Responda rápido: quantos saxofonistas podem afirmar que dividiram os palcos e os estúdios de gravação com músicos da estatura de John Coltrane, Art Farmer, Red Garland, Ray Bryant, Clifford Brown, Jimmy Heath, Paul Chambers, Miles Davis, Percy Heath, Curtis Fuller, Philly Joe Jones, Lee Morgan, Count Basie, Tommy Flanagan, Cecil Payne, Art Taylor, Red Rodney, Bobby Timmons, Lionel Hampton, Johnny Hodges, Barry Harris, Earl Bostic, J. J. Johnson, Dizzy Gillespie, John Clayton, Wynton Kelly, McCoy Tyner, Art Blakey, Benny Goodman, Shirley Horn, Quincy Jones, Peggy Lee, Carmen McRae, Anita O'Day, Oscar Peterson, Cedar Walton, Lou Rawls, Mel Tormé, Gigi Gryce, Phil Woods, Max Roach, George Shearing, Nancy Wilson e Ella Fitzgerald? Não muitos, não é mesmo?
E quantos músicos de jazz podem se orgulhar de ter em seu portfólio de mais de 300 composições, gemas do quilate de “Killer Joe”, “I Remember Clifford”, “Along Came Betty”, “Stablemates”, “Whisper Not”, “Blues March”, “Five Spot After Dark”, “The Cool One”, “Blues On My Mind” e “The Stroller”? Bem poucos, decerto.
E se, além de talentoso saxofonista, compositor, bandleader, produtor, educador musical e arranjador, esse músico ainda tivesse acompanhado grandes nomes da música pop, como The Animals, The Mamas And The Papas, The Monkees, Diana Ross, Percy Faith e Dusty Springfield, tivesse composto trilhas sonoras para seriados televisivos bastante populares como M*A*S*H, Mission Impossible, Mod Squad, The Bill Cosby Show e The Six Million Dollar Man e ainda arranjasse tempo para receber o título de Jazz Master (em 1995), concedido pela National Endowment For The Arts? Ah sim, e se esse artista também merecesse uma homenagem por parte do festejado diretor Steven Spielberg, fazendo uma ponta em um de seus filmes (O Terminal)?
Bem, esse músico precisaria ser alguém especial. Alguém capaz de merecer o epíteto de “lenda viva” do jazz! Alguém como Benny Golson! Nascido no dia 25 de janeiro de 1929, em Filadélfia, Golson desde muito cedo revelou uma incrível aptidão musical. Aos nove anos já tocava piano com bastante destreza, mas aos catorze abandonou o instrumento após ouvir o sopro potente de Arnett Cobb, que então tocava na orquestra de Lionel Hampton. Outras influências confessas foram os saxofonistas Coleman Hawkins, Lucky Thompson e Don Byas.
De 1947 a 1950, Golson estudou música na Howard University. Embora tocasse regularmente em casas noturnas e bares da cidade natal desde meados dos anos 40, somente em 1951, conseguiu seu primeiro trabalho como profissional, na banda de R&B de Bull Moose Jackson, cujo pianista era ninguém menos que Tadd Dameron. Graças à influência de Dameron, Golson aperfeiçoou seu interesse pela composição e pelos arranjos.
O primeiro músico a gravar uma composição sua foi James Moody (“Blues March”, em 1955) e, logo em seguida, Miles Davis gravou “Stablemates”. Durante a década de 50, tocou com uma profusão de grandes nomes do jazz, destacando-se a sua associação com Lionel Hampton, Dizzy Gillespie (inclusive se apresentando no Brasil) e com os Jazz Messengers de Art Blakey, onde permaneceu entre 1958 e 1959. Golson teve uma participação importante, embora indireta, para que os Messengers gravassem o seu maior sucesso, “Moanin’”, pois foi ele quem levou Bobby Timmons, autor da composição, para o célebre combo de Blakey.
Além da direção musical e da participação nos históricos álbuns “Moanin’” e “Paris Concert”, ambos de 1958, Benny ainda contribuiu para o repertório da banda com músicas estupendas, como “Are You Real?” e “Blues March”. Em 1959, juntou-se a Art Farmer para criar o Jazztet, um dos mais importantes e profícuos combos dos anos 60, que perdurou até 1962 e por onde passaram Grachan Moncur III, McCoy Tyner, Curtis Fuller e muitos outros.
Ainda nos anos 50, lançou alguns excelentes discos, gravando com regularidade para selos como Prestige, New Jazz, Contemporary, Riverside e Blue Note. Um dos melhores álbuns da sua discografia foi gravado nos dias 19 e 23 de dezembro de 1957, para a Riverside, sob a produção do grande Orrin Keepnews. Chama-se "The Modern Touch" e sua capa, deliciosamente kitsch, tem aquele sabor nostálgico dos anos 50. Uma verdadeira constelação foi escalada para acompanhar Golson: Kenny Dorham (tp), J. J. Johnson (tb), Wynton Kelly (p), Paul Chambers (b) e Max Roach (bt).
O aspecto composicional de Golson tende a ser, merecidamente, incensado, ao passo que sua contribuição como intérprete, muitas vezes, é menosprezada. Trata-se de uma grande injustiça. Golson tem um fraseado suave, lírico, pouco afeito a pirotecnias. Herdeiro direto da tradição representada por Byas, Cobb, Thompson e Hawkins, ele também soube incorporar à sua forma de tocar aspectos extremamente contemporâneos e bastante intrincados, do ponto de vista técnico. Ademais, a sua execução revela um amplo domínio das linguagens pós-swing, como o bebop, o cool jazz e o hard bop, além de um profundo conhecimento do blues.
Tome-se, como exemplo, a faixa de abertura, “Out Of The Past”. Ao mesmo tempo em que paga tributo a grandes melodistas como Richard Rodgers ou George Gershwin, o saxofonista também soube imprimir à sua belíssima composição uma feição moderna, calcada no hard bop que, à época, era a vertente mais popular do jazz e do qual ele foi um dos mais inspirados compositores. Solos extasiantes de Kelly, Dorham e do próprio Golson, e uma atuação impecável de Roach transformam a audição em uma experiência bastante prazerosa.
“Reunion”, de Gigi Gryce, é um hard bop mais tradicional, feérico e incandescente, com metais tocando em uníssono e uma maravilhosa atuação do líder. O solo de Chambers, usando o arco, é soberbo e J. J. Johnson se apresenta em estado de graça. “Venetian Breeze”, também de autoria de Golson, é outro ótimo exemplo da sua inesgotável capacidade de criar belas melodias e envolvê-las em arranjos sublimes. A destacar, o fabuloso senso rítmico de Roach e o belíssimo trabalho de Johnson, que mais uma vez rouba a cena.
Apesar do nome, “Hymn To The Orient” é um hard bop bastante ortodoxo, sem qualquer vinculação à sonoridade oriental, na qual Dorham desfia sua proverbial criatividade. Uma versão lírica de “Namely You” revela uma outra faceta de Golson, a do baladeiro sensível, capaz de imprimir uma elevado grau de emotividade à sua interpretação, da mesma forma que um Benny Carter.
O blues não poderia ficar de fora, já que Golson é um blueseiro por excelência. Em “Blues On Down”, a dobradinha Wynton Kelly-Paul Chambers mostra porque é uma das mais entrosadas e versáteis sessões rítmicas da história do jazz, sem prejuízo dos belíssimos solos que ambos perpetram. O infalível Roach substitui com galhardia e criatividade ímpares o bom e velho Pilly Joe Jones (talvez o baterista que mais atuou com Kelly e Chambers) e o inspiradíssimo Golson exibe o seu fraseado sóbrio e econômico, mas que em momento algum resvala na ausência de sentimento (pecado mortal para qualquer blues que se preze). Um grande álbum, cuja capa, totalmente coerente com a estética meio kitsh dos anos 50, é um atrativo à parte.
Os anos 60 e 70 encontraram um Golson extremamente atarefado. Trilhas para o cinema e para seriados de televisão, jingles para comerciais de grandes empresas como Texaco, McDonald’s, Gillete e Chevrolet, concertos e apresentações em festivais pelo mundo e uma breve residência na Europa, entre 1964 e 1966. Foi professor em instituições afamadas, como a Berklee School, Juillard School e Manhattan School Of Music e doutorou-se em música pelo William Paterson College.
Embora tenha priorizado o lado compositor e arranjador, a partir de 1966, Golson retornou ao jazz em grande estilo, em 1975, fazendo turnês pela Europa, América do Sul e Ásia. Nas décadas de 80 e 90 participou de diversos supergrupos como o redivivo Jazztet, que voltou à ativa em 1983, e o Whisper Not Septet, com quem excursionou em 1996, além de uma reedição dos Jazz Messengers, reunida brevemente em 1999 para celebrar os 80 anos de nascimento de Art Blakey (falecido em 1990).
Nos últimos tempos, tem lançado álbuns com regularidade, destacando-se o fantástico “I Remember Miles”, de 1992, em homenagem a Miles Davis, “Terminal 1”, de 2004, e “New Time, New Tet’”, terceira versão do fabuloso Jazztet, lançado no início deste ano, em comemoração à passagem do seu 80º aniversário. Os músicos que o acompanham nesse come back estão entre os melhores da atualidade: Eddie Henderson (tp & fl), Steve Davis (tb), Mike Ledonne (p), Buster Williams (b) e Carl Allen (bt). Que ele siga seu caminho iluminado por ainda muitos e muitos anos!
33 comentários:
Prezado ÉRICO CORDEIRO:
Você é um contumaz "escolhedor" do melhor; "cada enxadada uma minhoca", como diriam os antigos ! ! !
BENNY GOLSON é um desses raros casos de colossal estatura composicional e, mais não fora, com "I Remember Clifford", já teria que estar no altar dos iluminados.
As demais composições citadas são absolutamente ótimas.
A luta de Tom Hanks para chegar até BENNY GOLSON e colher seu autógrafo, como desejava o pai é, sem dúvida, um dos mais perfeitos "insights" de Steven Spielberg(O Terminal): emocionante !
Parabéns, ÉRICO, beleza é fundamental e bom para todos nós, gratos que ficamos.
brother erico
vc eh uma biblia, um dicionario bloguisto de jazz meu caro.
cada vez desenterra (hum nao gosto deste termo)...vamos lah...cada vez nos traz sempre coisas mais lindas e interessantissimas..
sons elegantes e deliciosos.
gracias
thanks
obrigado
paul
Amigo Érico,
Passei por aqui e aproveito para mandar um grande abraço.
A excelência da música continua por aqui.
érico,
cada postagem,uma surpresa...subarashi
e como bem lembrou sr.apóstolo, o filme terminal é piramidal.
obrigadão pela grande música e impecável resenha
abraçsons pacíficos
em tempo...
signore érico,
no blog jazzsi há uma postagem recente do álbum 'yuji ohno trio', cujo baterista é o mr.drums, dentista da galera aqui em casa...rs
abraçsons
Prezados Ap�stolo, Paul, Miguel �ngelo (estava com saudades de voc� meu caro) e Pituco,
Agrade�o as palavras generosas - o Golson � quem merece. Um artista vers�til e multidimensional, capaz de elaborar trilhas sonoras, fazer arranjos, compor, sempre mantendo o alto n�vel.
E somente uma grande amizade, daquelas essencialmente verdadeiras e puras, poderia inspirar algu�m a criar uma preciosidade como "I Remember Clifford" - uma homenagem t�o bela, comovente e merecida.
Um dos gigantes do jazz, sem qualquer d�vida.
Obrigado aos quatro e um grande abra�o!!!!
PS.: Miguel, por favor, retome o nosso Apenas Jazz!!!
Mais uma lição a que dediquei total interesse e entusiasmo, enriquecendo meus parcos conhecimentos.
Obrigado, Mestre!
Além e apesar da qualidade de todas as outras músicas, não me canso de ouvir “Polka Dots And Moonbeans”, com Lou Donaldson.
É mesmo "arrepiante"!
Érico,
já que vc citou...Miles Davis... Está rolando uma homenagem ao astro em Paris.... na Cidade da Música, Parque de la Villette. Já viu (pela net)? Abraço!
I remember Clifford é de um lirismo ímpar. Killer Joe, com toda sua simplicidade, permite-nos momentos especiais ao interpretá-la. Golson é de-mais.
Grandes Fig, Chico e Salsa,
Bem-vindos a bordo - Golson é sempre uma ótima pedida!
Stablemates e The Cool One (gravada pelo Jazztet) também são muito bacanas. E ainda tem Blues March, outra "pedrada de responsa", como diriam alguns.
Quanto à exposição sobre o Miles, acho que li algo sobre ela (salvo engano no blog do Grijó) - mas vou dar uma procurada pela rede.
Abraços fraternos!
Fala grande Érico...
Posso fazer uma propaganda aqui pra vc e os seus leitores? lá do meu blog,.... Tem uma entrevista que ficou muito bacana q acabou de sair do forno com o Michel Leme...
ABrs!
http://musicocontemporaneo.blogspot.com/2009/11/michel-leme-sacudindo-as-estruturas-da.html
Prezado Caio,
Fique mais do que à vontade.
Já dei uma passada no Música Contemporânea (tem um link aqui no jazz + bossa prá lá) e li a entrevista com o Michel Leme (vi um show dele há umas duas semanas no programa Instrumental Sesc Brasil - bacana mesmo).
Um músico muito talentoso mesmo - parabéns pela entrevista e por divulgar com tanto afinco a nossa música instrumental, meu caro!!!!
Abração!
Seu san, correção, seu Érico san! O Golson faz uma ponta no filme do Spielberg, mas ele é a razão de ser da história, certo? É por um raro autografo dele, Benny, q o Tom Stulbach, digo, Dan Hanks se dispõe a passar todo aquele sufoco, to certo ou to errado?
Prezado SÉRGIO:
Você está certo; leia o comentário que postei logo no início.
Mr. Apóstolo, o filme é bacana pela causa jazz do estrangeiro. Não fosse por isso, 70% do charme daquela fita (essa foi de véio) se perdia.
Seu Pituco san, li sua honorável pessoa se desculpando por deixar recados na Casa Jazz + Bossa... Pra essa exibida pessoa q vos fala, e só por mim, vos confesso, eu quero ver e ser visto, seu San. E nada como a Casa Cordeiro pra esse processo se dar naturalmente. É por isso q aqui me tens de regresso pra deixar-lhe uma mensagem de gratidão: o disco joyce & tutty moreno (Samba Jazz and Outras Bossas) q baixei por sua dica somente insinuada só, é booooom, mas bom de +, meu camarada! E raro, hein! Esse só indo a terra do sol nascente ou comprando por 96 reaiszinhos no Mercado Livre. Por aí vc v que não só baixei, como, cheio de interesse, pesquisei (diria o motoboy) o baguio.
Concordo em GNG, San-Sérgio boy,
E a garimpagem continua a todo vapor - é isso aí, meu compadre, passagem pro Japão tá pela hora da morte. Não dá prá ir lá comprar o bichinho, então deixa Dílson e vamos Nélson!
Abração!!!!
Tá mas isso foi antes do Neeeeeeeeeeeeeense, Neeeeeeeeeeeeeen!
se! sé q existe um "se" no caminho dassa esquadra.
Érico,
Para alinhavar a infelizmente malograda matéria sobre Tadd Dameron ouvi também esse CD de Golson, um dos discípulos confessos que tanto absorveu a influência do grande mestre.
Caso minha memória não esteja batendo pino, "Reunion" é baseado no clássico "I'll Remember April".
Keep swinging,
Raffaelli
ADENDO:
"Out of the Past" e "Venetian Breeze" possuem inequívocos traços melódico-harmônicos à la Tadd Dameron.
Keep swinging,
Raffaelli
Mestre Raffaelli,
Engraçado, mas agora, após ler o seu comentário (enquanto ouço Reunion), percebo o quanto o sentido orquestral do Dameron está presente nos arranjos desse disco.
Nessa música, a bateria de Roach "sobra", seja no solo ou na parte rítmica - o sujeito era um monstro mesmo!!!
Abraços fraternos!!!
Ótima dica, meu caro xará. O álbum indicado é excelente. Um grande abraço!
Valeu, meu caro.
Dei uma passada no AlternArte ainda há pouco, li o seu belíssimo texto e ainda estou "digerindo" (Kant e Hume e Freud, assim, juntinhos, no mesmo texto, necessitam de um período razoável para digestão).
Abraços e valeu a presença!
Prezado, cheguei tarde, mas cheguei. Golson merece.
Grande abraço, JL.
Valeu, Meu Capitão!
E jazz também dá samba!
Abração!
Érico, meu velho.
Hoje lembrei de você. Passou O Terminal no Tele Cine e é muito bonita a cena que ele (o Tom Hanks) encontra o Benny Golson prá pegar o autógrafo. O único daquela foto do Harlem que o pai dele não tinha.
E ele toca Killer Joe, que vc falou na postagem. Maravilha.
Grande Léo,
O filme é muito bacana mesmo e a cena do bar onde o Golson toca (parece que é exatamente Killer Joe mesmo) é mais bacana!!!
Abração, compadre.
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