonball Takes Charge” (Capitol), ambos gravados em 1959 (embora o segundo só tenha sido lançado em 1963).


Ao mesmo tempo, Wynton também liderava seu próprio trio, complementado pelo baterista Jimmy Cobb e pelo baixista Paul Chambers, seus colegas na banda de Miles. Eventualmente, Chambers era substituído pelo talentoso Ron McLure, mais conhecido por seu trabalho no quarteto de Charles Lloyd.


Em 1965, Wynton dividiu com o genial guitarrista Wes Montgomery a liderança do excepcional “Smokin’ At The Half Note”. Gravado entre junho e setembro daquele ano, para a Verve, o álbum conta com as presenças ensolaradas de Paul Chambers no baixo e de Jimmy Cobb na bateria, com produção de Creed Taylor e engenharia de som de Rudy Van Gelder.


Montgomery e Kelly já haviam trabalhado juntos em várias outras ocasiões, sempre sob a liderança do guitarrista, como nos álbuns “Bags Meets Wes: Milt Jackson & Wes Montgomery”, de 1961, “Fullhouse”, de 1962, e “The Alternative Wes Montgomery”, de 1963. A dupla também fez uma apresentação consagradora no festival de Newport de 1965.


Neste álbum, os dois interagem de forma siamesa, como se jamais tivessem tocado com outros parceiros. Logo de cara, o ouvinte é convidado para uma viagem alucinante, na estupenda versão de “No Blues”, de Miles Davis. São quase treze minutos de improvisações que ensandecidas, onde os quatro trafegam pelos meandros do blues e do bebop com intensidade e paixão.


Os solos de Montgomery e Kelly são antológicos, como se os dois músicos buscassem estender as possibilidades sonoras dos respectivos instrumentos até os limites do imponderável. O aparato rítmico criado por Chambers e Cobb é dos mais sólidos e permite que os vôos dos líderes alcancem alturas estratosféricas.


Em seguida, o quarteto emenda uma comovente interpretação de “If You Could See Me Now”, provavelmente a composição mais conhecida e gravada de Tadd Dameron. A execução de Kelly percorre com graça e sutileza o arcabouço melódico do tema, revelando um intérprete sensível e de enorme refinamento. Mostrando que também consegue trafegar pelo terreno das baladas com emotividade e delicadeza, Montgomery elabora improvisos bastante complexos.


A temperatura se eleva quando os quatro músicos apresentam a sua versão de “Unit 7”, clássico do baixista Sam Jones. Hard bop e blues caminham de mãos dadas e a energia que transborda das caixas de som é quase palpável. O pianista tem uma atuação exuberante, atacando as teclas com extrema perícia e uma fúria criativa de arrepiar. O histamínico Wes cria riffs poderosos e sua abordagem é feroz, instintiva, vital, urgente. A performance de Cobb, volátil, explosiva e vigorosa, dá profundidade rítmica ao tema e sua percussão se reinventa contínua e surpreendentemente.


Com a adrenalina a mil, é a vez de “Four On Six”, tema de autoria do guitarrista e uma espécie de assinatura musical. Os solos de Wes são devastadores, coesos, espontâneos – não é à toa que o guitarrista Pat Metheny considera esse disco o melhor álbum de guitarra jazzística de todos os tempos. Fazendo a necessária simetria com a catarse sonora arquitetada por Montgomery, Kelly constrói um discurso melódico e harmônico de igual magnitude, imprimindo em seu toque um elevado grau de impetuosidade e combustão. O breve solo de Chambers, com o arco, é outro ponto a destacar.


A última faixa é “What’s New”, balada romântica gravada por virtualmente todos os grandes nomes do jazz. Tanto Wes quanto Kelly deixam as suas respectivas impressões digitais no tema e conseguem dar a ele personalidade e frescor. O piano é fugidio, evasivo, quase fantasmagórico. A guitarra, lamentosa e melódica. Cobb e Chambers, discretos e eficientes, dão um suporte rítmico caracterizado pela enorme sutileza.


Um disco é simplesmente fabuloso, que mereceu do crítico Jim Smith, do site Allmusic, nada menos que cinco estrelas e a seguinte análise: “é audição obrigatória para qualquer um que queira saber porque as dinâmicas performances ao vivo de Montgomery são consideradas o ápice de sua brilhante e incrivelmente influente carreira”. Basta dizer que a atuação de Kelly – provocativa, engenhosa e sofisticada – se encontra no mesmíssimo patamar de excelência


Kelly, que sofria de epilepsia desde a adolescência, se manteve em intensa atividade, tocando e gravando com assombrosa freqüência, até o dia 12 de abril de 1971, quando sofreu um ataque cardíaco, após uma séria crise epilética. Ele tinha 39 anos e estava em Toronto, no Canadá, em uma turnê com seu trio. Jamais deixou que a doença interferisse em seus compromissos profissionais e lutou contra ela, bravamente, o fim dos seus dias. Sua filha, Tracy Matisak, é hoje uma conhecida apresentadora de TV nos Estados Unidos.


O baixista Marcus Miller, músico bastante lembrado por sua associação com Miles Davis, é outro primo de Kelly que se dedicou à música. A influência do pianista no meio jazzístico era tão grande que o também pianista Ellis Marsalis resolveu prestar-lhe uma homenagem, dando a seu primogênito o nome de Wynton, que cresceu e se tornou o mais badalado trompetista da atualidade.


Segundo o crítico Sylvio Lago, “do ponto de vista técnico, Wynton Kelly sempre revelou domínio do teclado. Apresentando completa independência do movimento das mãos, conferindo importância aos blocos de acordes e expressando contornos melódicos no seu estilo simples, direto e sempre swingante”.



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O segundo desafio Jazz + Bossa foi encerrado com muito sucesso. Foram mais de 100 comentários e a participação expressiva dos amigos na festa. O vencedor do desafio foi o nosso Capitão John Lester, alcaide da Barra do Jucu, que acertou três das cinco questões propostas. Todavia, ele gentilmente abriu mão do prêmio, que foi ganho pelo nosso amigo Fabrício, que acertou as duas perguntas restantes. O cd já está a caminho de Sampa e até o fim da próxima semana deverá estar rolando no player do Fabrício. Muito obrigado a todos os que participaram e quue mantenham a caixa de comentários sempre cheia. Um abração a todos os amigos do jazzbarzinho!

sexta-feira, 22 de abril de 2011

DESAFIO JAZZ + BOSSA: 2 ANOS NA REDE



Caros amigos do Jazz + Bossa,

O blog completa, neste dia 25 de abril, dois anos no ar. Durante esse tempo, fizemos inúmeros amigos no Brasil e pelo mundo, conhecemos um monte de gente bacana e pudemos compartilhar com pessoas maravilhosas o amor pela música e pelo jazz. Portanto, só posso agradecer o carinho e a participação de todos vocês aqui no blog. E para comemorar, o Jazz + Bossa lança o seguinte desafio: quem acertar três das cinco questões propostas receberá, em casa e sem qualquer despesa, o cd “The Dual Role of Bob Brookmeyer”, do grande trombonista da West Coast.

1 – Qual no nome do livro e do autor de onde foi extraído o excerto abaixo?

“Nos anos 1950 e 1960 houve o Jazz Workshop, o Blackhawk, clubes da Costa Oeste de primeira grandeza que abrigaram muitas gravações ao vivo. “Miles: Friday and Saturday Night at the Blackhawk, 1961” foi uma das mais famosas.

Sei que tenho uma reedição de Saturday Night em algum lugar. Eu a encontro em uma pilha de CDs e ponho para tocar. Miles com Hank Mobley no tenor; Paul Chambers, baixo; Jimmy Cobb, bateria; Wynton Kelly no piano tocando “Well you needn’t”, de Monk.

As notas da capa original de Ralph Gleason sobre Miles estão numa letrinha pequena, mas há quase o mesmo espaço de texto sobre o clube e seu proprietário, Guido Caccienti, um excêntrico que escrevia o nome das próximas atrações com sabão nas janelas do clube.”

2 – Quem é o músico que aparece na foto abaixo?




3 – Qual no nome do livro e do autor de onde foi extraído o excerto abaixo?

“O público parecia perceber o quanto eles estavam se divertindo. Algumas pessoas tinham ficado de pé, e ouviram-se também alguns gritos de encorajamento, tão alheios ao espírito britânico. Os dois homens ao piano estavam atingindo uma escala ascendente de virtuosismo e de suingue. Estavam, como Claude disse mais tarde, muito assanhados. Suas mãos nunca se tocavam, cada um deixando a área partilhada de uma oitava e meia acima do dó central quando o outro entrava. Apesar de toda a fúria da performance, havia uma delicadeza em questões de espaço, quase como dois animais na selva.”

4 – Quem é o músico que aparece na foto abaixo?




5 – Quem é o saxofonista que toca na faixa abaixo?

A regra é clara: Quem acertar três das questões acima ganha o disco. Mas a resposta tem que estar totalmente correta, ok? Assim, no caso dos trechos reproduzidos, é necessário que o leitor acerte o nome do autor e da obra para que a questão seja considerada válida. Boa sorte a todos e que comece o desafio!!!!!

sexta-feira, 15 de abril de 2011

A VIGÍLIA

Os dias se vão,

Os dias incontáveis, eles se vão

Os dias se vão,

Os dias...

Eles passam pela cidade insubmissa

A velha cidade insubmissa...

Invejo os amantes nas águas furtadas,

Invejo-os pela perspectiva da esperança

Invejo-os, apenas...

Telefono para alguém que nem lembro mais quem é

Mas meu coração sangra!

Parece que os relâmpagos não têm pernas

E caem lentamente,

Sob o olhar indiferente da matilha silenciosa...

Não há almoço e nem saudação...

Não há o som das harpas e das flautas

Só o tempo e suas areias...

Os grãos pululam na ampulheta,

E a água está deserta

Minhas memórias jazem, solitárias, em meus cadernos

Sinto o escarro da noite em minha garganta

O mar calmo, a brisa, o tempestuoso amanhã do qual não posso fugir...

Os olhos de ontem, os contos de fada, o paraíso sonhado

Telefone é lâmina dispersa, e seu toque inaudito é desespero

Ah! Meu anjo volátil,

Não sabias que o abandono é mais doce que a morte?

O esqueleto de cerâmica, a sombra, a sombra...

O vapor do fogo crepitando...

O telefone, e os mesmos números

Não há colheita, a terna colheita, a mão cheia de calos

Apenas existe a hora errada, o látego, a briga, o amor incompreensível

O suspense a preencher o vazio das horas,

A fome de velhos suspiros

O romance aquietado é como arma apontada para minha cabeça...

O museu da minha cabeça, o sangue na minha boca, a ferida

Minha mudez, minha nudez,

Os homeopatas, os contornos sibilantes

Consumido pelo refugo do desejo...

Adormecido sob a escuridão lunar...

Agora são as luzes encurvadas,

O travo amargo da vigília

O olhar desatento à coreografia das nuvens

As páginas escritas com carvão e fel

O perfume do cosmos é um bocejo eterno

As pernas cansadas, as câimbras, o caminhar invisível, a carícia em vão

Só o arcano insolente me guarda o sono que não chega.

Em suas mãos, o arabesco extraviado, o ensaio da escusa,

A cegueira meridiana...

Minha vida é palimpsesto

Missiva acabrunhada onde registrei as honrarias que jamais recebi

Epopéia sem herói ou mito, selvageria bem-comportada,

Bagatela rutilante e senil...

Os anjos continuam a pousar no quintal,

Mas nada dizem

E não me dizem nada.

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O pianista, arranjador e compositor Michel Sardaby nasceu no dia 04 de setembro de 1935, em Fort de France, na Martinica. O pai, Bernard-Antony-Isaac Sardaby, comandava um bar na cidade natal e, nas horas vagas, era pianista amador. O garoto cresceu em um ambiente extremamente musical e logo se mostrou um prodígio ao piano. Com apenas cinco anos já conseguia extrair os primeiros acordes do instrumento e aos dez anos já realizava concertos em seu país.

No início dos anos 50 mudou-se para a França, onde estudou na École Boulle, graduando-se em 1956. Ao mesmo tempo, desenvolveu uma refinada carreira musical, tocando em vários clubes de Paris e atuando como sideman de músicos importantes do jazz e do blues, como Kenny Clarke, Dexter Gordon, Dizzy Gillespie, Bill Coleman, Johnny Griffin, Clark Terry, Sonny Boy Williamson, T-Bone Walker Dee Dee Bridgewater, Art Farmer, Philly Joe Jones, Sonny Criss, Ben Webster, J. J. Johnson, Chet Baker, Art Taylor, Guy Lafitte, René Thomas, Pierre Michelot e incontáveis outros.

Sua discografia é pequena, mas bastante significativa do ponto de vista qualitativo, incluindo duetos com o pianista jamaicano Monty Alexander (“Carribean Duet”, de 1984) e o baixista Ron Carter (“Voyage”, também de 1984). Seu formato preferido parece ser o trio e dessa forma gravou, ao lado dos ótimios Percy Heath e Connie Kay o álbum “Night Cap”, de 1970. Seus discos contam com a participação de jazzistas de peso, como Richard Davis, Billy Cobham, Billy Hart, Rufus Reid, Marvin Smitty Smith, Buster Williams, Ray Drummond e Albert “Tootie” Heath.

Nesse universo de poucos, mas relevantes álbuns, destaca-se o excelente “Straight On”, gravado para o selo japonês Sound Hills, entre os dias 15 e 16 de maio de 1992, durante uma temporada no clube Alligators, de Paris. À frente de um poderoso quinteto, integrado por Louis Smith (trompete), Ralph Moore (sax tenor), Peter Washington (contrabaixo) e Tony Reedus (bateria), o pianista mostra toda a sua elegância e versatilidade. Os oito temas do repertório são de sua autoria.

A faixa de abertura é “Settin’ The Pace”, hard bop inflamável e melodioso, na trilha das melhores composições de Horace Silver. Tanto o veterano Smith quanto o inglês Moore, um dos mais talentosos saxofonistas da nova geração, fizeram parte do quinteto de Silver, o primeiro na década de 60 e o segundo nos anos 80, o que pode explicar a semelhança na abordagem. Mas no que diz respeito à pianística, Sardaby tem uma linguagem própria e bastante pessoal. Seu fraseado é mais límpido e menos percussivo e seus solos fluem com desenvoltura.

Em seguida, é a vez da balada em tempo médio “Blisfull Breeze”, com sua estrutura dançante e cadenciada. Moore entrega um estupendo solo, viril e audacioso, com uma sonoridade robusta e muita criatividade. O líder não se faz de rogado e também se mostra inventivo. Sua atuação é impecável, onde classe e swing aparentam ser as duas faces de uma mesma moeda. Em “Ballad For Roni”, o clima é mais intimista. A introdução, maravilhosa, fica a cargo de Smith, cujo sopro delicado traz à memória os grandes momentos de Miles Davis. Destaque também para os acompanhamento minimalista de Washington e Reedus.

Repleto de influências caribenhas, “Feliz” é ritmada e bastante alegre. O líder mostra que também bebeu na fonte da maravilhosa escola cubana de Bebo Valdés. Smith é energia pura e seu solo é uma ensolarada incursão pelos ritmos afro-caribenhos e pelo bebop. “Down At Dawn” é uma valsa bop, sofisticada mas nem um pouco desprovida de swing. A abordagem do pianista é sóbria, contida, e ele usa poucas notas para transmitir uma discreta emotividade. A belíssima pegada de Reedus e o solo antológico de Washington devem ser ouvidos com atenção redobrada.

“Smoothie” é a mais longa faixa do disco. São mais de dez minutos de puro virtuosismo, em mais uma bem sucedida incursão pelas flamejantes veredas do hard bop. Moore é sumamente ousado, e aqui sua abordagem é coltraneana, cheia de dissonâncias e imersa no blues. Embora tenha nascido na Martinica e tenha estudado música na França, Sardaby possui um groove genuíno e uma enorme intimidade com o blues. Sua performance calorosa nada deve a um verdadeiro nativo do Delta do Mississipi. Reedus brinda o ouvinte com mais uma atuação devastadora.

Em “Dexterdays” o quinteto volta a baixar a temperatura. Trata-se de uma balada charmosa, com uma atmosfera típica dos anos quarenta e que sugere noites mal dormidas e amores febris. Destaque absoluto para o trompete pungente de Smith, cujo toque requintado dá brilho e elegância ao tema. Para encerrar, a poderosa “Turn On The Heat”, que honra o título (numa tradução não muito preciosa, quer dizer algo como “ligue o aquecimento”) e, literalmente, põe fogo no set. Rápida, vibrante e colorida, tem o delicioso clima de jam session presente nas melhores gravações de jazz. Sardaby se mostra surpreendentemente agressivo, fazendo uso de toda a extensão do teclado. Grandes performances de Moore e de Smith, que protagonizam um duelo dos mais empolgantes. Um álbum que abrilhanta qualquer coleção e que faz jus ao talento de um pianista superlativo.

Compositor que dá muita importância ao aspecto melódico dos seus temas e solista de vastos recursos, ele cita Duke Ellington, Nat King Cole, Bud Powell e Thelonious Monk como suas principais influências. Seu trio atual, integrado pelo baixista Gilles Naturel e pelo baterista Philippe Soirat, mantém uma intensa rotina de trabalho, inclusive com várias turnês no exterior, e é considerado, atualmente, a melhor sessão rítmica em atividade na França.

Apesar de ser pouco conhecido do público, Sardaby é bastante respeitado por seus colegas músicos de jazz, razão pela qual é considerado um dos mais bem guardados segredos do jazz. Recentemente, compôs “Shadow of the Sunset”, em homenagem às vítimas do atentado de 11 de Setembro. O crítico Francis Paudras escreveu: “Michel Sardaby sempre recusou qualquer compromisso com o efêmero. Sua música é feita de pureza e respeito às origens, o que não faz dele, certamente, uma vedete do ponto de vista comercial. Mas parece que os verdadeiros artistas estão, irremediavelmente, condenados a seguir essa voz interior”.

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segunda-feira, 11 de abril de 2011

TUDO COMEÇOU COM CHARLIE CHRISTIAN


Nove entre dez guitarristas do jazz apontam Charlie Christian como uma de suas principais influências. A importância do chamado “Pai da guitarra moderna” transcende gerações e a lista de nomes que o reverenciam como fonte primária de inspiração vai de Joe Pass e Wes Montgomery a Peter Bernstein e Anthony Wilson. Considerado um dos mais legítimos sucessores de Christian – e, segundo alguns críticos, um continuador de sua obra, interrompida pela morte precoce em 1942 – Barney Kessel pertence àquela rara espécie de artistas cujo nome é sinônimo de qualidade, bom gosto e excelência técnica.

Kessel nasceu no dia 17 de outubro de 1923, em Muskogee, Oklahoma. Aos 12 anos, comprou a primeira guitarra, com o dinheiro que economizou vendendo jornais. Autodidata, começou a tocar sozinho, usando um livreto intitulado “Como tocar guitarra em 5 minutos”. Aos 14 anos descobriu o jazz e não muito tempo depois se apaixonou pelo estilo de Charlie Christian, que na época fazia bastante sucesso no sexteto de Benny Goodman. Aos 16 anos fazia suas primeiras apresentações como profissional em bandas de blues e R&B da cidade natal, como a de Ellis Ezell.

Corria o ano de 1939 e o destino reservava a Barney uma incrível surpresa: conhecer pessoalmente o ídolo Charlie Christian, que estava na cidade para uma apresentação. Após o concerto, o jovem Kessel foi aos bastidores e nem em seus sonhos mais generosos poderia esperar uma receptividade tão grande. Christian o convidou para jantar e, ao fim da noite, deixou o incrédulo rapaz em casa, não sem antes dar-lhe diversas dicas e conselhos sobre a carreira musical.

No ano seguinte, Kessel tornou-se membro efetivo da orquestra de dança da Universidade de Oklahoma. Em 1942, decidido a tentar a sorte em Holywood, mudou-se para Los Angeles. Recebeu da mãe um beijo de boa sorte e vinte dólares e foi à luta. Seu primeiro trabalho na nova cidade foi como lavador de pratos em um drive-in, mas pouco tempo depois passou em um teste e foi aceito na orquestra do comediante Chico Marx, que nas horas vagas atacava de bandleader. O crooner da big band era o também jovem Mel Tormé e a associação de Kessel com a banda durou cerca de um ano, o suficiente para colocar seu nome em evidência no cenário musical da cidade.

Em 1944, foi o único músico branco a participar do filme “Jammin’ the Blues”, documentário que mostra uma jam session comandada por Lester Young e que conta com as participações de, entre outros, Red Callender, Harry Edison, Big Sid Catlett, Jo Jones e Illinois Jacquet. Após o desligamento da orquestra de Marx, o guitarrista trabalhou com Charlie Ventura, Les Brown, Roy Eldridge, Hal McIntyre, Benny Goodman e Artie Shaw, com quem passou cerca de dois anos. Também fez carreira no rádio, tocando nas orquestras dos programas de Jack Smith, Frank De Vol e Bob Crosby.

Em 1947 integrou-se aos Charlie Parker's New Stars, participando de algumas gravações do saxofonista para a Dial. No mesmo ano, fez diversas apresentações na série Just Jazz, produzida por Gene Norman, incluindo um espetáculo denominado “From Dixieland To Bop,” executado por uma banda liderada por Lucky Thompson e Benny Carter. Outro trabalho bastante representativo naquele período foi como acompanhante nas gravações do clarinetista sueco Stan Hasselgard, feitas para a Capitol Jazz e que incluíam também o vibrafonista Red Norvo e o pianista Arnold Ross.

No início dos anos 50 foi convidado por Norman Granz para participar do projeto Jazz At The Philharmonic. Durante as excursões e concertos do JATP pelos Estados Unidos e Europa, conheceu o pianista Oscar Peterson, que em 1952 o convidou a integrar seu trio, cujo baixista era o grande Ray Brown. A parceria foi muito bem-sucedida, mas o guitarrista deixou o grupo no ano seguinte, a fim de assumir a direção musical e os arranjos do programa televisivo de Bob Crosby. Seu substituto no trio de Peterson foi o excelente Herb Ellis.

Concomitantemente, manteve uma intensa atuação como freelancer, acompanhando Billy May, Sonny Rollins, Benny Goodman, Fred Astaire, Billie Holiday, Anita O’Day, Kid Ory, Milt Jackson, Frank Sinatra, Gene Krupa, Benny Carter, Buddy Collette, Paul Horn, Ella Fitzgerald, Flip Philips, Hampton Hawes, Wardell Gray, Shorty Rogers, Dinah Washington, Bobby Troup, Helen Humes, Red Norvo, Peggy Lee, Buddy DeFranco, Erroll Garner, Chet Baker, Art Tatum, Sarah Vaughan, Bing Crosby, Bud Shank e Mel Tormé, entre uma infinidade de outros grandes nomes.

Barney foi o arranjador e o guitarrista do álbum “Julie Is Her Name”, de Julie London, gravado entre outubro de 1955 e janeiro de 1956. A versão de “Cry Me A River” incluída no disco fez um sucesso estrondoso pelo mundo, inclusive no Brasil, influenciando diretamente jovens instrumentistas, como Roberto Menescal, Carlos Lyra e Oscar Castro Neves, que em breve revolucionariam a música brasileira com o advento da Bossa Nova. Segundo Menescal, a performance de Kessel era um verdadeiro “tratado de harmonia”.

Em 1953, assinou com a Contemporary, lançando por aquela gravadora uma série de álbuns, alguns deles muito bem-sucedidos do ponto de vista comercial. Uma das parcerias mais duradouras foi com o baixista Ray Brown, seu velho parceiro no trio de Oscar Peterson, e o baterista Shelly Manne. Por conta dos inúmeros prêmios que os três abocanharam ao longo da carreira, o trio foi logo batizado com o nome de “The Poll Winners”.

O primeiro disco do trio, simplesmente chamado “The Poll Winners”, foi gravado em 1957. Seguiram-se outros, como “The Poll Winners Ride Again”, de 1958, “The Poll Winners Three”, de 1959, “The Poll Winners Exploring The Scene!”, de 1960, e “The Poll Winners: Straight Ahead”, de 1975. A excelência técnica de todos os discos é inquestionável, mas se for preciso escolher apenas um deles, fico com “The Poll Winners Ride Again!”, que não é dos mais incensados pela crítica, mas sua audição é sempre deliciosa.

Gravado em duas sessões, nos dias 19 e 21 de agosto de 1956, foi o segundo álbum do trio, que aqui se mostra mais entrosado e coeso do que nunca. E bastante irreverente também, com um repertório que mescla composições de Kessel e Brown, standards, hits da parada pop e trilhas sonoras de desenhos animados. Não é por outro motivo que o próprio guitarrista declarou certa feita: “Com baixo, bateria e guitarra você tem melodia, harmonia e ritmo. Os elementos da música estão todos aí. Esses instrumentos são tão diferentes que quando tocam juntos cada um possui uma enorme clareza, resultando em uma combinação única. É um enorme prazer para mim poder tocar nesse formato, que é o meu favorito.”

O blues em tempo médio “Be Deedle Dee Do” abre o disco em grande estilo. É uma composição do guitarrista, que exibe a habitual consistência harmônica, com direito a improvisações de grande expressividade. A versatilidade de Brown se revela não apenas no acompanhamento perfeito, mas também no maravilhoso solo, distinto e muito bem arquitetado. Manne é um baterista de enorme capacidade de adaptação e que toca com grande facilidade em qualquer tempo ou andamento. Nesta faixa, o seu trabalho com os pratos é soberbo.

Uma bem-humorada interpretação do hit “Volare”, do italiano Domenico Modugno, dá bem a medida de quanto os três músicos estavam se divertindo ao gravar o disco. A balada “Spring Is Here”, de Richard Rodgers e Lorenz Hart”, ganha um arranjo requintado, no qual as notas límpidas de Kessel criam um clima de melancólica beleza. O contrabaixo de Brown ajuda a compor a atmosfera sombria.

Richard Rodgers comparece novamente, com “The Surrey With The Fringe On Top”, em parceria com Oscar Hammerstein. Rápida e swingante, a faixa é um ótimo veículo para que o guitarrista exiba toda a sua fluência e inventividade, dedilhando o instrumento com ferocidade e enorme senso melódico. A frenética atuação de Manne, explosivo e contundente em seus ataques, é outro ponto que merece destaque.

“Custard Puff” é outro blues, agora de autoria de Ray Brown. Cadenciado e dolente, privilegia o sentido rítmico do guitarrista, cuja levada é verdadeiramente hipnótica, mostrando que Kessel também bebeu na fonte dos grandes guitarristas rítmicos, como Oscar Moore e Freddie Green. A integração entre baixo e bateria é telepática, e tanto Manne quanto Brown brilham em solos admiráveis.

O título de “When The Red, Red Robin Comes Bob, Bob, Bobbin' Along” é dos mais estranhos. Mas a composição de Harry M. Woods, que já havia sido gravada por Al Jolson, Doris Day e Dean Martis, é interpretada de forma envolvente e alegre. A batida de Manne é infecciosa, pulsante e de um dinamismo que contagia os outros integrantes do trio. “Foreign Intrigue”, tema de autoria do guitarrista, é um bebop acelerado e repleto de alternativas harmônicas. A técnica superior de Kessel faz com que, por vezes, o ouvinte tenha a sensação de que são duas guitarras tocando ao mesmo tempo.

“Angel Eyes” é uma balada soturna de Matt Brent e Earl Dennis, que ganha uma roupagem lírica e delicada. A guitarra de Kessel pontua frases de pura elegância e de uma eloqüente concisão. A abordagem minimalista de Brown e, sobretudo, de Manne combina sutileza e muita classe. Para encerrar, outra bela amostra do clima descontraído e despretensioso é a versão de “The Merry-Go-Round Broke Down”, de Cliff Friend e Dave Franklin, célebre por ser a trilha sonora dos desenhos do Pernalonga.

De 1956 a 1960 o incansável Barney trabalhou como executivo da gravadora Verve, voltado para a área pop, tendo produzido diversos álbuns do cantor Ricky Nelson. Nos anos 60, foi contratado pela Columbia Pictures, trabalhando incessantemente em trilhas sonoras daquele estúdio de cinema. Também esteve presente em gravações de cantores e grupos pop, como Elvis Presley, Sam Cooke, The Righteous Brothers, The Coasters, Barbra Streisand, The Beach Boys e The Monkees.

Kessel atuou em um episódio do seriado televisivo Perry Mason, um dos mais populares daquela década, interpretando um guitarrista de jazz. Em 1961 a famosa fábrica Gibson lançou uma guitarra com seu nome, sendo que o modelo foi fabricado até 1973. De 1967 a 1970, manteve a Barney Kessel's Music World, uma loja de instrumentos musicais localizada em in Hollywood e que, na época, era considerada inovadora, por possuir em seus quadros técnicos especializados em guitarra. Não é por outra razão que roqueiros como John Lennon, George Harrison e Eric Clapton eram fregueses assíduos da loja.

Em 1968, após uma excursão com os Newport All Stars, do produtor e pianista George Wein, Kessel estabeleceu-se em Londres e ali permaneceu até 1970, quando retornou para os Estados Unidos. Durante a temporada londrina, ele trabalhou para a BBC Television Broadcasts, gravou um álbum baseado no musical Hair (“Aquarius: The Music From Hair”, para o selo inglês Black Lion, em novembro de 1968) e se tornou atração constante no tradicional clube Ronnie Scott’s.

Ainda no continente europeu, gravou ao lado de Joe Venutti e Stéphane Grappelli (no álbum “Venupelli Blues”), de Ruby Braff e Red Norvo (no álbum “Swing That Music”) e Chet Baker (no álbum “Albert’s House”), todos de 1969. Nos anos 70 e 80 ele fez parte de outro supergrupo, o “Great Guitars”, ao lado dos geniais Charlie Byrd e Herb Ellis. Sucesso de público e crítica, o trio realizou inúmeras gravações para a Concord.

O guitarrista também possuía um ótimo senso de humor e muita presença de espírito. Em seu livro “Jazz Anedoctes”, o baixista Bill Crow relata que, certa feita, Barney descobriu um restaurante chamado “Barney Kessel’s”, em Chicago. Sem se fazer de rogado, entrou no estabelecimento, pediu a comida e, na hora de pagar, perguntou à garçonete: “Mas quem é esse Barney Kessel”?

Ela apontou para o sujeito que estava no caixa. Barney foi até lá para conferir e, de fato, constatou que ele e o dono do local eram homônimos. O guitarrista ficou meio desapontado, pois pensava que o restaurante era uma homenagem à sua singularíssima pessoa. Não obstante, ainda tentou um “Migué”, para ver se, pelo menos, a refeição saía de graça. Mas não teve jeito. O máximo que conseguiu foi uma simples balinha de hortelã. “Essa é por conta da casa!”, disse Barney Kessel (o dono do restaurante, não o músico).

Kessel também foi um requisitado educador musical, ministrando cursos, palestras e workshops nos quatro cantos do planeta e manteve uma coluna fixa na revista Guitar Player chamada “The Guitar: A Tutor”. Do final da década de 40 até o início dos anos 90, quando esteve em plena atividade, Barney venceu dezenas de premiações de Melhor Guitarrista do Ano, concedidos por revistas como Esquire, Down Beat, Metronome, Theme e Playboy.

Influente e muito querido no meio musical, Barney teve a carreira abortada, de forma repentina e inesperada, em 1992, quando sofreu um AVC devastador, que praticamente lhe roubou os movimentos e a fala. Casado com Phylis Baker, Barney faleceu em casa, no dia 06 de maio de 2004, devido a um câncer no cérebro, em San Diego, Califórnia. Deixou dois filhos, David e Daniel, que também são músicos e trabalharam durante muito tempo com o produtor Phil Spector.

Seu nome está imortalizado no Big Band Hall Of Fame e no Jazz Hall of Fame. O guitarrista Pete Townsend compôs em sua homenagem o tema instrumental “To Barney Kessel”, incluída em seu álbum “Scoop”, de 1983. Sobre ele o crítico André Francis escreveu: “De todos os músicos brancos modernos, ele é um dos que toca melhor o blues. Quando executa uma balada, ele o faz com muita sensibilidade e uma belíssima utilização de acordes. Seu estilo é rítmico, seu estilo é interessante e suas harmonias lógicas e firmes”.

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quarta-feira, 6 de abril de 2011

É TÃO ESTRANHO... OS BONS MORREM ANTES




O jazz é um manancial praticamente inesgotável de grandes músicos. Alguns (poucos) alcançaram fama e fortuna como Miles Davis ou Dave Brubeck. Outros morreram no mais absoluto esquecimento, como o saxofonista Lucky Thompson e o trompetista Dupree Bolton. Alguns envelheceram com dignidade e até o fim da vida exibiam uma energia contagiante, como foi o caso de Benny Carter ou Eubie Blake. Outros, como Clifford Brown ou Scott LaFaro, pereceram na mais tenra idade, deixando os jazzófilos a especular o que poderiam ter feito se tivessem vivido mais alguns anos...

O jazz é como a vida. Em seu microcosmo há heróis e vilões. A dignidade e a infâmia caminham lado a lado e, muitas vezes, são duas faces da mesma moeda. O mesmo cafajeste que, em um dado momento, é capaz de afanar a música de um colega e de não lhe dar o crédito pela autoria (e nem os respectivos dividendos) também pode se mostrar o generoso padrinho de um jovem talento. Parafraseando Nietzsche, o jazz é humano, demasiado humano. Por isso é tão belo!

Tome-se o exemplo de Curtis Lee Counce. É justo que tenha morrido com apenas 37 anos, no auge da forma técnica, quando começava a colher os frutos de uma longa carreira musical e a gozar do merecido reconhecimento por parte do público e da? Não, não é justo. Mas, como dizem os franceses: “c’est la vie”. Felizmente, é possível ouvir seus discos e, de alguma forma, isso o mantém vivo. Outra maneira de render-lhe homenagem é conhecer um pouco de sua trajetória.

Ele nasceu no dia 23 de janeiro de 1926, em Kansas City, no Missouri, terra de Charlie Parker, Ben Webster e Melba Liston, entre outros. Ainda na infância demonstrou uma grande habilidade musical, tendo estudado violino e tuba, até se decidir pelo contrabaixo. A educação musical formal teve lugar na R. T. Coles High School, na própria cidade natal. Em 1941, quando tinha apenas 15 anos, começou a tocar profissionalmente, fazendo parte da orquestra de Nat Towles, baseada em Omaha. Na época, sua maior influência era Jimmy Blanton o excepcional contrabaixista da orquestra de Duke Ellington, outro músico que morreria bastante jovem (em 1942, com apenas 23 anos).

Em 1945 decidiu mudou-se para a Califórnia, onde se uniu ao “Johnny Otis Show”, atração do Club Alabam. Tratava-se de um espetáculo de variedades comandado por John Veliotes, um filho de imigrantes gregos, nascido em Vallejo, Califórnia, que passou a infância e a adolescência no bairro negro da cidade de Berkeley, também na Califórnia. Tendo adotado o nome artístico de Johnny Otis, ele foi baterista, vibrafonista, pianista, cantor, compositor, radialista, bandleader e produtor.

Apaixonado pela cultura negra e ferrenho opositor das práticas racistas tão comuns à época, cunhou uma frase que se tornaria célebre: “Decidi que se a sociedade nos impunha ser negros ou brancos, eu seria negro”. Ele, sua mulher e seus filhos se inseriram com bastante naturalidade à comunidade negra norte-americana e em suas orquestras jamais permitiu qualquer espécie de segregação ou preconceito racial. Várias de suas composições chegaram ao topo das paradas de R&B, como “Every Beat Of My Heart”, “Roll With Me, Henry” e “Willie And The Hand Jive”.

Suas orquestras foram um celeiro de artistas importantes do jazz, do blues e do R&B, e por ali passaram nomes como Big Joe Turner, Eddie “Cleanhead” Vinson, Charles Brown e Louis Jordan, entre outros. Gravou com sumidades como Illinois Jacquet e Lester Young, descobriu e lançou artistas do calibre de Esther Phillips, Etta James e Jackie Wilson e produziu os primeiros discos de Little Richard. Também foi o primeiro a gravar o hit “Hound Dog”, com Big Momma Thornton nos vocais de sua orquestra. Por tantas contribuições para a música norte-americana, Otis é dos poucos artistas a figurar, simultaneamente, no Rhythm & Blues Hall of Fame, no Blues Hall of Fame e no Rock & Roll Hall of Fame.

Em 1946, Counce deixou a orquestra de Otis para se dedicar ao trabalho como freelancer. Naquele mesmo ano, gravou com Lester Young e, em seguida registrou trabalhos com Benny Carter, Wardell Gray, Billy Eckstine, Bud Powell e Edgar Hayes, com quem tocaria com certa regularidade pelos quatro anos seguintes. O baixista também estudou arranjo e composição com Lyle “Spud” Murphy, que lhe abriu as portas para o meio musical da Costa Oeste.

A partir daí, trabalhou com Shelly Manne (1953), Shorty Rogers (1954) e Buddy DeFranco (1955), até ser contratado por Stan Kenton, com quem permaneceu até a primavera de 1956. A bordo da big band de Kenton, Counce fez a sua primeira excursão à Europa. Além disso, mantinha a agenda sempre lotada, tocando com músicos do gabarito de Frank Rosolino, Lyle Murphy, Red Norvo, Buddy Collette, Teddy Charles, Clifford Brown, Jimmy Giuffre, Pete Jolly, John Graas, Russell Garcia, Benny Goodman, Stan Getz, Chet Baker, Bill Holman e Al Cohn.

Após o término da excursão à Europa e fortemente influenciado pela convivência com Clifford Brown, o baixista decidiu montar um quinteto nos mesmos moldes daquele liderado Brown e Max Roach. Para isso, chamou os excelentes Jack Sheldon (trompete, que em alguns concertos e gravações foi substituído por Gerald Wilson ou Rolf Ericson), Harold Land (sax tenor), Carl Perkins (piano, sendo que após a sua morte, em março de 1958, foi substituído brevemente pelo não menos talentoso Elmo Hope) e Frank Butler (bateria).

De 1956 a 1958, o quinteto foi um dos mais reverenciados pequenos grupos da Costa Oeste, rivalizando, pelo menos na região de Los Angeles e San Francisco, em popularidade e prestígio com o próprio grupo que o havia inspirado. Counce e seus comandados eram atração fixa do célebre clube The Haig, em Los Angeles e logo despertaram a atenção do produtor Lester Koenig, que os levou para a sua Contemporary.

Foram quatro álbuns, gravados em pouco mais de dois anos, que revelam, nas palavras dos críticos Richard Cook e Brian Morton, “um grupo ousado e excitante, cujo legado vale a pena ser redescoberto”. A banda elaborava uma poderosa mistura do cool jazz tipicamente californiano com o peso do hard bop mais característico da Costa Leste e não ficava nada a dever a outros quintetos bem mais badalados da época, como o de Miles Davis e o de Horace Silver.

A crítica costuma dizer que se o grupo tivesse se estabelecido Nova Iorque, certamente teria tido um reconhecimento bem maior no concorrido cenário jazzístico nacional. Um dos seus mais representativos discos é “Landslide”, gravado nos dias 08 e 15 de outubro de 1956. É o primeiro álbum do quinteto e a sua formação é a que ficou mais conhecida, com Curtis, Perkins, Land, Sheldon e Butler.

A faixa título, de autoria de Land, abre os trabalhos de maneira explosiva. Sua construção elíptica, arrojada e surpreendente, remeta às composições de Thelonious Monk. O saxofonista é um solista de vastos recursos e sua abordagem intensa e consistente mostra que as comparações com Dexter Gordon ou Sonny Rollins não são despropositadas. Não é à toa que Victor Feldman certa vez declarou que Land era “o melhor tenor de qualquer Costa”. Solos arrebatadores de Perkins e Sheldon dão cor e calor ao tema, que não seria tão vibrante sem a pulsação rítmica imposta pela dupla Counce-Butler.

Com um arranjo delicado e que pouco se afasta da melodia original, o standard “Time After Time” mostra uma banda sólida, coesa, na qual os talentos individuais estão a serviço do conjunto. A sinergia do grupo pode ser sintetizada nas palavras do líder, que em uma entrevista chegou a afirmar que “apesar da ênfase nas atuações individuais, ou possivelmente por causa disso, nós trabalhamos juntos tão bem que em algumas noites, sentíamos e soávamos como uma pessoa”. As performances de Land e Sheldon alcançam as raias do sublime e Counce, qual um impecável maestro, cuida de aparar todas as possíveis arestas sonoras.

Composição de Gerald Wiggins e Kenny Clarke, “Sonar” conjuga o frescor do verão californiano com o ímpeto virtuosístico novaiorquino. O líder mantém a postura discreta, arquitetando seus breves solos com sobriedade e ótimo senso rítmico. A interação entre Land e Sheldon é absoluta e os desafios recíprocos que um lança para o outro constituem uma verdadeira aula de perícia e inventividade musicais. A excelente atuação de Butler, cujo discurso rítmico é inflamado, rápido e preciso, merece todas as loas.

“Mia” é um tema exuberante, de autoria de Perkins. Acelerada e potente, a faixa é um ótimo veículo para o virtuosismo de Sheldon, que aqui se notabiliza pelos ataques rápidos e cortantes, na esteira de Dizzy Gillespie ou Fats Navarro. Alegre e convidativa, reproduz o clima de jam session indispensável às boas gravações de jazz. A atuação de Perkins é intensa, cheia de groove e de um primoroso senso harmônico. O solo do incansável Land, que explora com maestria os registros agudos do instrumento, também é dos mais impactantes e merece ser ouvido com atenção.

Sheldon também é um compositor bastante talentoso e contribui com o estupendo blues “Sarah”. Seco, pesado e sem ornamentações, o tema é uma viagem dramática e poderosa pelo universo sombrio do blues, em seus quase 12 minutos de pura emotividade. O trompetista, mais uma vez, merece o mais amplo destaque, pela entrega e pela densidade que imprime ao tema. O líder tem aqui bastante espaço para solar e o faz com destreza e naturalidade.

“A Fifth For Frank” é uma homenagem a Frank Bultler e também foi composta por Gerald Wiggins, desta feita em parceria com o vibrafonista Cal Tjader. O homenageado Butler é arrojado e dinâmico, e usa todos os recursos da bateria para produzir uma sonoridade fluida e contagiante. Seus solos são muito bem construídos e ocupam boa parte dos sete minutos da faixa. Um álbum que, por tantas qualidades, não pode faltar em uma boa discoteca de jazz.

Embora ainda tenha gravado “Exploring The Future”, pelo pequeno selo Dootone, em abril de 1958, o grupo foi dissolvido em virtude da morte do pianista Carl Perkins. Nas gravações, quem toca o piano é Elmo Hope, mas Curtis, abalado pela morte do amigo e parceiro, não quis levar o grupo adiante com outro pianista e jamais voltou a liderar outras formações. Portanto, esse álbum tem a importância histórica de ter sido o último sob a liderança de Counce.

Sobre o período com o quinteto, o baixista escreveu nas notas do álbum “Carls Blues”, gravado entre abril de 1957 e janeiro de 1958, mas lançado apenas em 1960: “Passei alguns dos momentos mais felizes da minha vida ao lado desses músicos talentosíssimos. A total liberdade que cada um dos membros tinha para expressar suas idéias foi o alicerce do grupo. Nosso segredo era a habilidade que tínhamos para nos comunicar uns com os outros, de forma espontânea e bastante saborosa”.

Curtis manteve, todavia, a rotina de requisitado músico de estúdio, atuando como acompanhante de gente do calibre de Herb Geller, Art Pepper, Chet Baker, Vic Dickerson, Maynard Ferguson, Jimmy Rushing, Sonny Rollins, Jim Hall, Conte Candoli e muitos outros. Em 1959, atuou na banda de Coleman Hawkins e ao lado deste se apresentou no Festival de Monterrey. No ano seguinte, excursionou pela Austrália, sob a liderança de Benny Carter.

Curtis, que foi um dos primeiros músicos negros a integrar o West Coast Jazz, participou de diversos filmes ao longo de sua carreira, destacando-se “Carmen Jones” (1954), com direção de Otto Preminger, “St. Louis Blues” (1958), dirigido por Alain Reisner, e “The Five Pennies” (1959), sob a batuta de Melville Shavelson. Louis Armstrong também participou deste último, uma biografia do trompetista Ernest “Red” Nichols.

Ele faleceu precocemente, com apenas 37 anos, no dia 31 de julho de 1963, durante uma apresentação no clube “Small’s Paradise West”, em Los Angeles. Se há um consolo, pode-se dizer que Counce morreu fazendo o que mais amava: música! De qualquer sorte, há bastante material disponível – seja como líder, seja como sideman – para que os aficionados possam matar as saudades e reverenciar a sua arte superior.

Mais uma vez, peço o socorro do Mestre Apóstolo, que vaticina acerca desse talentoso contrabaixista: “possuidor de irresistível “swing’, com um tempo sólido a toda prova, explorava principalmente os registros médios e graves do contrabaixo, tendo adquirido ao longo dos anos uma sonoridade plena, elegante, personalíssima, com domínio técnico em qualquer andamento e em qualquer formação”.

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sexta-feira, 1 de abril de 2011

O HOMEM INVISÍVEL


Foi o amigo Guen Yokoyama, dos excelentes blogs “Sobretudo, música” e “Conteúdo da lata” quem cantou a bola. Ser um pianista acompanhante de cantores ou cantoras é uma arte nobilíssima, mas, via de regra, esse ofício não vem acompanhado de um reconhecimento à altura. Ele cita os exemplos de Ralf Sharon e Laurence Hobgood, pianistas e diretores musicais de, respectivamente, Tony Bennett e Kurt Elling.

Algumas exceções ficam por conta de Hank Jones e Tommy Flanagan, que se celebrizaram por acompanhar a cantora Ella Fitzgerald, mas que obtiveram, dentro das próprias carreiras como solistas e líderes de pequenos conjuntos, a merecida reverência por parte do mundo do jazz. Hobgood é o objeto do post intitulado “Laurence Hobgood e a sina dos pianistas acompanhantes”, que analisa as dificuldades de quem, muitas vezes, tem que refrear o próprio talento para que o cantor – ou cantora – possa brilhar com mais intensidade.

Na preciosa prosa de Yokohama, que considera Elling o melhor cantor de jazz da atualidade, “não é fácil a vida de ‘segundo’ do melhor cantor de jazz. Por melhor que seja, fica em plano… secundário. Mas, aproveitando o ditado de que ‘ao lado de um grande homem sempre há uma grande mulher’, à mercê de certo chauvinismo e um tanto de misoginia, um bom pianista só valoriza o bom cantor. Tony Bennett que o diga”.

Embora tenha tocado ao lado de alguns dos maiores nomes do jazz de todos os tempos e possua credenciais impecáveis como acompanhante, o nome do californiano Richard Wyands não é dos mais conhecidos e se enquadra, à perfeição, na hipótese mencionada por Yokohama. O que é uma tremenda injustiça, pois seu talento superlativo e sua musicalidade o colocam no mesmo patamar que sumidades como Tommy Flanagan, Barry Harris, Cedar Walton, Bobby Timmons, Junior Mance, Horace Silver e outros companheiros de geração, bem mais badalados pela crítica e pelo público.

Nascido em Oakland, no dia 02 de julho de 1928, desde cedo Richard demonstrou aptidões musicais bastante apuradas, tendo iniciado os estudos de piano clássico aos oito anos. Aos catorze, recebeu aulas de Wilbert Baranco, um conhecido pianista local que, na época, tocava na banda de Jerome Richardson. O período de estudos com Baranco foi de extrema importância e foi por intermédio dele que Wyands fez a sua primeira gravação: um compacto contendo versões de “Stardust” e “Body And Soul”, realizado quase artesanalmente em um pequeno estúdio da cidade natal.

Ao final de oito meses de aprendizado, o pianista mais velho dispensou seu jovem pupilo dizendo: “Ótimo! Você trabalhou muito bem e é somente até aqui que eu posso levá-lo. A partir de agora é por sua conta”. De qualquer modo, a convivência no meio musical e as noções de harmonia e improvisação adquiridas durante aquele período seriam bastante úteis na futura carreira musical de Wyands, cujos principais ídolos eram Teddy Wilson, Nat Cole e Art Tatum.

Primeiramente, o pianista tocou em orquestras e conjuntos de sua cidade natal, de Richmond e de Bay Área, em San Francisco, para onde se mudou, em 1945, a fim de estudar no San Francisco State College. Wyands já era um jovem veterano quando concluiu o curso de música, em 1950, e não tardou a se destacar no cenário musical da Califórnia, que era dos mais estimulantes e competitivos. Ali, pode conhecer e trabalhar com gente do calibre de Charles Mingus, Cal Tjader, Jerome Richardson, Vernon Alley e Paul Desmond, entre outros.

Em 1951 foi contratado como pianista do célebre Blackhawk, tocando em cinco sets por noite, nos intervalos das atrações principais do clube. E que atrações eram aquelas! Wyands atuava durante os intervalos de shows de gente como Erroll Garner, Red Norvo, Dinah Washington, Shorty Rogers e muitos outros. Quando a estrela era Art Tatum, o jovem Richard pegava uma cadeira e punha bem perto do piano, apenas para contemplar, extasiado, o fabuloso trabalho do mago das teclas.

Sobre aquela época, o pianista relembra: “Eu procurava tocar como Teddy Wilson ou Art Tatum, mas quando Tatum era a atração eu nem me arriscava a tentar imitá-lo. Ele costumava me dizer: ‘você não pode competir comigo, mas não desista’. Realmente ninguém no mundo poderia competir com ele! Na verdade, ele era um sujeito muito bacana e acho que ele ficava feliz em me ver ali perto, pois costumava conversar comigo enquanto tocava. Eu sentava bem perto do piano e embora ele fosse cego, sabia que eu estava ali. Quando ele terminava um set eu tinha que subir ao palco, então nós não conversávamos muito nos intervalos. Mas só o fato de estar ali perto, vendo-o tocar, era uma experiência fantástica e eu não me sentia intimidado em ter que tocar depois dele”.

Em 1956, foi contratado pela cantora Ella Fitzgerald para trabalhar como pianista e diretor musical de sua banda. No ano seguinte, mudou-se para Ottawa, no Canadá, a convite do baixista Wyatt Reuther, onde passou nove meses, atuando como pianista de um clube da cidade, onde estrelas como Johnny Mathis e Carmen McRae costumavam se apresentar. Esta última gostou tanto da performance do pianista que acabou contratando-o para a sua própria banda, que então fazia uma grande excursão pela América do Norte.

Com McRae, Richard tocou em clubes de Chicago, Detroit, Filadélfia e Nova Iorque, onde o pianista decidiu se fixar, definitivamente, em 1958. Logo, logo, estava tocando com jazzistas de primeira grandeza da Grande Maçã. Um dos seus primeiros trabalhos foi no trio do baterista Roy Haynes, ao lado de quem gravou o seminal “Just Us”, em 1960, para a Prestige. Complementava a sessão o baixista Eddie De Haas.

De 1959 em diante, tornou-se um dos acompanhantes mais requisitados do cenário novaiorquino, aparecendo em concertos e gravações ao lado de Charles Mingus, Jerome Richardson, Oliver Nelson, Eric Dolphy, Flip Philips, Etta Jones, Gene Ammons, Buddy Tate, Clark Terry, Gigi Gryce, Eddie “Lockjaw” Davis, Lem Winchester, Roland Kirk, Willis Jackson, Taft Jordan, Ernie Andrews, Charlie Mariano, Zoot Sims, Benny Bailey, Freddie Hubbard, Frank Wess, Benny Carter, Milt Hinton, Maxine Sullivan, Frank Foster e uma infinidade de outros.

Uma das mais importantes associações de Wyands foi com o guitarrista Kenny Burrell, iniciada em 1964 quando este era, então, atração fixa do mítico clube “Minton’s. A partir daí, seriam quase catorze anos de uma parceria bastante prolífica, incluindo atuação em álbuns como “The Tender Gender” (Cadet, 1966), “For Charlie Christian And Benny Goodman” (Verve, 1967) e “God Bless The Child” (CTI, 1971), participações em festivais como o de Newport e o de Montreux, e excursões pela Europa, Estados Unidos e Japão.

Em meados dos anos 70, o pianista integrou-se ao quinteto do saxofonista Al Cohn e do trombonista Bob Brookmeyer. O ritmo de atuações como sideman manteve-se intenso pelas décadas seguintes e registram-se trabalhos ao lado de Esther Philips, Don Sebeski, Carl Fontana, Teddy Edwards, Warren Vaché, Louis Smith, Grady Tate, Houston Person, Ron Carter, Scott Robinson, Von Freeman, James Spaulding e Don Sickler, entre outros. No final da década de 80, Wyands fez parte da orquestra do saxofonista Illinois Jacquet.

Em 1998, quando o lendário baterista Jimmy Cobb resolveu montar uma banda com alguns dos seus ex-alunos da New School of Music, chamou o experiente Wyands para ocupar o piano, o que permitiu-lhe conviver com uma nova e talentosa geração de jazzistas, como o tenorista Eric Alexander, o guitarrista Peter Bernstein e o baixista John Webber. A banda, chamada “Jimmy Cobb’s Mob”, gravou alguns álbuns, como “Only For The Pure At Heart” (Lightyear, 1998) e o estupendo “Cobb’s Groove” (JVC, 2003), sempre com atuações notáveis do pianista.

A parceria com Cobb tem se estendido ao longo dos últimos anos e Wyands também participou do disco “Cobb’s Corner” (Chesky, 2007), no qual os dois veteranos atuam ao lado dos jovens Peter Washington (contrabaixo) e Roy Hargrove (trompete). Em 2008, o “Jimmy Cobb’s Mob” se reuniu novamente, agora sob a liderança do guitarrista Bernstein, que lançou, em seu nome, o álbum “Live At Small’s”.

Como líder, a discografia de Wyands é bastante escassa, do ponto de vista quantitativo, e registra, basicamente, álbuns para gravadoras sediadas fora dos Estados Unidos, como as dinamarquesas Storyville e SteepleChase, a holandesa Criss Cross e a japonesa DIW. Seu primeiro disco para um selo norte-americano foi “As Long As There’s Music”, de 2001, gravado para a independente Savant, tendo como acompanhantes os fabulosos Ray Drummond e Grady Tate.

Fundada por Gerry Teekens, um ex-professor apaixonado por jazz, a holandesa Criss Cross se destaca pela excelência de seu cast e é considerada pelo crítico Richard Cook como a mais legítima sucessora da Blue Note. Em seu catálogo, é possível encontrar discos de artistas consagrados como Kenny Barron, Warne Marsh, Philip Catherine, Cedar Walton, Johnny Coles, Tom Harrell, Clifford Jordan ou Slide Hampton, bem como de jovens talentos como Benny Green, Conrad Herwig, Chris Potter, David Hazeltine, Javon Jackson, Kenny Garrett, John Swana, Seamus Blake ou David Kikoski.

Uma das gemas mais preciosas desse catálogo é, sem dúvida alguma, “Half And Half”, gravado no dia 08 de dezembro de 1999, nos estúdios System Two Recordings, em Nova Iorque. Acompanham Wyands o baterista Kenny Washington e o contrabaixista Peter Washington, seus parceiros desde meados da década de 90 e que tocaram com ele no não menos brilhante “Get Out Of Town” (SteepleChase, 1997).

A encantadora “I'm Old Fashioned” abre o álbum, com a classe e o apuro melódico típicos de Jerome Kern. Composta em 1942 para o filme “You Were Never Lovelier”, estrelado por Fred Astaire e Rita Hayworth, a balada recebeu letra do genial Johnny Mercer. Aqui ele é executada em tempo médio, rivalizando em graça e beleza com versões célebres, como as de John Coltrane (no álbum “Blue Train”), e Chet Baker (no disco “Chet Baker Sings”). A performance do líder é arrebatadora, e seu toque é de um frescor e de uma leveza que transportam o ouvinte para o Nirvana musical.

Em seguida, é a vez de “Blues For Kosi”, composta pelo pianista em homenagem ao neto. É um blues acelerado, que evidencia a influência de Red Garland, com quem Wyands é freqüentemente comparado. Segundo Pedro “Apóstolo” Cardoso, o virtuosismo de Richard “desfila a quilômetros da eloqüência vazia e de clichês, o que sempre lhe permitiu ‘encontros’ desde o jazz mais tradicional até as fases mais inovadoras da arte popular maior”. O timming do baterista é perfeito, seu dinamismo contagiante e seu domínio rítmico é torrencial.

“P.S. I Love You” é uma balada romântica de Gordon Jenkins e Johnny Mercer, cuja interpretação intimista e sem maneirismos é um retrato dos mais fiéis de um artista maduro e bastante sóbrio, mas que não abre mão do lirismo. A música brasileira se faz presente na estupenda versão de “Once I Loved”, que nada mais é que a nossa querida “O amor em paz”, do maestro Antonio Carlos Jobim e do poetinha Vinícius de Moraes. A versão do trio é relaxada, mas conserva o discreto balanço da bossa nova, com destaque pêra o delicado trabalho percussivo de Kenny Washington.

Faixa que dá nome ao disco, “Half And Half” é de autoria do próprio Wyands e tem uma estrutura essencialmente bop. Não é tão acelerada, mas os improvisos calcados no blues e a colocação certeira das notas, traços marcantes na pianística do líder, estão presentes. Em “Beautiful Friendship”, de Sammy Cahn e Jules Styne, e “Time After Time”, de Gus Kahn, o pianista atua desacompanhado, mas o lirismo de sua interpretação em momento algum perde a força e a consistência.

“Daydream” é uma das mais belas composições de Duke Ellington e Billy Strayhorn. Classuda e delicada, é mais do que propícia para os devaneios harmônicos do trio, que se mostra particularmente inspirado. Em seguida, Wyands constrói uma notável interpretação de “Is That So?”, de Duke Pearson. Apoiado em uma bateria sóbria e em uma linha de baixo simplesmente inacreditável, o pianista apresenta um fraseado sedutor e equilibrado, mostrando que o hard bop ainda continua vivo e pulsante.

Para concluir em alto estilo e astral ainda mais elevado, uma extasiante interpretação de “As Long As I Live”, de Harold Arlen. Contrabaixo musculoso, bateria ágil e um dedidilhado frenético fazem da faixa uma das mais swingantes do disco, criando uma atmosfera de jam session das mais animadas. Wyands impõe à execução uma inebriante levada bop, com direito a solos intrincados do ponto de vista técnico. A poderosa pegada rítmica do baterista e seu solo exposivo são bastante estimulantes.

O pianista continua a atuar com a mesma disposição do início da carreira. Seu último trabalho foi no disco “Let’s Fly”, da cantora Amy London, gravado em 2010 para o selo Montema Music. Como bem detecta o Mestre Pedro “Apóstolo” Cardoso, este precioso músico “é dono de sonoridade cristalina, resultante de toque excepcionalmente preciso em qualquer andamento, particularmente quando em ‘up tempo’, frescura rítmica e perfeita leitura harmônica (o que explica com absoluta clareza sua participação em apresentações, temporadas, festivais e gravações com músicos de tantas “escolas” e vertentes)”.


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