Amigos do jazz + bossa

domingo, 30 de janeiro de 2011

SEXTA JAZZ



No dia 07 de janeiro de 2011 tive a honra de participar do programa Sexta Jazz, na Rádio Universidade FM (106,9 MHz). O convite partiu do meu amigo Augusto Pellegrini, produtor e apresentador que, há mais de 25 anos, empreende uma luta hercúlea em prol da divulgação do jazz no Maranhão. Para quem não sabe, Augusto, que também é um excelente cantor, é o autor do livro "Jazz: das raízes ao pós-bop", publicado pela Editora Códex. O bate-papo foi bastante informal e na seleção das músicas, feita por mim, marcaram presença gênios como Dave Brubeck, Lee Morgan, Bud Powell, Dexter Gordon, Lee Konitz e muitos outros. Espero que os amigos gostem e que, em breve, eu possa repetir a experiência.

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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

CARIMBÓ TAMBÉM É JAZZ

O escritor, educador e líder político Booker Taliaferro Washington, nascido em 1856, é uma das mais importantes figuras da cultura negra dos Estados Unidos. Filho de um fazendeiro branco com uma escrava negra, ele nasceu sob o odioso tacão da escravidão, mas em 1965, quando tinha nove anos, foi beneficiado pela abolição da escravatura em seu país. Após passar por inúmeras dificuldades na infância e na adolescência – trabalhou em minas de carvão e em uma fábrica de sal na Virgínia – ele finalmente conseguiu um emprego de zelador no Instituto Normal e de Agricultura de Hampton.

Custeando os estudos com o seu trabalho, ele se formou em 1875 e deu início a uma bem sucedida carreira como professor de crianças e adultos. Alguns anos depois da graduação, em 1879, integrou o corpo docente de Hampton, onde conseguiu implementar um programa experimental de educação indígena. Em 1881 foi convidado para dirigir a primeira escola normal voltada exclusivamente para negros em Tuskegee, Alabama, na qual permaneceu até a sua morte, em 1915.

Entusiasta da educação, ele acreditava, acertadamente, que apenas a cultura e a qualificação profissional poderiam romper os grilhões da pobreza e do preconceito racial que oprimiam milhões de afro-americanos. Por essa razão – e por suas convicções pacifistas – ele era bastante criticado por entidades de defesa dos direitos dos negros de cunho mais radical. Escreveu diversos livros, destacando-se “Up From Slavery”, em 1901, e “My Larger Life”, em 1911, que se tornaram símbolos da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos.

Booker também teve uma vida afetiva movimentada. Casou-se três vezes – e enviuvou duas – e teve dois filhos e uma filha, sendo esta a musicista Portia M. Washington, que após o casamento adotaria o sobrenome do marido, Pittman. Ela se estabeleceu como uma importante educadora musical na região de Dallas e por suas mãos passaram jazzistas de renome, como o pianista Sam Price e o saxofonista Budd Johnson.

Portia teve um filho chamado Booker Pittman, nascido em 1909, que se tornaria um renomado clarinetista e saxofonista, tendo trabalhado, nas décadas de 20 e 30, com os pouco conhecidos Gene Coy e Ralph Cooper, mas também com luminares como Louis Armstrong e Count Basie. De temperamento aventureiro, Booker Pittman foi um dos primeiros jazzistas norte-americanos a se estabelecer na Europa, mais precisamente na França, para onde viajou, em 1933, juntamente com a orquestra de Lucky Millinder. Em 1937, a convite do saxofonista carioca Romeu Silva, então diretor musical da banda de Josephine Baker, ele decidiu tentar a sorte no Brasil.

Aqui, Pittman teve uma vida errática. Fixou-se primeiramente no Rio de Janeiro, onde se tornou amigo de músicos como Pixinguinha – que lhe deu o apelido de Buca – e logo era uma das atrações do célebre Cassino da Urca. Por conta do espírito andarilho e, sobretudo, do vício em cocaína, o saxofonista empreendeu um longo périplo pela região sul do Brasil, indo parar na Argentina, onde morou por algum tempo. Pouco depois, estabeleceu-se em Londrina, no Paraná, cidade que então vivia uma era de opulência, por causa da exportação do café.

Em Londrina, Pittman costumava se apresentar em boates e casas noturnas, mas os problemas com drogas e álcool iam, pouco a pouco, minando sua energia e criatividade. No final dos anos 50, chegou ao fundo do poço quando vendeu seu instrumento para comprar drogas e sobrevivia como pintor de paredes. Seu desaparecimento da cena musical provocou uma série de especulações, culminando com uma matéria publicada em jornal e assinada pelo jornalista Fernando Lobo, que noticiava sua morte.

Pittman tomou conhecimento dessa matéria pelas mãos do trombonista francês Paille Cordelle, amigo de longa data que, por coincidência, reencontrou em Cornélio Procópio, cidade do norte do Paraná. A história calou fundo no saxofonista, que decidiu abandonar as drogas e reerguer a carreira musical. Voltou para o Rio de Janeiro e, em pouco tempo, tornou-se atração fixa da boate do Hotel Plaza, onde costumava se apresentar ao lado de um grande amigo, o cantor e pianista Dick Farney. Os dois, inclusive, gravariam juntos o álbum “Jam Session”, em 1963 e que, infelizmente, se encontra fora de catálogo. Outra atração da boate era um jovem cantor, apaixonado por João Gilberto, em início de carreira chamado Roberto Carlos, que logo em seguida abandonaria a bossa nova para se dedicar ao rock – ou iê-iê-iê, como se dizia na época.

Em 1958, Pittman foi convidado para assistir a uma apresentação de Louis Armstrong, amigo de longa data, em São Paulo. Durante o show, Booker subiu o palco para dar uma canja. Na platéia estava Dona Ophélia Leite da Silva e sua filha, a jovem Eliana, que ficaram encantadas com o talento do saxofonista. Após o espetáculo, as duas foram dar os parabéns a Booker, que não perdeu tempo e as convidou para jantar. Vivendo um casamento infeliz, Dona Ophélia não demorou a se apaixonar pelo sedutor Pittman e em pouco tempo separou-se do marido para viver uma nova história de amor. Eliana ganhou um novo pai e também um novo sobrenome. A partir de agora seria Eliana Pittman.

Sua vontade era tornar-se cantora e não demorou muito para começar a fazer shows e gravar discos ao lado do pai. Influenciada pelo jazz e por cantoras como Sarah Vaughan e Ella Fitzgerald, Eliana tornou-se uma atração constante na então poderosa Rádio Nacional. Ela e o pai viajavam pelo Brasil e pelo mundo, fazendo apresentações com bastante sucesso. Além do jazz, a cantora era uma ardorosa fã do samba e da bossa nova, que cantava com enorme paixão. Sua gravação do clássico “Tristeza”, de Haroldo Lobo e Niltinho, foi um dos sucessos mais acachapantes de 1966.

Em 1969, após uma intensa luta contra o câncer, Booker encerrou a sua carreira neste plano astral e foi se juntar à grande jam celestial onde, diz-se, os néons nunca se apagam e o bourbon jamais termina. Eliana quase desistiu da carreira artística, tão abalada que ficou com a perda do pai. Aos poucos, foi reconstruindo a vida, inclusive lançando-se como atriz. Gravou para a Copacabana, a RGE e a RCA e seus álbuns, geralmente produzidos pelo grande Sérgio Cabral, costumavam contar com a presença de nomes de peso, como o pianista Antônio Adolfo e o arranjador Erlon Chaves. Foi uma das primeiras a gravar composições do então iniciante João Nogueira.

Nos anos 70, explodiu nas paradas de sucesso com “Mistura de carimbó”, composição do paraense Pinduca. Eliana foi eleita “Rainha do carimbó” e se tornou presença obrigatória em programas de auditório de todas as redes de TV do país. Criticada por muitos por sua opção por um gênero considerado excessivamente comercial, a cantora jamais voltou a registrar outro sucesso tão retumbante, mas continua gravando e fazendo shows com regularidade.

Até ser gravado por Pittman, o carimbó era um ritmo tido como exótico e eminentemente regional. Sua origem remonta aos índios tupinambás do Pará, mas também sofreu forte influência portuguesa e africana, além de haver incorporado elementos de ritmos latinos como a rumba, o merengue, o mambo e a salsa. De qualquer forma, ao inseri-lo no cenário musical nacional Eliana mostrou ao mundo uma verdade irrefutável: carimbó também é jazz!

Bom, mas e qual a razão de termos falado tanto em Booker T. Washington, Portia Pittman, Booker Pittman, Eliana Pittman e carimbó? É que, como foi dito no início da postagem, Portia Pittman teve entre seus alunos um dos mais brilhantes e menos reconhecidos músicos da história do jazz, com uma trajetória musical e pessoal das mais íntegras e dignas. Seu nome é Albert J. Johnson, e além de saxofonista, clarinetista, compositor, arranjador, produtor e cantor ele também foi um entusiasmado educador musical, que certamente deixaria orgulhoso o pioneiro Booker Taliaferro Washington.

Albert, mais conhecido no meio jazzístico como Buddy Johnson, nasceu em Dallas, no Texas, no dia 14 de dezembro de 1910. A família era altamente musical: seu pai era músico amador, tocava trompete e era organista de uma igreja batista da cidade, onde também dirigia o coral. Seu irmão mais velho era o trombonista e guitarrista Frederic “Keg” Johnson, outro ex-aluno de Portia Pittman, que chegaria a trabalhar com nomes como Fletcher Henderson, Benny Carter, Cab Calloway e Ray Charles.

Os primeiros instrumentos a que Budd se dedicou foram o piano e a bateria, que aprendeu com o pai. Mais tarde, iniciaria seus estudos com Portia Pittman. Com inacreditáveis 14 anos já tocava bateria profissionalmente na região de Dallas, sendo que seu primeiro emprego foi na banda do pianista Sammy Price. Em 1927, quando tinha apenas 17 anos e já havia optado definitivamente pelo sax tenor, fixou-se em Kansas City, onde tocou com os “William Holloway’s Blue Syncopators”.

Durante os anos que se seguiram, vieram trabalhos ao lado de importantes músicos locais, como Ben Smith, Eugene Coy e seus “Happy Black Aces”, Terrence Holder, Jesse Stone e George E. Lee. Ao lado deste último, Budd registrou suas primeiras gravações em estúdio, incluindo uma versão do clássico “St James Infirmary”, em 1929. Durante uma incursão da banda em Amarillo, no Texas, conheceu Ben Webster, que então atuava como pianista. Budd lhe ensinou os rudimentos do saxofone e Webster foi em frente nos estudos, até se tornar um dos mais completos e influentes saxofonistas de todos os tempos.

Em 1932 Budd se mudou para Chicago, onde conheceu o pianista Teddy Wilson, com quem tocou por algum tempo. Louis Armstrong ouviu os dois e os contratou para sua banda, desfeita em 1933. Johnson não demorou a conseguir novo emprego, pois imediatamente foi convidado pelo pianista Earl Hines para integrar a sua banda, substituindo provisoriamente o saxofonista Cecil Irwin. Após algumas idas e vindas, que incluem uma rápida passagem pela orquestra de Benny Carter, Budd finalmente se tornou membro efetivo do grupo, após a morte de Irwin, ocorrida em 1935.

No final da década, a orquestra passaria por uma grave crise, sobretudo por conta do repertório antiquado e os arranjos pouco inspirados. Havia também uma crise de liderança, pois Hines parecia ter perdido o interesse na banda. A sua própria forma de tocar, repetitiva e com pouca criatividade, refletia esse momento delicado. Apesar de continuar sendo atração fixa do clube The Grand Terrace Cafe, de propriedade do gângster Al Capone, a orquestra perdia público e era infinitamente menos popular que as de Count Basie, Glenn Miller, Benny Goodman, Jimmie Lunceford, Cab Calloway ou Tommy Dorsey.

Inconformado com o que via e ouvia, Johnson assumiu o controle da orquestra, atuando como diretor musical e saxofonista. Contratou alguns jovens músicos, como os trompetistas Ray Nance, Freddy Webster e Harry Jackson e o trombonista Trummy Young, e deu ao veterano altoísta Leroy Harris mais espaço para solar. Também reformulou o repertório e incrementou os arranjos. O primeiro grande sucesso dessa nova fase foi uma versão de “Grand Terrace Shuffle”, de sua autoria. Em seguida, viriam outras gravações bem-sucedidas, como “G. T. Stomp”, “Boogie Woogie On St. Louis Blues”, “Jelly Jelly” e “Tantalizing A Cuban”, entre muitas outras.

A parceria com Earl duraria até 1942, com algumas breves interrupções, e resultaram na gravação de mais de 70 temas. Durante aquele período, Johnson também investiu maciçamente em sua carreira como arranjador, realizando trabalhos para as orquestras dos irmãos Fletcher e Horace Henderson, Gus Arnheim, Woody Herman, Boyd Raeburn e Johnny Long. Após a saída da orquestra de Hines, vieram trabalhos ao lado de Don Redman, Al Sears, Cozy Cole e George Auld, com quem permaneceu até 1944.

Johnson foi um dos primeiros músicos do swing a se identificar com o nascente bebop e a fazer amizade com os seus criadores Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Thelonious Monk e Bud Powell. Johnson era um freqüentador habitual do Onix Club e do Minton’s, onde o novo estilo estava sendo gestado e costumava participar das gigs que eram ali realizadas. Parker, inclusive, se dizia influenciado pelo toque aveludado e sutil de Johnson, ele próprio mais ligado à vertente lesteriana de tenoristas que à corrente que proveio de Coleman Hawkins.

Diga-se de passagem que foi Johnson quem primeiro chamou a atenção de Hines para os jovens que estavam barbarizando no cenário jazzístico de Nova Iorque e dando um rumo completamente diferente ao jazz que se fazia época. Tanto é que após a sua saída da orquestra do pianista, este contratou ninguém menos que Charlie Parker para substituí-lo. Para tanto, Earl dirigiu-se ao então empregador de Bird, o também pianista Jay McShann, e abriu o jogo: “Mac, se Bird estiver te devendo algum dinheiro, me diga quanto é que eu pago a dívida. Eu quero o garoto na minha orquestra de qualquer maneira”. Outros boppers, como Dizzy Gillespie, Wardell Gray e Little Benny Harris, acabariam entrando para a orquestra de Hines, ajudando a tornar a sua sonoridade das mais modernas e instigantes do período.

Em 16 fevereiro de 1944 Budd foi o organizador daquela que é considerada a primeira gravação do bebop, para o selo Apollo, em uma formação que incluía Dizzy Gillespie, Don Byas, Clyde Hart, Oscar Pettiford, Leo Parker e Max Roach, sob a liderança de Coleman Hawkins. Tocando sax barítono, Budd marca presença na sessão, em que foram gravadas versões de “Woody’n You”, de autoria de Gillespie, e “Bu-Dee-Daht”, do próprio Johnson.

O saxofonista também tocou por algum tempo com Billy Eckstine, em cuja orquestra ingressou como substituto do jovem Dexter Gordon e acabou como diretor musical e arranjador. Nessa função é bom que se diga que Budd era dos mais disputados do mercado. Ainda durante a década de 40 fez vários trabalhos para as orquestras de J.C.Heard, Sy Oliver, Machito e Lucky Millinder, e montou um grupo próprio que era atração habitual do clube Three Deuces.

Nas décadas vindouras, além de liderar seus pequenos conjuntos, trabalhou exaustivamente como músico de apoio e arranjador, atuando ao lado de Buddy Rich, Benny Green, Snub Mosley (ao lado de quem realizou a sua primeira temporada na Europa), Sarah Vaughan, Cab Calloway, J. J. Johnson, Maynard Ferguson (na espetacular Birdland Dream Band, que contava, entre outros, com os excelentes Al Cohn, Ernie Royal, Herb Geller e Ernie Wilkins), Ben Webster, Buck Clayton, Jimmy Rushing, Milt Hinton, Roy Eldridge, Gil Evans, Benny Goodman (com quem excursionou pela Ásia), Quincy Jones, Count Basie (onde substituiu Billy Mitchell e com quem fez diversas excursões à Europa), Gerald Wilson, Ruth Brown, Ray Charles, Charlie Shavers, Jimmy McGriff e incontáveis outros.

Em 1956, Johnson fez parte do “The International Jazz Group”, uma reunião all-star organizada pelo baixista Arvell Shaw e que incluía o trompetista Taft Jordan, o trombonista Vic Dickenson, o pianista francês Andre Persiany, o baterista Gus Johnson e o saxofonista George Berg. O grupo, infelizmente, teve vida curta, tendo gravado apenas um álbum, para a Columbia, que atualmente se encontra fora de catálogo.

Embora fosse bastante requisitado como sideman, o saxofonista tem bem poucos álbum em seu próprio nome. “Budd Johnson & The Four Brass Giants”, lançado pela Riverside em 1960, é considerado por boa parte da crítica o ponto alto de sua discografia. Nele, Budd se reúne a Clark Terry, Harry “Sweets” Edison, Nat Adderley e Ray Nance, quatro dos mais talentosos trompetistas da história do jazz, para uma descontraída jam session, que inclui os experientes Tommy Flanagan ou Jimmy Jones no piano, Joe Benjamin no baixo e Herb Lovelle na bateria. Como atrativo a mais, saiba-se que a produção ficou a cargo de Cannonball Adderley.

Todavia, há um outro álbum, menos conhecido, que merece ser descoberto pelos amantes do jazz. Trata-se do estupendo “Let’s Swing”, gravado no dia 02 de dezembro de 1960, para a Fantasy, no qual Johnson lidera um afiadíssimo quinteto, integrado por seu irmão Keg Johnson no trombone, por Tommy Flanagan no piano, por George Duvivier no contrabaixo e por Charlie Persip, na bateria. Profundamente calcado no blues e contando com a produção de Esmond Edwards e engenharia de Rudy Van Gelder, o álbum recebeu do Allmusic Guide cinco merecidas estrelas.

Não é para menos, pois além dos arranjos deliciosamente engendrados por Budd, o repertório é primoroso, equilibrando-se entre composições do líder e versões sublimes de quatro standards. A começar por “Serenade in Blue”, balada elegante de Mack Gordon e Harry Warren que abre o disco e cuja introdução arrebatadora é um atestado dos talentos do líder. Os sopros se correspondem com delicadeza e coesão, revelando uma intimidade que, sem trocadilhos, provém de berço. Flanagan, o poeta das 88 teclas, é decisivo na criação da atmosfera intimista.

“I Only Have Eyes for You” é outra preciosidade de autoria de Harry Warren, desta feita em parceria com Al Dubin. A interpretação do quinteto é despretensiosa e festiva, com destaque para as intervenções espetaculares de Flanagan e para o excelente solo de Duvivier. Percebe-se com clareza a diferença entre a abordagem dos irmãos: a do trombonista é mais centrada no swing e a do saxofonista é encharcada das harmonias tortuosas do bebop, mas ambas estão impregnadas de uma animação contagiante.

Em “Downtown Manhattan”, o saxofonista funde, com muita engenhosidade, a batida sincopada do blues com a fúria harmônico-melódica do bebop, chegando a um resultado mais que estimulante e cheio de groove. Além das acrobacias do líder e do fraseado certeiro de Flanagan, merece uma audição atenciosa a extraordinária atuação de Persip e seu toque quase opulento de tão vigoroso.

Os irmãos George e Ira Gershwin comparecem com “Someone To Watch Over Me”, uma de suas composições mais belas e delicadas, que aqui recebe um arranjo bastante respeitoso, onde cada nuance da melodia pode ser ouvida em sua inteireza. A execução do quinteto é refinada, com o líder demonstrando o quanto a sonoridade macia de Lester Young foi importante em sua formação. O sopro classudo de Keg e a percussão discreta de Persip, agora utilizando as escovas, acrescentam um charme especial à faixa.

Outra dupla de peso, Richard Rodgers e Lorenz Hart, é responsável pela encantadora “Falling In Love With Love”. A estimulante companhia do irmão deixa Budd extremamente à vontade e seu sopro é leve e relaxado, lembrando, em certas passagens, a sonoridade de um sax alto. O próprio Keg se encarrega de injetar bom humor e irreverência no tema, abusando dos efeitos e articulando frases que soam quase insolentes, mas sem apelar, em momento algum, para a vulgaridade.

“Blues By Budd”, também de autoria do saxofonista, é um blues em seu estágio mais profundo, um lamento expressivo carregado de dor e aflição. Ao contrário da faixa anterior, o arranjo aqui é austero e seus quase dez minutos merecem ser ouvidos com a devoção de quem escuta um hino. É como se aqueles homens estivessem narrando o sofrimento e a opressão vividos pelo povo negro durante a escravidão mas também durante o longo e tenebroso período em que os Estados Unidos toleraram a odiosa segregação racial, que só na década de 60 começou a ser superada. Soberbas atuações do líder, cujo sopro conjuga robustez e ferocidade, de Flanagan, um ás na exploração dos mais obscuros recônditos do blues, e de Duvivier, a quem se deve boa parte do peso e da atmosfera opressiva do tema.

Em outro blues, “Uptown Manhattan”, Budd flerta com o soul jazz e tem uma das performances mais impactantes do disco. Sua interpretação é ousada, caudalosa, repleta de referências às formas de jazz mais contemporâneas. Certamente, naquela época já conhecia e se deixava influenciar pelos novos mestres do tenor como Sonny Rollins e, sobretudo, John Coltrane. Os acompanhantes não dão trégua e elevam a temperatura a níveis infernais, especialmente Flanagan e Keg, este particularmente ensandecido. Um álbum à altura da grandeza do seu protagonista e que diz muito acerca de sua importância – nem sempre valorizada como deveria – para o desenvolvimento do jazz.

Entre 1965 e 1968 Budd restabeleceu a parceria com Earl Hines, gravando com este o elogiado “Up To Date With Earl Hines” e excursionando pela Europa, incluindo uma turnê na União Soviética. Outra associação importante foi com a orquestra de Tommy Dorsey, que então era dirigida pelo trombonista Urbie Green. Em 1969, montou o “JPJ Quartet”, que contava com o contrabaixista Bill Pemberton, o baterista Oliver Jackson (ambos originários dos grupos de Hines) e o pianista galês Dill Jones, revelado nas orquestras do trompetista britânico Humphrey Lyttelton. O quarteto, que foi uma das atrações do Festival de Montreux em 1971, se manteve em atividade até 1975, quando foi desfeito.

Durante a década de 60, Johnson se envolveu com a educação musical ministrando aulas em instituições de prestígio como o Queens College, a State University of New York e a University of Connecticut. Nesse período, passou a usar o sax soprano em suas apresentações e com o instrumento, gravou em 1971, para o selo francês Black & Blue, o disco “Mr. Bechet”, no qual homenageia o pioneiro Sidney Bechet. Também exerceu a função de Diretor Musical da Atlantic Records e fundou sua própria gravadora. Realizou uma série de concertos para o Smithsonian Institute e para esta entidade fez, juntamente com o editor David Baker, a transcrição para partitura de diversas gravações de jazz das décadas de 10 e 20.

O saxofonista participou do filme “L’Aventure du Jazz”, dirigido por Hugues e Louis Panassié, em 1970. Ele também pode ser visto no magnífico documentário “The Last Of The Blues Devils”, de 1979, ao lado de outros gigantes como Count Basie, Big Joe Turner e Jay McShann. Dirigido por Bruce Ricker e produzido por Clint Eastwood, o filme retrata o panorama musical de Kansas City dos anos 30, através de depoimentos e performances de alguns dos seus mais importantes protagonistas.

Trabalhando incessantemente, Johnson era atração constante em festivais como os de Nice, Newport, Lubljana, e outros mais, viajando intensamente pelos Estados Unidos, Europa e Japão. Em 1975 juntou-se à New York Jazz Repertory Orchestra e durante aquele período gravou alguns discos em companhia de Earl Hines para a “Black & Blue. Em fevereiro de 1984 gravou, juntamente com Phil Woods, o álbum “The Ole Dude & The Fundance Kid”, para o selo Uptown, bastante elogiado pela crítica. Como bem destaca o Mestre Pedro “Apóstolo” Cardoso:

“Se observarmos a bibliografia e todas as publicações noticiosas sobre o JAZZ, com certeza Johnson pode ser classificado como o “pré-parkeriano” menos notado, menos incensado. Ainda assim e por seu espírito sempre aberto para quaisquer tendências (veio da escola “swing” e com naturalidade aderiu ao “bop”), o que não era habitual em seus contemporâneos, Johnson foi, sem dúvida, um desbravador de caminhos e largamente apreciado por músicos mais jovens.”

O saxofonista morreria poucos meses depois da gravação com Woods, no dia 20 de outubro de 1984, em Kansas City, no Missouri. Deixou uma discografia relativamente modesta como líder e seus álbuns foram lançados, em sua maioria, por selos pequenos, como Felsted, Riverside, Swingville, Argo, Black & Blue, Master Jazz, Dragon e Uptown. Entre os músicos que tiveram a honra de acompanhá-lo, destacam-se Kenny Burrell, Hank Jones, Milt Hinton, Ray Bryant, Panama Francis, Osie Johnson e muitos outros. Extremamente querido por seus colegas de trabalho, sua morte foi lamentada por músicos ligados a todas as correntes do jazz e seu nome foi postumamente indicado para o Big Band and Jazz Hall of Fame, em 1993.

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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O ESTOICISMO


O estoicismo é uma importante corrente filosófica, surgida na Grécia por volta do ano 300 a. C. e que prega que a verdadeira finalidade do homem não reside na busca da felicidade, do prazer ou dos bens materiais e sim na prática da virtude, como uma decorrência lógica do uso da razão. Criado por um discípulo de Crates de Tebas chamado Zenão de Cítio, o estoicismo se opunha a outras doutrinas filosóficas da época por rejeitar o prazer inconseqüente e por defender uma postura serena diante dos acontecimentos da vida, sejam eles bons ou ruins.

O nome dessa corrente advém de “stoa”, que em grego significa pórtico. Trata-se de uma estrutura arquitetônica na qual diversas colunas enfileiradas formavam um corredor, geralmente aberto ao público. Quase tão comuns nas cidades gregas quanto as ágoras, as “stoae” serviam de palco para cerimônias religiosas ou apresentações artísticas. Ali, enquanto os mercadores vendiam seus produtos, muitos filósofos costumavam discutir suas teses e idéias, sendo Zenão de Cítio um dos seus mais habituais freqüentadores.

Os estóicos procuravam manter a dignidade mesmo nas situações mais adversas e seus ensinamentos chegaram a Roma, onde foram acolhidos com entusiasmo por pensadores como o imperador Marco Aurélio e Sêneca. Muitos dos pensamentos deste ilustre filósofo romano encontram-se sintetizados em uma coletânea de textos intitulada “Sobre a brevidade da vida”. Ali, é possível ler-se: “Muito breve e agitada é a vida daqueles que esquecem o passado, negligenciam o presente e temem o futuro. Quando chegam ao fim, os coitados entendem, muito tarde, que estiveram ocupados fazendo nada”.

O jazz é recheado de estóicos, ainda que alguns deles sequer saibam disso. É o caso de Lew Tabackin. Provavelmente, seu nome desperta pouca atenção no ouvinte de jazz menos atento, ao contrário do que acontece com a sua esposa, a pianista, compositora, arranjadora e bandleader Toshiko Akiyoshi, bem mais conhecida. Seu nome, inclusive, sequer consta como verbete do colossal “Penguin Guide To Jazz Recordings” (8ª Ed.), um dos guias mais completo do mercado. Mas esse flautista e saxofonista é um verdadeiro artesão de sons, sempre pronto a surpreender e eletrizar o amante da boa música.

É certo que seus álbuns não provocam estrépito nas lojas de disco – aliás, ainda existem lojas de disco? – e nem causam furor nas paradas de sucesso. Mas, como dizem os americanos: “Who cares”? Lew quer mais é se divertir e encantar o ouvinte, fazendo a sua música sem se preocupar com o mercado ou com as gravadoras. Se junto com isso vierem alguns dólares, euros ou ienes, melhor ainda!

Ele nasceu no dia 26 de março de 1940, em Filadélfia, onde, ainda na infância, demonstrou grande interesse pela música, em especial pelo jazz. Embora sua família não tivesse maior ligação com a música, a mãe do garoto costumava levá-lo para assistir às apresentações de orquestras como as de Cab Calloway e Lionel Hampton, que freqüentemente se apresentavam no palco do Earl Theater.

O aprendizado musical formal teve início na escola e demorou pouco tempo para que Lew se tornasse um dos destaques da orquestra, fortemente influenciado por Frank Wess, seu ídolo à época. Seu primeiro interesse foi pela clarineta, mas na ausência de um instrumento disponível, acabou se conformando com a flauta. Na adolescência, acrescentaria o sax tenor ao seu portfólio, instrumento ao qual se dedicou após ser convidado para tocar na banda do cantor e futuro astro do cinema Frankie Avalon, seu amigo de infância. Por ser menor de idade, Lew costumava falsificar a sua identidade, para poder tocar nos clubes e casas noturnas onde a banda se apresentava.

Em 1958, após ganhar uma bolsa de estudos, matriculou-se no Philadelphia Conservatory of Music, onde se graduou em flauta, no ano de 1962. Bastante comprometido com o aprendizado formal, Lew estudou harmonia com o compositor Vincent Persichetti, que também era membro da Philadelphia Orchestra. A fim de fugir um pouco dos rigores da partitura, Lew também costumava tocar nos clubes da cidade natal, topando com figuras como Lee Morgan ou Benny Golson nessas gigs.

Entre 1962 e 1965, esteve no exército, tendo servido em bases na Carolina do Sul e em Nova Jérsei, onde decidiu se fixar, após seu retorno à vida civil. Ali montou uma grupo com o baixista Chuck Israels. Pouco tempo depois, estabeleceu-se em Nova Iorque e logo estava tocando na banda do guitarrista Tal Farlow. Em seguida, Tabackin uniu-se ao pianista Don Friedman, cuja abordagem pouco ortodoxa e bastante intrincada, era diametralmente oposta às suas concepções musicais. A parceria durou pouco tempo, mas foi suficiente para dar ao saxofonista alguma visibilidade, dentro do concorrido cenário jazzístico de Nova Iorque.

De fato, apesar de não poder ser considerado um revolucionário, em que pese a admiração pela obra John Coltrane, Lew tampouco pode ser classificado como um tradicionalista. Seu estilo revela uma grande influência de saxofonistas como Coleman Hawkins, Don Byas e Ben Webster, mas passa ao largo da mera repetição. Sem ser nostálgico ou saudosista, o estilo de Lew se impõe como uma espécie de continuação e modernização da abordagem desses gigantes, com um resultado sempre estimulante.

Na Grande Maçã, o saxofonista tocou com uma infinidade de bandas e orquestras, de todos os feitios e estilos, incluindo as liderada por Cab Calloway, Les Elgart, Maynard Ferguson, Thad Jones & Mel Lewis, entre outras. A segurança financeira foi logo conquistada, graças ao trabalho como músico de TV, tocando em orquestras como as do The Dick Cavett Show, levado ao ar pela rede ABC.

Lew se integrou completamente à cena novaiorquina, atuando com intensidade nos grupos de Joe Henderson, Elvin Jones, Donald Byrd, Roland Hanna, Attila Zoller e Duke Pearson. Em 1967, quando era membro da banda de Clark Terry, conheceu a pianista Toshiko Akiyoshi. De ascendência japonesa, mas nascida na Manchúria, Toshiko havia agendado uma temporada no Town Hall, onde apresentaria um score com suas próprias composições. Joe Farrell havia sido convidado mas não pôde aceitar, por conta de seus compromissos com a orquestra de Thad Jones & Mel Lewis.

Tabackin foi apresentado à pianista por um amigo comum e logo planejaram uma gig. A temporada no Town Hall foi cancelada, mas Cupido já havia lançado suas flechas. Além de engatar um namoro e montar uma banda, o casal não demorou a gravar o seu primeiro álbum conjunto, “At the Top Of The Gate”, para a Columbia, em 1968. Ao lado dos dois, os extraordinários Kenny Dorham no trompete, Ron Carter no baixo e Mickey Roker na bateria.

O casamento aconteceu em 1969, durante uma época em que o panorama jazzístico de Nova Iorque não era dos mais amistosos. Vivia-se a chamada Black Revolution, que o casal apoiou com entusiasmo, mas que teve reflexos diretos no mercado de trabalho de jazzistas brancos, que muitas vezes eram hostilizados por platéias negras. Lew conta que chegou a manter alguns contatos com a Blue Note, mas a gravadora desistiu de contratá-lo, porque ele era branco, apesar dos veementes protestos do seu grande amigo Duke Pearson, que então acumulava as funções de diretor musical e arranjador da gravadora.

Não bastasse isso, o cenário jazzístico era bem mais receptivo às correntes mais experimentais do chamado jazz de vanguarda, ou à sonoridade mais pesada do chamado fusion, que misturava elementos do jazz com o rock e o pop e se valia de uma profusão de instrumentos eletrificados, como piano Rhodes, sintetizadores e contrabaixo elétrico. Nenhum dos dois caminhos parecia viável a Lew e Toshiko, que passaram a se apresentar com mais freqüência no exterior.

Em 1970 e 1971 casal excursionou pelo Japão e pela Europa, onde Lew teve a oportunidade de tocar com a Danish Radio Orchestra e com a Hamburg Jazz Workshop. De volta aos Estados Unidos e descontentes com a radicalização dos conflitos raciais e o crescimento da intolerância, os dois tomaram uma decisão radical: sair de Nova Iorque e tentar a sorte em Los Angeles. O estopim aconteceu durante uma apresentação de Duke Pearson, no Apollo Theatre, onde alguns membros da assistência simplesmente impediram que Lew executasse seus solos.

Tabackin, então, aceitou o convite de Doc Severinsen para tocar na banda do popular programa The Tonight Show, que na época era apresentado por Johnny Carson. Contudo, embora tivesse um emprego regular e passasse ao largo das dificuldades financeiras vividas por tantos outros colegas, Tabackin não se sentia satisfeito. Mesmo tocando com grandes nomes, como Shelley Manne, Billy Higgins e Charlie Haden, a atmosfera musical local não lhe era convidativa.

Em uma entrevista, Lew rememorou aquele as dificuldades daquele período sombrio: “Pouco depois da mudança, percebi que aquele não era o meu lugar. A minha forma de tocar era muito intensa e as pessoas queriam ouvir bossa nova. Eu vivia como naquela frase de Irwin Corey: ‘a música continua, o público é que desapareceu’. Então, procurei trabalhar com meu próprio material e descobri algumas pessoas que pensavam como eu. A sala de ensaios do sindicato dos músicos estava sempre disponível e o preço era ridiculamente baixo. Assim, eu e Toshiko montamos uma banda e ensaiávamos todos os dias, com um repertório de composições próprias. Eu era o empresário e principal solista da banda”.

A Toshiko Akiyoshi – Lew Tabackin Big Band surgiu em 1973 e não tardou a despertar o interesse de crítica e público. Com um repertório calcado no bebop, mas utilizando arranjos extremamente influenciados por Duke Ellington, Thad Jones e Gil Evans, a orquestra permaneceria em atividade por quase trinta anos. O primeiro álbum da orquestra foi gravado em 1974, para a RCA Victor e vendeu 30.000 cópias apenas no Japão, um número bastante significativo para um disco de jazz. No ano seguinte, veio o convite para participar daquela edição do Monterey Jazz Festival, feito por John Lewis, que então desempenhava a função de diretor musical do festival e havia se encantado com a sonoridade da orquestra.

Dentre os músicos que integraram a big band, ao longo de seus quase trinta anos de existência, destacam-se os trompetistas Don Rader, Bobby Shew e Buddy Childers, os saxofonistas Gary Foster, Bill Perkins e Jim Snidero, os baixistas Gene Cherico e Peter Washington, o baterista Chuck Flores e os trombonistas Britt Woodman e Conrad Herwig. Na discografia de mais de 20 álbuns, tributos a ídolos como Don Byas, Charles Mingus e Billy Strayhorn.

As premiações se acumulariam ao longo dos anos. Na revista Down Beat, por exemplo, a orquestra abocanhou os prêmios de Jazz Album of the Year em 1978 (pelo álbum “Insights”), além de vários prêmios de melhor Big Band melhor arranjador e melhor compositor, para Akiyoshi, na votação da crítica e do público. Tabackin foi eleito melhor flautista, na votação do público, em 1981 e 1982. A lista de indicações para Grammy é quilométrica – ao todo, a big band recebeu mais de dez indicações para a categoria de Melhor Performance de Jazz Instrumental. Toshiko foi indicada na categoria de Melhor Arranjador Instrumental nos anos de 1983 (pelo álbum “Remembering Bud”), 1985 (pelo álbum “March of the Tadpoles”) e 1994 (pelo álbum “Bebop”).

Em 1983 Lew e Toshiko retornaram a Nova Iorque, mantendo a big band, agora com o nome de Toshiko Akiyoshi Jazz Orchestra. Paralelamente a isso, ambos continuaram a liderar seus próprios pequenos conjuntos e a tocar seus projetos pessoais. Como, por exemplo, o saxofonista havia feito em 1980, ao se juntar ao genial Phil Woods para a gravação do excelente “Lew Tabackin & Phil Woods”, para a Evidence, com a participação do pianista Jimmy Rowles, do baixista Michael Moore e do baterista Bill Goodwin.

Da década de 80 em diante, Tabackin tem sido figura fácil em projetos como a George Wein's Newport All-Star Band, a New York Jazz Giants e a Carnegie Hall Jazz Band, que costumam reunir nomes de peso para apresentações em festivais ou em tributos a outros grandes jazzistas. Embora tenha se mantido em intensa atividade, fazendo shows em festivais pelo mundo inteiro, sua discografia é relativamente modesta, incluindo trabalhos para a RCA, Inner City, Ascent, Koch, Concord e para a gravadora japonesa Tokuma.

“I'll Be Seeing You” é um dos melhores discos de Tabackin e foi gravado nos dias 16 e 17 de abril de 1992, para a Concord. Além do saxofonista, marcam presença o pianista Benny Green, o baixista Peter Washington e o baterista Lewis Nash. No repertório, standards, composições do saxofonista, que no disco também toca flauta, e da esposa Akiyoshi, além de temas de autoria de gigantes como Parker, Monk e Coltrane.

A faixa de abertura não poderia ser mais auspiciosa: uma tempestuosa versão de “I Surrender, Dear”. Composta por Harry Barris e Gordon Clifford em 1931, a canção foi um dos grandes sucessos da carreira de Bing Crosby. Na interpretação do quarteto, que se mantém firmemente ancorado na tradição bop, ela se torna um poderoso veículo para solos furiosos e improvisos desconcertantes, especialmente por parte do líder e de Green. A performance de Nash é fulgurante e merece ser ouvida com atenção.

De Coltrane, Tabackin toma emprestado a hipnótica “Wise One”, originalmente incluída no álbum “Crescent”, de 1964. Fazendo uso da flauta e reunindo elementos da música japonesa, andina e do blues, Tabackin mantém a atmosfera meditativa da versão original. Ótima atuação de Green, em boa parte responsável pelos momentos mais dramáticos da faixa, e de Washington, um dos mais talentosos baixistas da atualidade.

A faixa título, também pinçada do repertório de Bing Crosby, recebe um arranjo expansivo, rápido e bastante equilibrado entre o lirismo das versões mais tradicionais e a ousadia das abordagens mais contemporâneas. O fraseado de Tabackin é envolvente e melodioso, mas também apresenta uma certa aspereza, resultado de sua devoção a mestres como Coleman Hawkins e Ben Webster. A sessão rítmica mostra coesão e interage com extrema solidez, ajudando a produzir uma sonoridade cativante e tão surpreendente que por vezes torna a melodia irreconhecível.

Uma das mais belas composições de Thelonious Monk, “Ruby My Dear” ganha uma interpretação respeitosa e emocionante. Green percute as teclas do piano com doçura, contrapondo-se ao toque metalizado e sinuoso do autor. O resultado é dos mais estimulantes, sobretudo quando o líder entra em cena. Dono de um sopro viril, Tabackin também se sai excepcionalmente bem na execução de baladas. Aqui, a sua interpretação é cálida, dotada de uma sobriedade madura, quase solene. É, sem dúvida alguma, a faixa mais emocionante do álbum.

“Chic Lady” é uma contribuição da esposa de Tabackin onde, mais uma vez, ele usa a flauta com enorme perícia. Com uma estrutura alegre e cadenciada, o tema flerta com a bossa nova, embora não despreze as harmonias tipicamente escorregadias do bebop. João Donato talvez tenha sido a influência mais evidente e o apelo percussivo é dos mais intensos. Nash responde à altura as exigências, dando uma aula de ritmo e coordenação, brindando o ouvinte com uma performance explosiva e contagiante.

Charlie Parker se faz presente através da incandescente versão de “Perhaps”. Lew é um exímio improvisador, arrojado e desafiador em suas frases, capaz de exaurir todas as possibilidades harmônicas de um tema sem que sua abordagem soe pretensiosa ou arrogante. Aqui, ele se concentra em extrair a essência do bebop, sua irreverência e seu apuro técnico, mas em momento algum tenta imitar o estilo parkeriano, embora revele a influência de Bird e de Sonny Rollins em sua execução. Destaque para o excepcional trabalho de Washington, sobretudo o seu solo alucinante e o alentado dueto que mantém com o líder por quase dois minutos.

Produzida pela luxuosa ourivesaria de Duke Elllington e Billy Strayhorn, “Isfahan” recebe uma versão límpida e refinada, na qual cada acorde parece ter sido moldado com uma argamassa de delicadeza e elegância. Outra composição de Ellington, “Lost In Meditation”, é recriada com mais liberdade e irreverência pelo quarteto, que inclui alguns discretos elementos de bossa nova em sua interpretação. Lew está soberbo com a flauta, mas atuação de Green também merece amplo destaque, especialmente por conta do seu magistral senso de tempo e do seu fraseado classudo.

Para finalizar, mais um tema de Monk, a inebriante “In Walked Bud”, baseada em uma progressão de acordes de “Blue Skies”, de Irving Berlin, na qual o compositor homenageia o grande amigo e parceiro Bud Powell. A versão do quarteto é impecável, impregnada de elevadas doses de histamina. O sax de Tabackin soa rascante, às vezes gutural, reverberando a urgência e a imprevisibilidade características da obra monkiana. A percussão de Nash é sempre de uma transbordante de vitalidade, que empolga os parceiros e os incita a uma entrega absoluta. Um dos grandes álbuns de jazz dos anos 90, capitaneado por um dos mais talentosos saxofonistas em atividade.

Apesar de ocasionalmente tocarem juntos, Lew e Toshiko mantêm uma rotina de estudos e ensaios completamente independente. O saxofonista costuma ensaiar no porão e a pianista geralmente usa o piano que fica na sala da casa em que moram, no Condado de Westchester, no estado de Nova Iorque. Tabackin declarou em uma entrevista ao jornalista Fred Jung: “Eu estou sempre buscando novas maneiras de ser mais expressivo e alcançar um público maior, sem ter que fazer nada estúpido. Eu estou sempre desenvolvendo pequenos projetos e tentando manter a minha música a mais pura possível”.

Nessa caminhada, o saxofonista tem contado com alguns apoios preciosos. Dado Moroni, Peter Washington, Jason Browen, Lewis Nash, Phillippe Aerts, Bill Goodwin, Randy Brecker, Monty Budwig, Joey Baron, Howard Alden, Plas Johnson, Hank Jones, Warren Vaché, Dave Holland e Victor Lewis são alguns dos nomes que participaram de seus álbuns ou que o acompanharam em concertos e apresentações. Como sideman, Lew possui trabalhos relevantes ao lado de Duke Pearson, Benny Carter, Manhatan Transfer, Tom Waits, Louis Bellson, Shely Manne, Jimmy Knepper, Bill Berry, Freddie Hubbard, Donald Byrd, George Mraz, Ira Sullivan e outros.

Tabackin é um dos principais colaboradores da The Jazz Foundation of America, tendo abraçado com enorme determinação a causa de auxiliar músicos de blues e jazz em dificuldade financeira ou com problemas de saúde. Seu trabalho no comitê consultivo da fundação, do qual faz parte desde 2002, tem sido especialmente elogiado, sobretudo no auxílio aos músicos de New Orleans, muitos dos quais perderam seus lares e seu trabalho, após a devastação causada pelo furacão Katrina, em 2005.

Em junho de 2004 participou do tributo ao centésimo aniversário de nascimento de Coleman Hawkins, promovido pelo Kennedy Center, liderando uma banda onde pontuavam o pianista Mulgrew Miller, o baixista Peter Washington e o baterista Mark Taylor. Em outubro do mesmo ano, nova homenagem ao ídolo Hawkins, desta feita durante a edição do New Jersey Jazz Society Jazzfest. A banda incluía o trompetista Randy Brecker, o baterista Mark Taylor, o pianista David Hazeltine e o baixista Dennis Irwin.

O saxofonista não esconde seu apreço pelo trabalho em trio, apenas sax, contrabaixo e bateria. Atualmente, seus parceiros mais constantes são o baterista inglês Mark Taylor e o baixista Boris Kozlov, ao lado de quem gravou os álbuns “Tanuki’s Night Out”, em 2001, e “Live In Paris”, em 2008. Sobre as vivissitudes do mercado fonográfico, Tabackin tem uma visão muito bem-humorada: “Hoje em dia eu não tenho menor o interesse em gravar ou promover discos agressivamente. Os jovens têm toda a energia para fazer isso, mas eu não. Eu sou da velha escola, sou do tempo em que promover um disco era trabalho da gravadora. Prefiro gastar o tempo aperfeiçoando a minha música, procurando melhorar os meus si bemóis”.

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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

INDEPENDÊNCIA OU MORTE!


No célebre quadro de Pedro Américo, pintado em 1888 e intitulado “O grito do Ipiranga”, a proclamação da independência aparece como um momento grandioso e, de certa maneira, envolto em uma aura mítica. Montado em um cavalo branco e liderando uma guarnição do exército, o então príncipe herdeiro da Coroa Portuguesa, D. Pedro de Alcântara, que, ao mesmo tempo, ocupava o posto de Regente do Brasil, aparece empunhando uma espada e profere as palavras que se imortalizaram ao longo dos tempos:

- Independência ou morte!

A proclamação ocorreu às margens do riacho Ipiranga, quando D. Pedro retornava de uma viagem a São Paulo. O príncipe havia recebido uma carta de seu pai, o Rei D. João VI, determinando-lhe que abandonasse o Brasil e retornasse imediatamente a Portugal. Além da missiva do pai, D. Pedro receberia, naquele momento, outras duas cartas. Uma, escrita por José Bonifácio, seu ministro e principal conselheiro, que lhe sugeria o rompimento dos laços políticos com Portugal, e a outra, escrita por Maria Leopoldina, sua esposa, na qual a princesa aconselha o marido a acatar a sugestão de Bonifácio.

Proclamou-se assim, a independência do Brasil, embora seja bastante inusitado o fato de que um país tenha sido “libertado” exatamente pelo herdeiro da coroa do país colonizador. Não vivemos, pois, as heróicas lutas pela independência que nossos países vizinhos, como Chile, Argentina, Venezuela ou Bolívia, libertados do jugo espanhol, respectivamente, por Bernardo O’Higgins, José de San Martin, Simon Bolívar e José Sucre.

No dia 07 de setembro de 1922 o Brasil comemorava o primeiro centenário da Proclamação da Independência, quando nasceu, em New Orleans, na Louisiana, Joseph Dwight Newman, que passaria à história como um dos grandes nomes do trompete em todos os tempos. Além disso, foi um talentoso compositor, arranjador e educador musical, cujo nome estará, para sempre, associado ao do maestro Count Basie, cuja orquestrra integrou por mais de 12 anos. Não se sabe, todavia, se em algum momento de sua vida Joe Newman, como ficou conhecido no mundo do jazz, chegou a se dar conta de que havia vindo ao mundo no dia em que o Brasil comemorava a sua independência.

Nascido na mesma cidade em que surgiu o jazz, Newman pertencia a uma família altamente musical. Seu pai, David Dwight Newman, era pianista e membro da primeira orquestra negra da cidade a possuir seu próprio programa de rádio, a Creole Serenaders. Portanto, foi algo bastante natural o fato de que, desde tenra idade, o pequeno Joe tivesse se dedicado à música. Seu primeiro contato com o trompete ocorreu meio por acaso. O pai havia comprado um instrumento, da marca Conn, para o irmão mais velho de Joe e aquele não demonstrou o menor interesse.

O pequeno Joe, de apenas oito anos, pediu ao pai para ficar com o instrumento, com o compromisso de aprender a tocá-lo em pouco tempo, e lançou-se à empreitada com o maior empenho. Um de seus primeiros professores foi o lendário saxofonista David Jones, que havia sido colega de Louis Armstrong na banda do pianista Fate Marable, que cruzava o rio Mississipi a bordo do S. S. Capitol. Jones, por possuir educação musical formal, chegou a dar aulas para o jovem Armstrong, que então tinha apenas 17 anos. Armstrong, aliás, foi o primeiro ídolo de Newman e responsável direto por sua opção precoce pelo trompete.

Embora fosse pouco mais que uma criança, Newman foi convidado para estudar no Alabama State Teachers College, um internato para garotos negros localizado em Montgomery, onde ingressou aos treze anos. A orquestra da escola, intitulada “The Bama State Collegians”, precisava de um trompetista para substituir o grande Erskine Hawkins, exímio trompetista da Era do Swing e que passaria à posteridade como o compositor de “Tuxedo Junction”. Hawkins havia deixado o grupo para tentar a sorte como músico profissional e Newman, bem mais novo, adequava-se à perfeição às necessidades da escola e de sua orquestra.

Em pouco tempo, Newman já era um dos líderes e principais solistas da banda e foi com ela que fez as suas primeiras excursões. Eram tempos difíceis, pois os Estados Unidos sofriam ainda as conseqüências da Grande Depressão e a escola passava por sérias dificuldades financeiras. As apresentações da orquestra, portanto, serviam para custear material didático, instrumentos musicais e até alimentação dos internos. A reputação da orquestra era tão grande na região, que ela costumava ser convidada para abrir shows de big bands famosas, como a de Jimmy Lunceford.

Sempre que podia, Newman visitava a cidade natal e ali começou a tocar com alguns músicos como Henry Hart, Bill Phillips e Richard Gray, bastante conhecidos no cenário local. As gigs geralmente eram realizadas em clubes como o Rhythm Club e o trompetista foi adquirindo a experiência necessária para se aventurar no concorrido mercado de trabalho.

A oportunidade surgiu no início de 1941. A “The Bama State Collegians” iria se apresentar em Birmingham, no Alabama, abrindo um show para a renomada orquestra de Lionel Hampton. Newman estava doente e não pôde ir à apresentação. Todavia, o vibrafonista ficou bastante impressionado com a qualidade técnica dos garotos e comentou que precisava de um trompetista em sua própria orquestra. Os colegas então, fizeram os maiores elogios a Newman e o próprio Hamp fez o convite. O trompetista rumou para Chicago, onde a orquestra se apresentaria e com ela permaneceu até dezembro de 1943, quando foi convidado a se juntar à poderosa orquestra de Count Basie, em substituição a Buck Clayton.

Ambas as orquestras estavam em Nova Iorque naqueles dias. A de Hampton se apresentava no clube Famous Door e a de Basie se apresentava no salão de baile do Lincoln Hotel. O baterista Jo Jones encontrou-se com Newman no hotel em que ambos estavam hospedados e perguntou, à queima roupa: “Ei, Joe, porque você não vem tocar hoje à noite com a gente? Buck deixou a orquestra para servir ao exército e nós estamos precisando de um trompetista”.

A apresentação foi um sucesso e Basie, que havia gostado bastante da performance de Newman, convidou-o para ficar em sua orquestra, em caráter definitivo. Antes, porém, o trompetista foi conversar com o patrão Hampton, que não impôs qualquer obstáculo à sua saída. Tocar na orquestra de Basie significava trabalhar ao lado de Lester Young, saxofonista que havia se tornado uma de suas principais influências musicais.

Sobre Lester, de quem se tornaria amigo, Newman declarou: “Me tornar amigo de Pres foi algo muito agradável. Eu aprendia muito, apenas conversando com ele. Não era uma pessoa extravagante, mas sim introvertida. Ele era maravilhoso com as pessoas de quem gostava e se sentia confortável ao lado delas. Uma pessoa gentil, incapaz de dizer algo ruim sobre alguém. E era muito divertido e extremamente criativo. Ele é o autor de muitas gírias e expressões que se tornaram parte do vocabulário jazzístico”. Para quem não sabe, Lester foi quem colocou os apelidos de Lady Day em Billie Holiday e de “Sweets” em seu companheiro de orquestra Harry Edison.

Newman viveria dois períodos distintos sob o comando do Conde. O primeiro perdurou de 1943 a 1947 e o segundo de 1952 a 1961, ocupando, exatamente, o lugar de Harry “Sweets” Edison. Durante o hiato de cinco anos que separa esses períodos, Newman trabalhou como freelancer e também liderou uma banda ao lado do saxofonista Illinois Jacquet e do baterista J. C. Heard, que era atração fixa do Café Society, em Nova Iorque. Pelo grupo, passariam alguns músicos de renome, como o saxofonista Leo Parker e o pianista Sir Charles Thompson.

Joe participou de álbuns históricos de Basie, como “April In Paris” (Verve, 1955), “Chairman Of The Board” (1958), “Basie & Eckstine, Inc.” (1959) e “Breakfest, Dance And Barbecue” (1959), estes últimos para a Roulette. Durante seus quase treze anos na orquestra, dividiu o trompete com sumidades como Joe Wilder, Thad Jones, Wendell Culley, Sonny Cohn e Snooky Young. Embora fosse um músico ligado ao swing, Newman também se deixou influenciar pelo bebop de Parker e Gillespie e sua abordagem é uma interessante mescla dessas duas escolas.

Em 1954, durante excursão à Europa, conheceu a sua primeira esposa, a sueca Rigmor Alfredsson, com quem se casou naquele mesmo ano. Além do trabalho com Basie, Newman era um disputado sideman, tendo acompanhado, ao longo da carreira, artistas do quilate de Lester Young, Coleman Hawkins, Al Cohn, Jimmy McGriff, Leo Parker, Ray Charles, Benny Carter, Quincy Jones, Billy Taylor, Sonny Rollins, Sonny Criss, Buck Clayton, Milt Hinton, Freddie Green, Manny Albam, Ella Fitzgerald, Milt Jackson, Eddie “Cleanhead” Vinson, Dinah Washington, Cannonball Adderley, Jerome Richardson, Machito, Ray Bryant, Aretha Franklin, Tony Bennett, Frank Wess, Gene Krupa, Jimmy Smith, Paul Quinichette Chris Connor, Herbie Hancock, Oliver Nelson, Carmen McRae, Gene Ammons, James Moody, Ernestine Anderson, Grant Green, Modern Jazz Quartet, Oscar Peterson, Herbie Mann, Sonny Stitt, Yusef Lateef, Wes Montgomery, Stan Getz e muitos outros.

Ele também gravou diversos álbuns em seu próprio nome, para selos como RCA Victor, Storyville, Fresh Sound, Savoy, Vanguard, Stash, Lone Hill, MCA, Verve e outros. Em janeiro de 1961, cansado do ritmo frenético de turnês e gravações, o trompetista deixou a orquestra de Count Basie para, novamente, atuar como freelancer. Montou seu próprio grupo, com o qual era figura fácil em clubes novaiorquinos, como o Village Gate, o Birdland e o Village Vanguard.

Poucos meses depois de sua saída, no dia 17 de março daquele mesmo ano, Newman entrou no estúdio para gravar “Good’ N’ Groovy”. Com produção de Esmond Edwards e engenharia de Rudy Van Gelder, o álbum, lançado pela Swingville/Prestige, traz as presenças de Frank Foster no sax tenor, Tommy Flanagan no piano, Eddie Jones no contrabaixo e Billy English na bateria. Dos seis temas gravados, quatro são de autoria do líder.

A faixa de abertura é a sacolejante “A. M. Romp”, de autoria de Newman, responsável pela empolgante introdução. O tema se desenvolve com bastante fluência, unindo elementos harmônicos do bebop e uma melodia dançável, que evoca as melhores orquestras da Era do Swing. Foster, companheiro do líder por anos a fio na orquestra de Basie, é um solista fabuloso, capaz imprimir uma sonoridade volumosa e de elevada intensidade. A atuação de Flanagan é das mais espetaculares, com um solo que transita entre a leveza e a dramaticidade. Newman não é menos habilidoso e sua utilização dos agudos, se não alcança os níveis estratosféricos de um Gillespie, é exuberantemente calorosa.

“Li’l Darlin’” é uma das composições mais conhecidas de Neal Hefti, ele próprio um talentoso trompetista, mas que se celebrizou por causa dos arranjos elaborados para o próprio Basie e para Frank Sinatra. Newman revela aqui a faceta de baladeiro sensível e lírico, dono de uma sonoridade aveludada, que funciona como uma verdadeira carícia auditiva. A tranqüilidade com que o quinteto executa o tema deve muito à percussão minimalista de English, de uma sutileza comovente. Magistral também é a abordagem de Foster, cujo sopro, apesar de robusto, jamais oprime os ouvidos.

O blues sincopado “Mo-Lasses” tem um pé no R&B e outro no chamado soul jazz dos anos 60. Poderia muito bem figurar no repertório de um Lou Donaldson ou de um Stanley Turrentine, tamanho o groove que os músicos imprimem ao tema. Destaque absoluto para o vigoroso duelo entre Newman e Foster, dois improvisadores de amplos recursos técnicos e que se sentem muito à vontade tocando juntos. Também merece oitiva atenta a poderosa atuação de English, que abandona as sutilezas para desencadear uma pancadaria eletrizante.

“To Rigmor” é uma homenagem de Newman à esposa sueca. Trata-se de uma balada suave e elegante, na tradição de “Witchcraft”, de Cy Coleman. O romantismo do trompetista transborda em intervenções dolentes, respaldadas pelo piano classudo de Flanagan. A atmosfera lírica é reforçada pelo excelente trabalho de Jones, um talentoso contrabaixista, também oriundo da orquestra de Count Basie, que, pouco tempo depois, abandonaria a música para trabalhar na IBM.

O standard “Just Squeeze Me (But Don't Tease Me)”, composto por Duke Ellington e Lee Gaines nos anos 40, é interpretado com uma categoria invulgar. A levada em tempo médio do quinteto se torna ainda mais distinta, graças à delicadeza do fraseado de Flanagan e à swingante abordagem de Foster, cujo solo é um dos mais arrebatadores do disco. Usando a surdina, Newman emula o comedimento de um Miles Davis, abolindo o vibrato e usando pouquíssimas notas, lançadas com precisão e sagacidade ímpares.

“Loop-D-Loop” é um blues acelerado e visceral, que fecha o álbum de maneira energética e altiva, onde todos os músicos encontram espaço para solar. A bateria de English é uma vibrante usina de ritmo, que contagia os colegas e os impele a caprichar nos improvisos, com destaque para as performances do líder, de Jones e de Flanagan. Um pequeno grande disco, despretensioso e leve, que surpreende e diverte em igual medida.

No ano seguinte, integrou a orquestra de Benny Goodman, em uma histórica excursão à então poderosa – e fechadíssima – União Soviética. Entusiasta do ensino musical – segundo ele, o jazz teria sido uma das primeiras coisas que Deus criou quando fez o mundo – fundou a Jazz Interactions Inc., uma organização sediada em Nova Iorque e dedicada ao ensino e à preservação do jazz e de suas tradições. A entidade mantinha Jazz Interactions Orchestra, formada por seus alunos e cujos arranjos eram elaborados por Newman. Também foi a primeira instituição a encampar o projeto “Jazz Oral History”, cujo acervo, atualmente, se encontra sob a guarda do The Institute of Jazz Studies.

O versátil Newman era capaz de acompanhar, com a mesma competência, astros da soul music como Solomon Burke, Roberta Flack, The Rascals ou Donny Hathaway, feras do blues como Freddie King, Muddy Waters (participou das gravações do histórico “The London Muddy Waters Sessions”, de 1971) ou Big Joe Turner, e roqueiros como os pioneiros Chuck Berry e Bo Diddley. Também tocou com o vanguardista Albert Ayler no disco “New Grass”, em 1969, e com o feiticeiro Hermeto Pascoal, em seu álbum “Yogurt”, de 1972.

Nos anos 70, além de intensificar seu trabalho como educador musical, o trompetista ingressou na New York Repertory Orchestra, com a qual excursionou pela Europa em 1975. Nas décadas de 80 e 90, trabalhou com regularidade com o cornetista Ruby Braff, o pianista Jimmy Rowles, o trompetista Joe Wilder e o pianista Hank Jones. A banda com a qual se apresentava com maior regularidade contava com Harold Mabern no piano, Earl May no contrabaixo e Bill English na bateria, e era com ela que elogiadas temporadas nos clubes de Nova Iorque, especialmente no Sweet Basil.

Apesar dos muitos anos de estrada, Newman costumava dizer que ainda estava aprendendo. Nos últimos tempos ele, que também tocava bateria, costumava cantar em suas apresentações. O trompetista faleceu no dia 04 de julho de 1992, no Hospital Mount Sinai, em Nova Iorque e a causa da morte foi um acidente vascular cerebral. Em uma dessas estranhas coincidências, é nesse dia que os Estados Unidos comemoram a sua própria independência.

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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

FOGO TRANQÜILO


A sobriedade e a discrição parecem ter sido as principais características de Mitchell Herbert Ellis, nascido no dia 04 de agosto de 1921 em Farmersville, Texas, e criado em Dallas, no mesmo estado. Ouviu o som da guitarra elétrica pela primeira vez pelas ondas do rádio, no final dos anos 30, pelas mãos de George Barnes. Apesar de terem a mesma idade, Barnes já era um veterano, conhecido por seu trabalho com o bluesman Big Bill Broonzy, além de haver tocado com diversas orquestras de swing, tendo passado à história do jazz como um dos primeiros músicos a utilizar a guitarra elétrica.

Aliás, Barnes reclama não apenas a paternidade do instrumento, supostamente criado em 1931, quando tinha apenas dez anos, como também alega ser dele o primeiro registro fonográfico da guitarra elétrica, que teria sido feito no dia primeiro de março de 1938, em Chicago e onde o guitarrista acompanha Broonzy em “Sweetheart Land” e “It's a Low-Down Dirty Shame”. Graças à sonoridade hipnótica do instrumento, o jovem Herb, como era mais conhecido, resolveu estudar música na North Texas State University, em Denton.

Até então, seu gosto musical se limitava ao blues, à música country e à chamada hillbilly music, uma espécie de variação das work songs muito popular no sudeste dos Estados Unidos. Contudo, já na universidade, dois fatos foram bastante relevantes para os rumos que Ellis daria à carreira, fazendo-o optar, definitivamente, pelo jazz. O primeiro deles foi conhecer e fazer amizade com o jovem saxofonista Jimmy Giuffre, cujas avançadas concepções musicais influenciariam o guitarrista para sempre. O segundo foi ouvir o mago Charlie Christian, que elevou a guitarra jazzística a um patamar técnico até então desconhecido.

O interessante é que o impacto causado por Christian não foi imediato. Conforme relata o crítico Leonard Feather, Ellis lhe confessou: “A primeira vez em que ouvi Charlie Christian não achei lá grande coisa, porque eu achava que podia tocar mais rápido que ele. Com o passar do tempo, aquela forma de tocar realmente me arrebatou. Só então eu percebi que velocidade não é tudo. Então, fiquei abalado emocionalmente, deixei a guitarra de lado e pensei que jamais voltaria a tocar. Mas no dia seguinte eu relaxei, peguei a guitarra de novo e tentei tocar igualzinho ao Charlie”.

Além de dividirem o mesmo quarto no alojamento da universidade, Giuffre e Ellis gostavam tanto de tocar juntos que alugaram uma casa de oito cômodos, apenas para ensaiar e promover animadas gigs, freqüentadas pelos animados colegas, dentre os quais o baixista Harry Babasin e o trompetista – e futuro arranjador da orquestra de Stan Kenton – Gene Roland.

Em 1941, por conta da complicada situação financeira, Ellis deixou a faculdade e uniu-se a uma banda formada por alunos da University of Kansas, com quem excursionou por cerca de seis meses. Durante esse período, morou em Kansas City, Missouri, trabalhando algum tempo na big band de Charlie Fisk. Ellis foi dispensado do serviço militar obrigatório por conta de um pequeno problema cardíaco, que não impôs qualquer obstáculo à carreira profissional.

O guitarrista atuou na região de Kansas City como freelancer por cerca de dois anos, tocando em bares e clubes, até ser contratado pela Casa Loma Orchestra, em 1943. Liderada pelo saxofonista Glen Gray, a Casa Loma era uma das mais importantes big bands da Era do Swing e na época a sua formação incluía o trompetista Bobby Hackett, o pianista Nick Denucci e o cornetista Red Nichols.

Embora o trabalho com a Casa Loma tenha dado a Ellis alguma visibilidade, o reconhecimento só veio quando se uniu à orquestra de Jimmy Dorsey, onde reencontrou o velho amigo Giuffre, em 1945. No novo emprego, Ellis tinha bastante liberdade para criar e ali foram registrados os seus primeiros solos. O guitarrista permaneceu com Dorsey até 1947, em uma rotina exaustiva de concertos e gravações. Durante uma pausa na agenda da orquestra, Herb foi convidado por dois dos seus companheiros – o pianista Lou Carter e o baixista John Frigo – para se juntar a eles em uma temporada no Hotel Stuyvesant, em Buffalo.

O trio recebeu o nome de Soft Winds e o que deveria ter sido uma pequena temporada de seis semanas acabou por se tornar um emprego fixo de seis meses. Lamentavelmente, não há gravações feitas em nome do Soft Winds, que chegou a acompanhar a cantora Lena Horne em algumas apresentações. Todavia, o trio legou à posteridade pelo menos uma obra prima: o standard “Detour Ahead”, de 1947, composto por Ellis, Carter e Frigo e que foi gravado por uma legião de músicos como Billie Holiday, Johnny Griffin, Buddy DeFranco, Stan Getz e Bill Evans, entre outros. O combo, que se espelhava no Nat King Cole Trio, permaneceria em atividade até 1952, quando Ellis foi convidado por Oscar Peterson para substituir Barney Kessel em seu trio.

Maynard Ferguson havia assistido a uma apresentação do trio e, sabendo que Peterson estava em busca de um guitarrista, indicou Ellis ao amigo. Herb integrou o grupo de Peterson por quase seis anos, de 1953 a 1958, sendo que o terceiro membro da equipe era o espetacular contrabaixista Ray Brown. O trio tornou-se, então, uma dos mais bem sucedidos da história do jazz, tanto do ponto de vista artístico como comercial, e legou ao mundo obras primas como “At The Concertgebouw” (1956) e “On The Town” (1958), ambos para a Verve.

Na Verve, aliás, o Oscar Peterson Trio era uma espécie de banda “da casa” e acompanhou dezenas de convidados importantes, em gravações históricas de astros como Dizzy Gillespie, Buddy DeFranco, Roy Eldridge, Harry “Sweets” Edison, Stéphane Grappelli, J. J. Johnson, Lester Young, Ben Webster, Stan Getz, Anita O’Day, Louis Armstrong e Ella Fitzgerald, entre muitos outros. Os concertos do trio no projeto Jazz At The Philharmonic eram dos mais concorridos e as turnês e apresentações eram quase ininterruptas.

Ao mesmo tempo, Herb iniciava uma belíssima carreira fonográfica como líder, lançando, sempre pela Verve, álbuns como “Ellis In Wonderland” (1956), “Nothing But The Blues” (1958) e “Thank You, Charlie Christian” (1960). Na reedição em cd de “Nothing But The Blues” foram incluídas quatro faixas, gravadas em Paris em 1958, originalmente incluídas na trilha sonora do filme “Les Tricheurs”, do diretor Marcel Carné. A seu lado, além dos companheiros Peterson e Brown, feras como Harry "Sweets" Edison, Alvin Stoller, Chuck Berghofer, Roy Eldridge, Stan Getz, Coleman Hawkins, Dizzy Gillespie, Charlie Mariano, Chuck Israels e muitos outros.

Outro destaque em sua discografia é "Herb Ellis Meets Jimmy Giuffre", de 1959 e que celebra o reencontro com o velho camarada Giuffre. Liderando um elenco de estrelas do West Coast Jazz, o guitarrista e o tenorista se mostram extremamente à vontade, lembrando as velhas gigs em Denton. Para se ter uma idéia do alto nível do álbum, basta dizer que os acompanhantes são Bud Shank e Art Pepper no sax alto, Richie Kamuca no tenor, Jim Hall na guitarra, Lou Levy no piano, Joe Mondragon no contrabaixo e Stan Levey na bateria.

Em novembro de 1958, Ellis decidiu deixar Peterson, sendo substituído pelo baterista Ed Thigpen. O pianista declarou um sem número de vezes que optou por um baterista porque tinha certeza de que não encontraria um guitarrista à altura de Ellis. Entre 1959 e 1960 o guitarrista tocou com Ella Fitzgerald e excursionou com Julie London.

No início da nova década, fixou-se na Califórnia, onde se tornou músico de estúdio. Boa parte de seu trabalho nos anos 60 foi na televisão, onde integrou as orquestras de programas como os de Steve Allen (regida por Donn Trenner, na qual permaneceu de 1961 a 1964) e de Regis Philbin (regida por Terry Gibbs, onde trabalhou entre 1964 e 1965). O guitarrista também atuou nas bandas de apoio de outros programas de TV, como os apresentados por Merv Griffin e Della Reese.

Não obstante, Ellis jamais abriu mão do jazz e, ao longo dos anos, consolidou-se como um dos mais requisitados acompanhantes da história do jazz. Nessa qualidade, ele pode se orgulhar de haver tocado com uma verdadeira constelação: Gene Krupa, Mose Allison, Blossom Dearie, Sonny Stitt, Johnny Hodges, Johnny Griffin, Peggy Lee, Stuff Smith, André Previn, Nancy Wilson, Toshiko Akiyoshi, Joe Williams, Sarah Vaughan, Lionel Hampton, Mark Murphy, Irene Kral, Jake Hannah, Esther Philips, Art Blakey, Monty Alexander, Al Cohn, Gene Harris, Benny Carter, Lou Rawls, BBillie Holiday, Illinois Jacquet, Mel Tormé, Johnny Hartman, Mahalia Jackson, Jack Teagarden, Scott Hamilton, Dorothhy Dandridge, Frank Sinatra, “Hot Lips” Page e uma infinidade de outros.

Nos anos 70, Ellis foi uma das primeiras aquisições da gravadora Concorde, que então dava seus primeiros passos e que, naquela época, reuniu um núcleo de músicos extremamente talentosos e confiáveis, como os pianistas Dave McKenna, Monty Alexander e Gene Harris, os bateristas Jake Hannah e Louie Bellson, os guitarristas Tal Farlow e Charlie Byrd e o baixista Ray Brown, que podem ser ouvidos em dezenas de álbuns daquele período.

Pela Concord, Ellis gravou diversos discos ao lado de Barney Kessel e Charlie Byrd. O grupo, formado em 1973, recebeu o justíssimo nome de The Great Guitars, e foi atração regular em festivais ao redor do mundo nos anos 70 e 80, sendo que em várias ocasiões, o fabuloso Tal Farlow juntava-se à turma. Em 1992 um AVC forçou Kessel a abandonar os palcos, mas Ellis e Byrd mantiveram o Great Guitars em atividade. Na última vez em que tocaram juntos, em 1996, os dois receberam o luxuoso auxílio de Mundell Lowe e Larry Coryell e o resultado pode ser conferido no álbum “The Return Of The Great Guitars” (Concord), lançado naquele mesmo ano.

Na verdade, Herb sempre teve uma relação bastante amistosa com outros guitarristas. Em 1973, por exemplo, gravou “Poor Butterfly”, um duo de guitarra com o amigo Barney Kessel. Em 1974, dividiu a liderança do álbum “Two For The Road” com o genial Joe Pass. A gravação, feita para a Pablo, veio se somar ao álbum “Jazz Concord”, que os dois, escudados por Ray Brown e Jake Hannah, haviam gravado no ano anterior, durante uma das edições do Concord Jazz Festival e que foi lançado pela gravadora homônima.

A relação com Oscar Peterson tampouco sofreu qualquer abalo e os dois continuaram bons amigos. Em 1970 o pianista homenageou o antigo parceiro no álbum "Hello, Herbie", gravado para o selo alemão MPS e que contou com a participação especial do guitarrista em todas as faixas. Acompanhados do baixista Sam Jones e do baterista Bobby Durham, os dois exibem a energia e a classe que os consagrou ao longo da década de 50 e mostram que o tempo não maculou a interação quase telepática.

Ainda na Concord, Ellis montou, com o amigo Ray Brown o Herb Ellis - Ray Brown Sextet, que ali lançou dois ótimos álbuns: “After You've Gone” e “Hot Tracks”, que seriam reeditados em um cd duplo intitulado "In The Pocket", em 2002. O primeiro foi gravado em 1975 e o segundo em 1976, sendo que este último conta com as participações de Harry “Sweets” Edison no trompete, Plas Johnson no sax tenor, Jake Hanna na bateria e Mike Melvoin no piano acústico, piano elétrico e órgão. As gravações foram feitas no Western Studios, em Hollywood, e a produção ficou a cargo de Carl Jefferson.

A abertura fica por conta da contagiante “Onion Roll”, de autoria do próprio Herb. Com sua levada infecciosa e contando com uma sucessão de riffs poderosos, o tema é o veículo perfeito para o desfile de virtuosismo protagonizado por Johnson, Ellis e, sobretudo, pelo encapetado Harry Edison. Seu sopro assurdinado e feérico eleva a temperatura da sessão e antecipa o que está por vir: uma jam session animada, alegre, despretensiosa e de altíssimo nível técnico.

“Spherikhal” é um blues pegajoso, composto por Brown e interpretado com muita garra pelos seis. Embora o som do piano elétrico de Melvoin soe um pouco estridente, ele não cega a comprometer o resultado final. O autor do tema é generoso o bastante para fazer apenas a parte rítmica e os companheiros, agradecidos, se esmeram por merecer essa poderosa âncora sonora. Ellis destila um fabuloso senso melódico e seus solos são um primor de elegância e articulação.

Apenas os dois líderes atuam na classuda “But Beautiful”, de Johnny Burke e Jimmy Van Heusen, único standard do álbum e que é executado com a reverência que o tema exige. Guitarra e contrabaixo dialogam de maneira solene, como se entoassem um hino. Herb é um guitarrista delicado e apesar do ambiente austero, seus acordes fluem com enorme naturalidade. Brown tem aqui a melhor oportunidade para perpetrar seus solos, sempre muito bem concebidos, e o faz com a maestria habitual.

“Blues for Minnie” é outro tema do baixista. Com uma levada deliciosa e um andamento mais acelerado, a composição agrega elementos de R&B e do swing em sua estrutura. A performance de Edison é nada menos que soberba, com solos abrasivos e incandescentes. Melvoin mergulha nas águas sombrias do blues com um solo cadenciado e Ellis intervém com uma abordagem musculosa e cheia de vitalidade.

O saxofonista Johnson contribui com “Bones”, hard bop que emula a sonoridade de um Jimmy Smith. A comparação não é desmedida, porque aqui Melvoin usa o órgão Hammond com muita sagacidade e energia. Exibindo uma faceta mais inflamada que o habitual, Ellis mostra que sabe transitar com enorme desenvoltura por esse ambiente caudaloso. O groove do sexteto fica ainda mais temperado com graças às exuberantes atuações de Johnson e de Harris.

“So's Your Mother” é da lavra de Melvoin e é uma das mais instigantes do disco. Imersa na tradição bop, apresenta um Ray Brown em estado de graça e sua atuação conjuga precisão, clareza de idéias e desenvoltura. Ellis atua como um luxuoso coadjuvante e seu solo é breve e certeiro. Hanna, cuja percussão é, no mais das vezes, tão discreta quanto um mordomo inglês, exibe um trabalho magistral com os pratos. Johnson, que trabalhou com Henry Mancini, B. B. King e Marvin Gaye, brilha com uma performance inesquecível, adicionando à mistura uma alentada dose de soul.

“Squatty Roo” é um clássico de Johnny Hodges, gravada inclusive pela orquestra do patrão Duke Elllington. O sexteto reproduz aqui, com bastante competência, a atmosfera descontraída das big bandas, com os sopros tocando em uníssono e toneladas de swing. A participação de Melvoin é das mais flamejantes, mas Johnson e Brown, com solos memoráveis, também merecem ser ouvidos com atenção. Para ouvir estalando os dedos e balançando a cabeça.

Para fechar o álbum, “Sweetback”, de Harry Edison, com uma pegada bluesy e uma discreta malemolência. Herb navega pelo blues e pelo swing com quantidades astronômicas de charme e bom gosto. Trata-se de um disco verdadeiramente encantador, e que, embora não seja tão badalado quanto outras pérolas da sua soberba discografia, especialmente aqueles feitos para a Verve no final dos anos 50, merece uma audição atenta e, certamente, prazerosa.

Os anos 80 foram de atividade febril. Apresentações em festivais, gravações como líder e, sobretudo, sideman. Entre as suas associações mais memoráveis, destaca-se o grupo “Triple Threat”, juntamente com Monty Alexander e Ray Brown. No final daquela década, cansado do ritmo frenético de Los Angeles, o guitarrista mudou-se para a pequena Fairfield Bay, no estado do Arkansas. Não obstante, continuou a atuar com regularidade naquele estado, tocando em festivais locais como The Eureka Springs Jazz Festival, The Wildwood Jazz Festival & Wildwood Music Festival e The Hot Springs Jazz & Blues Festival.

Por esse motivo, em 1993 foi condecorado com o título de "Embaixador do Arkansas". Ellis também era um esmerado educador musical e escreveu diversos métodos para o estudo da guitarra, como "The Herb Ellis Jazz Guitar Method: Swing Blues" e "The Herb Ellis Jazz Guitar Method: All the Shapes You Are", bastante populares entre jovens guitarristas.

Em 1990, Oscar Peterson conseguiu juntar-se novamente a Ellis e ao baixista Ray Brown, para uma série de concertos no clube Blue Note. O resultado pode ser conferido no extraordinário álbum quádruplo "Live at the Blue Note", lançado pela Telarc. Outro momento memorável ocorreu em 1992, quando Ellis reuniu-se ao legendário Willie Nelson no elogiado "Texas Swings", com um repertório calcado em cássicos da música country, que foi lançado pelo pequeno selo Justice.

Em 1996, uma nova reunião com Peterson, desta feita durante uma temporada no Town Hall, em Nova Iorque, onde a dupla era secundada pelo ótimo Lewis Nash. Ellis foi o grande homenageado da edição de 1998 do JVC Jazz Festival, em Nova Iorque. O ritmo de trabalho diminuiria nos anos posteriores, em decorrência da doença – Mal de Alzheimer – que lhe reduziria paulatinamente os movimentos e a consciência. Sua última apresentação em público foi no dia 04 de dezembro de 2000, no clube Rocco's, em Los Angeles, durante uma das edições do projeto "Guitar Nights", promovido pelo guitarrista John Pisano.

Herb faleceu no dia 28 de março de 2010, em Los Angeles, devido às complicações causadas pelo Alzheimer. A pianista Toshiko Akiyoshi, que teve a honra de ser acompanhada por Ellis em seu primeiro álbum gravado nos Estados Unidos (“Amazing Toshiko Akiyoshi”, de 1953), falou sobre a importância do falecido amigo. Para ela, eram necessárias três qualidades para ser um membro do Oscar Peterson Trio: “Um ótimo senso de tempo, uma grande habilidade técnica e, mais importante, uma enorme disciplina. Herb possuía as três”.

Para o crítico Joachim Berendt, Ellis “possui o fogo e uma série de elementos estilísticos de Charlie Christian, com um certo tempero de hillbily music, que faz parte de sua origem”. Um fogo tranqüilo, mas certamente capaz de provocar incêndios de enormes proporções. Ou, como sintetizou com rara precisão o veterano Les Paul, ao reconhecer o fraseado do amigo em um blindfold test promovido pela revista Down Beat: “se você não tem swing, ele consegue te fazer swingar”.

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