Amigos do jazz + bossa

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O PROFETA ESCARNECIDO


 
Seus olhos estão fixos sobre as águas caudalosas

O gosto do pão dormido permanece em sua língua

E suas gengivas ardem como uma antiga fornalha

Os olhos brilham e a bruma distorce as velas dos barcos

Que passam ao longe

Os barcos estão distantes,

Mais distantes que a pequena cidade onde ele nasceu

Ele não desejava a coroa de espinhos,

Nem reinos deste ou de outro mundo

Queria viajar e ver o mar

Ouvir o ruído avassalador das ondas...

A liberdade foi conseguida a fórceps,

Dentro do olho do furacão,

Sentiu o hálito perverso da fera

Havia dezenas delas em cada esquina

Mas ele não se importava

Bêbado de luz, dançava ao som dos passarinhos

E seu corpo vibrava sob a luz prateada da lua

Não há ninguém para dizer adeus

E nenhum lugar é longe demais para seu passo tranqüilo

Recusou todos os futuros brilhantes

Que outros imaginaram para ele

E mesmo perseguido e caluniado,

Mantinha a leveza dentro de si

Não perdia a sobriedade quando lhe atiravam pedras

E continuava a dança pagã,

Tendo a lua como única testemunha

O claustro foi-lhe como uma lufada de ar essencial

O enleio da aurora furta-cor fustigava-lhe a memória

Ele esperava pelas manhãs enquanto os dias pareciam não ter fim

O tempo reluzia, mas era uma luz de eterno mistério

O tempo era um catre deserto

E ele se sentia solitário como o campônio

Que se enamora da estrela mais longínqua...

Caminhou por montanhas e por vales,

Bebeu nuvens como se fora um sonho

Venceu pelo cansaço aqueles que o queiram um mártir,

Não era líder de ninguém,

Não arrebatava multidões

Não tinha nome, mas aprendeu a ler

E a palavra se fez sua amiga e confidente

A selvageria foi sua única professora

E a névoa do crepúsculo esculpiu-lhe o rosto de pedra

Seu riso era turbulento e só as estrelas pareciam entendê-lo

Enquanto a espuma do mar lambia sua face

Com a docilidade de um cão

Dividiu o pão adormecido com os fracos e os doentes

E passava horas a fitar o horizonte escorregadio,

Uma vez pediram-lhe conselhos

Mas ele não os tinha para dar

Escarneceram dele, mas continuou a cultivar seu jardim,

A música era bálsamo

E dava sentido às cores e às formas

Acariciava o cachorro adormecido

E lia sonetos que falavam sobre o mar

Ignorava a razão cartesiana

Preferia a singeleza das hortas cultivadas

Dos choupos insubmissos

Campo e litoral eram seus paraísos

E não mais havia o rosto dela para perturbá-lo

A luz provinha do mar e não do sol,

Do rio e não dos lampiões...

Ele era belo em sua imperfeição...

Seus olhos continuam fixos sobre as águas caudalosas

E o gosto do pão dormido ainda permanece em sua língua...

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Considerado um dos principais operários do hard bop, o saxofonista Herman “Junior” Cook é hoje um nome pouco lembrado.  Nascido em Pensacola, na Flórida, no dia 22 de julho de 1934, travou desde cedo contato com o meio musical, pois o pai e o irmão mais velho eram trompetistas. Iniciou-se na profissão tocando em bandas de R&B da cidade natal e seus primeiros ídolos eram Wardell Gray, Sonny Rollins e Sonny Stitt.

Estimulado pelo conterrâneo Gigi Gryce, Junior mudou-se para Nova Iorque em 1957, em busca de melhores oportunidades de trabalho. Seu primeiro emprego foi na banda da contrabaixista Gloria Bell, com quem permaneceu de julho a dezembro daquele ano. No início de 1958 ganhou alguma visibilidade por conta do seu trabalho com Dizzy Gillespie.

Naquele mesmo ano, foi contratado por Horace Silver para integrar o seu célebre quinteto, um dos mais badalados dos anos 50 e 60. Silver conta como foi o encontro com Cook: “eu estava tocando em Baltimore e fui a Washington assistir a um concerto de Lou Donaldson. Cook também estava na cidade, tocando com uma banda de rock que se apresentava no Howard Theater. Naquela noite, estávamos os dois no clube onde Lou tocava e ele nos convidou para subir ao palco. Eu ainda não conhecia Cook e ouvi-lo foi uma agradável surpresa para mim”.

Quando o saxofonista Clifford Jordan deixou a banda de Silver, o pianista lembrou-se de Cook e não hesitou em chamá-lo para seu quinteto. Juntamente com o amigo Blue Mitchell, outro músico nascido na Flórida, Cook foi um dos principais responsáveis pela sonoridade funky, vibrante e agressiva de Silver. Seu sopro poderoso está presente em alguns dos melhores álbuns do pianista, como “Blowin’ the Blues Away” (1959), “Horace-Scope” (1960), “Tokyo Blues” (1962) e “Silver’s Serenade” (1963), todos da Blue Note e sua performance na banda levou o crítico John Tynan, da Down Beat, a descrever Cook como “um solista intenso e imaginativo, um artífice que não tem pressa em elaborar as suas construções musicais, sempre repletas de sentido.”

A parceria com Silver se dissolveu em 1964, quando Cook decidiu se unir a Blue Mitchell, que havia deixado a banda para montar seu próprio quinteto. A saída dos dois se deu maneira tranqüila e Cook foi substituído por Joe Henderson, com quem havia dividido um apartamento no início da década de 60. Interessante é que os dois – Cook e Henderson – participaram das gravações de “Song For My Father” (1964), o álbum mais bem sucedido, comercialmente falando, do pianista.

Silver recorda com carinho a época em que Mitchell e Cook atuaram em sua banda: “Nós amávamos muitos uns aos outros, tínhamos uma incrível afinidade musical e adorávamos tocar juntos. Uma das razões pelas quais permanecemos juntos por tanto tempo e fizemos registros memoráveis ​​é que era uma banda muito entrosada. Eu tive outras bandas, onde havia excelentes músicos, mas este grupo em particular era fantástico. Eles podiam tocar tudo, bebop, funk, blues, baladas. Os caras eram perfeitos em sua abordagem musical”.

A união com Mitchell também foi bastante longa e frutífera, rendendo discos clássicos como “The Thing To Do” (1964), “Bring It On Home To Me” (1965), “Down With It” (1965) e “Boss Horn” (1966), lançados pela Blue Note. A dupla se separou em 1969 e Cook partiu para o trabalho como freelancer, embora tenha liderado seus próprios grupos. O ambiente musical, todavia, era bastante desfavorável a um músico tão ligado ao hard bop, pois o mundo do jazz gravitava, então, basicamente em torno do chamado free jazz, vertente com a qual o saxofonista jamais teve qualquer identificação.

Não obstante, Cook se manteve como um disputado sideman, tendo participado de gravações sob a liderança de Kenny Burrell, Dave Bailey, Freddie Hubbard, Big John Patton, Elvin Jones, Barry Harris, George Coleman, Louis Hayes, Kenny Drew, Steve Turre, Larry Gales, Cedar Walton, Bill Hardman, Louis Smith, McCoy Tyner e muitos outros. Por outro lado, sua discografia como líder é bastante esparsa, com trabalhos para Jazzland, Catalyst, Muse e SteepleChase.

Durante a década de 70, Cook deu aulas na Berklee School of Music, em Boston. Na década seguinte, sua parceria mais duradoura foi com o trompetista Bill Hardman, outro egresso das hostes de Horace Silver. No início dos anos 90, Junior co-liderou um quinteto com o saxofonista Clifford Jordan, mas jamais obteve o reconhecimento merecido.

Desencantado com o meio musical e fortemente deprimido, o saxofonista morreu no dia 03 de fevereiro de 1992, sozinho, em seu apartamento em Nova Iorque. A causa da morte não foi revelada pela família. Para o crítico britânico Richard Cook, seu xará norte-americano era “um músico nem um pouco ambicioso, que dominava com autoridade o seu ofício e que estava sempre disposto a olhar mais além. Sua sonoridade residia em algum ponto entre Dexter Gordon e Joe Henderson”.

Um dos seus raros momentos como líder pode ser conferido no disco “Junior’s Cookin’: The Junior Cook Quintet Featuring Blue Mitchell”. Trata-se do primeiro disco em seu próprio nome, lançado pela Jazzland, com produção de Orrin Keepnews e Russell Jacquet. As gravações foram feitas em duas sessões, sendo que a primeira foi realizada no dia 10 de abril de 1961, em Long Beach, Califórnia, no Gold Star Studio, do produtor Phil Spector. A segunda ocorreu no dia 04 de dezembro do mesmo ano, em Nova Iorque.

Ao lado de Cook, além do amigo Mitchell, estavam o contrabaixista Gene Taylor, o baterista Roy Brooks e os pianistas Ronnie Mathews e Dolo Coker. O álbum abre com a misteriosa “Myzar”, hard bop musculoso que possui um indisfarçável acento oriental. Composta por Roland Alexander, a faixa apresenta o sofisticado piano de Mathews em um estimulante duelo com os sopros. A afinidade entre o líder e o trompetista é mais que evidente e seus solos possuem uma vitalidade e uma energia contagiantes.

“Turbo Village”, de Charles Davis, dá outra poderosa amostra dos predicados de Cook. Improvisador inteligente e lúcido, ele é um perito nos tempos rápidos, inflamando a sessão com um sopro luxuriante e fluido. Inspirado pelo amigo, Mitchell se mostra particularmente explosivo e suas intervenções são como furiosas lâminas sonoras, com direito a uma breve, porém tórrida, citação a “Woody N’ You”, de Dizzy Gillespie. O metrônomo Brooks dita o ritmo com precisão enquanto Mathews imprime pitadas de blues ao tema.

Em “Easy Living”, balada de Leo Robin e Ralphf Reigner imortalizada por Billie Hollyday, pode-se perceber o lado lírico e sensível de Cook. Adotando uma sonoridade tranqüila e relaxada, ele se mostra um ótimo executante de baladas. Acompanhante seguro, Mathews elabora uma ancoragem melódica refinada, à altura da execução do líder. Mitchell aparece apenas na parte final do tema e sua breve intervenção acrescenta um discreto brilho à faixa.

“Blue Farouq”, de Mitchell, traz Dolo Coker ao piano e é a primeira das três faixas em que o pianista participa. Trata-se de um blues intenso e caudaloso, com atuações memoráveis de Coker, cuja abordagem calcada nos registros mais graves remete ao grande Red Garland, e de Mitchell. Seu trompete é ácido, estridente, furioso, indomável. O saxofone robusto do líder é responsável por improvisos surpreendentemente relaxados, que contrastam com a velocidade impressa pelo trompetista.

“Sweet Cakes” possui alguns elementos de música afro-caribenha em sua introdução, mas progride como um hard bop vigoroso. Mitchell, autor do tema, tem amplo espaço para solar e o faz com a perícia de sempre. O piano volátil de Coker alinhava os acordes com energia e convicção, misturando-os com a poderosa percussão de Brooks. Os solos do líder rivalizam, em consistência e inventividade, com o que de melhor fizeram seus contemporâneos – e, de alguma forma subestimados – George Coleman, Clifford Jordan e Hank Mobley.

“Field Day” é uma composição de Coker e possui uma atmosfera alegre, sendo quase uma fanfarra. O pianista é o responsável pela contagiante introdução e pelos riffs infecciosos que tornam o tema irresistível. O líder tem uma atuação ousada e constrói frases velozes, mas sempre muito articuladas. Mitchel também se mostra bastante à vontade, catapultando os agudos do seu trompete à estratosfera.

A ensolarada “Pleasure Bent” promove a volta de Mathews ao piano e encerra o disco em altíssimo astral. Apesar da voltagem elevada, em momento algum o pianista tenta soar como Horace Silver ou copiar-lhe o estilo percussivo. A solidez da sessão rítmica, que ainda por cima garante a Taylor seu único solo em todo o disco, permite a Cook e a Mitchell mais uma formidável exibição de sincronia e entrosamento, numa relação sinergética onde o resultado final é bem mais notável que a mera soma das partes.

Um disco despretensioso e extremamente bem realizado, que mereceu do crítico Jim Todd, do site Allmusic, a seguinte observação: “Embora não seja uma audição obrigatória, é um set honesto e bastante satisfatório, que traz Cook e Michell, figuras de ponta no desenvolvimento do hard bop, em ótima forma”. Não é à toa que o bem-humorado Ira Gitler, autor do texto de apresentação, sugere que em breve Cook (cozinheiro, em inglês), deverá ser promovido a Chef!

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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

UM LUXUOSO SERVIÇO DE ACOMPANHANTE. MAS NÃO É NADA DISSO QUE VOCÊ ESTÁ PENSANDO...




Em 1949 James George Rowles já era um músico mais que experiente, tendo acompanhado verdadeiros monstros sagrados do jazz, como Peggy Lee, Woody Herman, Benny Goodman e Billie Holiday – era, inclusive, apontado por muitos críticos e colegas como o pianista preferido de Lady Day. Conhecido no meio musical como Jimmy Rowles, seu conhecimento musical era enciclopédico e seu repertório, virtualmente ilimitado.

Morando em Culver City, cidade vizinha a Los Angeles, o pianista costumava receber, logo pela manhã, a visita de um jovem trompetista em início de carreira, com quem havia feito amizade e a quem costumava levar para gigs. O trompetista franzino e com pinta de galã de cinema chegava cedo na casa de Rowles e, se o dono da casa ainda estivesse dormindo, apertava a campainha até tirá-lo da cama.

Em seguida, Jimmy preparava o café, acendia um cigarro e sentava-se ao piano. O trompetista ouvia, fascinado, os acordes ecoando pela casa e, logo em seguida, tentava repetir, no próprio instrumento, o som que acabara de ouvir. Essas lições foram fundamentais para que o então jovem Chet Baker, aos 20 anos, se destacasse no concorrido mercado jazzístico californiano. Mas Rowles também não deixava de se impressionar com o talento e a musicalidade do atrevido Chet: “Fiquei pasmo com seu talento. Ele pegava as coisas muito rápido”.

Rowles não era apenas um simples pianista. Ele também era cantor, compositor, arranjador e, por puro hobby, caricaturista. Nascido no dia 19 de agosto de 1918 na pequena Spokane, estado de Washington, seu primeiro interesse na música se deu através do canto. Ainda na infância, resolveu se dedicar ao piano, cujos rudimentos aprendeu no Gonzaga College, onde estudou, e também com alguns professores particulares da cidade natal.

Com a conclusão do ensino médio, ingressou na “University of Washington” e participou de algumas bandas da região de Seattle. Já era então um aplicado discípulo de Teddy Wilson, Duke Ellington e Billy Strayhorn, seus grandes ídolos, e conhecia vastamente o chamado “American Songbook”. Em 1940 mudou-se com a família para Los Angeles e ali se juntou às orquestras de baile de Garwood Wam e de Mouse Marsalino. Não demorou a chamar a atenção do meio musical da cidade, tendo tocado em diversos clubes da Central Avenue, sob a liderança de Slam Stewart, Lester Young, Slim Gaillard, Lucky Thompson e Ben Webster.

Em 1941, surgiu a oportunidade de trabalhar com Billie Holiday, e Rowles saiu-se tão bem na empreitada que a temperamental cantora, durante os anos seguintes, contaria com o pianista em vários de seus discos. Em 1942 passou cerca de cinco meses na orquestra de Benny Goodman e, ainda naquele ano, foi contratado por Woody Herman. Recrutado pelo exército em 1943, Jimmy foi obrigado a suspender a carreira musical, voltando a trabalhar com Herman em 1946, logo após seu desligamento das forças armadas.

O pianista deixaria a orquestra de Herman no ano seguinte, emendando trabalhos com Les Brown, Tommy Dorsey, Butch Stone, Jerry Gray e, novamente, com Benny Goodman. O cantor, bandleader e apresentador Bob Crosby (irmão de Bing Crosby) contratou-o para atuar em seus programas radiofônicos como “Fitch Bandwagon”, “Club Fifteen” e “The Bob Crosby Show”, e a associação perduraria até 1951. A orquestra de Crosby era um luxo só e por ela passaram instrumentistas do calibre de Matty Matlock, Bob Haggart, Billy Butterfield, Charlie Spivak, Jess Stacy e Mugsy Spanier, arranjadores como Paul Weston, Henry Mancini e Ray Conniff, e vocalistas do gabarito de Doris Day, Kay Starr e Anita O’Day.

Após sua saída da orquestra de Crosby, Jimmy passa a trabalhar quase que exclusivamente como músico de estúdio, acompanhando pesos pesados como Teddy Edwards, Chet Baker, Barney Kessel, Jimmy Giuffre, Dexter Gordon, Harry “Sweets” Edison, George Auld, Buddy DeFranco, Bill Harris, Bud Shank, Shorty Rogers, Gerry Mulligan, Buddy Rich, Benny Carter, Louie Bellson, Anita O’Day, Al Cohn, Bob Brookmeyer, Gene Krupa, Conte Candoli, Zoot Sims, Carmen McRae, Tony Bennett, Julie London, Sarah Vaughan, Red Norvo, Pepper Adams, Gerald Wilson, Mel Tormé, Sonny Stitt, Marty Paich e muitos outros.

No dia 05 de novembro de 1952 teve a honra de acompanhar ninguém menos que o genial Charlie Parker, em um concerto realizado na “University Of Oregon”. A formação era completada por Chet Baker, Carson Smith e Shelly Manne, sendo que parte da apresentação encontra-se disponível no estojo “Bird” (CD número 17, com 03 temas:  “Ornithology”, “Barbados” e “Cool Blues”) – a íntegra do show pode ser ouvida no CD “Chet Baker / Charlie Parker – Complete Jam Sessions” (Definitive Records).

Em 1954 nasceria a sua filha Stacy Rowles, trompetista e cantora, que morreria em 2009, em decorrência de um acidente automobilístico. Jimmy foi o pianista que acompanhou a formidável Ella Fitzgerald em sua estréia no clube “Mocambo”, em Hollywood no final de 1956. A temporada foi um sucesso e, encantada com a sensibilidade e a perícia do pianista, ao longo dos próximos anos, a cantora não hesitaria em chamá-lo para participar de diversos outros projetos, incluindo shows e gravações, como é o caso de “Whisper Not” (Verve, 1966) e “The Best Is Yet To Come” (Pablo, 1983). 

Como recompensa pelos ótimos serviços prestados, em 1958 o produtor Robert Scherman, do selo V. S. O. P., deu a Rowles carta branca para recrutar os músicos que desejasse, a fim de gravar um álbum em seu próprio nome. O resultado, “Let’s Get Acquainted with Jazz (…For People Who Hate Jazz)”, é considerado um marco na discografia do pianista e reúne alguns dos mais importantes nomes do West Coast Jazz, como o trompetista Pete Candoli, o saxofonista Harold Land, o guitarrista Barney Kessel, o contrabaixista Red Mitchell e o baterista Mel Lewis, entre outros.

Jimmy também trabalharia regularmente para estúdios cinematográficos como RKO, 20th Centuty Fox e Universal, e também para a rede de televisão NBC, destacando-se aqui a sua atuação na trilha sonora do seriado “M Squad”, estrelado por Lee Marvin e que foi ao ar de 1957 a 1960. Quando alguma atriz decidia enveredar pelo canto, como Marilyn Monroe, por exemplo, costumava solicitar a presença de Rowles para acompanhá-la.

Entre seus trabalhos para o cinema, podem ser citados   “Too Late Blues”, longa metragem de 1961, dirigido por John Cassavetes, com trilha sonora do autor do clássico “Laura”, David Raksin, “War Hunt”, também de 1961 e com direção de Denis Sanders, “Arabesque”, dirigido por Stanley Donen em 1966 e cuja trilha ficou a cargo de Henry Mancini, “Wait Until Dark”, de 1967, dirigido por Terence Young e “Gunn”, que Blake Edwards dirigiu em também em 1967.

Na televisão, o pianista pode ser visto em “The Swingin’ Singin’ Years”,  documentário produzido em 1960, dirigido por Barry Shear e que conta com as presenças de Woody Herman, Ella Mae Morse, Charlie Barnet e Stan Kenton, “Mark Murphy”, especial televisivo sobre o cantor Mark Murphy com direção de Steve Binder, de 1962, e também em um episódio do “The Sammy Davis Show”, daquele mesmo ano, onde acompanhava o cantor e apresentador, tendo como companheiros Victor Feldman no vibrafone, Bob Whitlock no contrabaixo e Kenny Dennis e bateria.

Em 1973, Rowles foi uma das atrações do “Newport Jazz Festival”  e ainda naquele ano decidiu se mudar para Nova Iorque, onde liderou seus próprios trios, sendo presença constante em clubes como Bradley's, Knickerbocker Saloon e Village Vanguard. Também atuou com regularidade nos grupos de Zoot Sims e Stan Getz, gravando vários discos com os dois lendários saxofonistas. Passou a se dedicar com maior freqüência aos concertos e festivais, tendo participado do “Monterey Jazz Festival” e da “Grande Parada de Nice”, em 1978.

Em setembro daquele mesmo ano, foi uma das atrações do I Festival Internacional de Jazz, realizado no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo. No dia seguinte à apresentação, participou de um animado bate-papo, no restaurante do Hotel Eldorado Higienópolis, com o radialista Luiz Carlos Antunes (o Mestre Lulla) e o trombonista Frank Rosolino, que também havia tocado no festival. Na ocasião, presenteou Lulla com caricaturas de diversos pianistas, como Art Tatum, George Shearing, Oscar Peterson e Erroll Garner, até hoje guardadas com carinho pelo grande decano do jazz.

Ainda em 1978 a CBS lançou no Brasil o LP duplo “I Remember Bebop”,  produzido por Henri Renaud, no qual oito dos maiores pianistas da história do jazz faz uma releitura de temas ligado às raízes do bebop. Gravado entre os dias 02 e 05 de novembro de 1977, em Nova Iorque, o disco reúne os talentos de Al Haig, Duke Jordan, John Lewis, Sadik Hakim, Walter Bishop Jr., Barry Harris, Tommy Flanagan e Jimmy Rowles, que interpreta temas do célebre noneto de Miles Davis que no final doa anos 40 deu ao mundo o formidável “The Complete Birth Of The Cool’ (as faixas escolhidas foram “Jeru”, “Venus de Milo” e “Godchild”).

No texto de apresentação, o produtor Renaud afirma que Rowles é “um versátil pianista de jazz. Ele pode tocar em solo com um espantoso trabalho stride da mão esquerda, além de ser um soberbo acompanhador (de Sarah Vaughan e de Alberta Hunter por exemplos) ou ainda integrando um quinteto ou uma grande orquestra. Ele também é um completo pianista de trio”. Stan Getz, que dividiu com Rowles os créditos do album “The Peacocks” (CBS), certa vez declarou: “Jimmy é um em um milhão, ou melhor é único em todo o universo. Sua genialidade é o segredo mais bem guardado do universe, desde o sorriso da Mona Lisa”.

Rowles gravou dois álbuns em duo com o contrabaixista Ray Brown (“As Good As It Gets”, de 1978, e “Tasty”, de 1980, ambos para a Concord) e acompanhou a filha Stacy em concertos e algumas gravações. No início da década de 80, foi convidado por Ella Fitzgerald para substituir Paul Smith, como pianista e diretor musical. A nova parceria durou dois anos e rendeu o álbum “The Best Is Yet To Come”, gravado em 1982 para a Pablo, sob a direção musical de Nelson Riddle. Em 1989 os dois voltariam a trabalhar juntos, no álbum final da cantora, “All That Jazz” (Pablo), que arrebataria o prêmio “Grammy” de “Melhor Performance Vocal Feminina de Jazz”. O pianista atua na faixa “Baby, Don’t You Quit Now”, de autoria dele próprio em parceria com o letrista Johnny Mercer.

Em 1983, novamente estabelecido na Califórnia Rowles deu aulas para uma jovem pianista canadense chamada Diana Krall, recém saída do prestigioso “Berklee College of Music”, tendo sido um dos maiores incentivadores para que a garota também passasse a cantar. Na época, Jimmy era atração fixa do Playboy Club de Los Angeles, à frente do seu trio, integrado por Donald Bailey na bateria e Buster Williams no contrabaixo.

Em 1986 recebeu da cidade adotiva uma carinhosa homenagem, com a decretação, pela prefeitura municipal de Los Angeles, do “Jimmie Rowles Day”, comemorado em 14 de setembro. Ainda no mesmo ano, sua composição “The Peacocks” foi incluída na trilha do filme “Round Midnight”, que rendeu a Herbie Hancock o “Oscar” de melhor trilha sonora.

Os anos 80 e 90 continuaram a ser de atividade febril, com gravações em seu próprio nome e participações em discos de craques como Scott Hamilton, B. B. King e Lee Konitz, e de cantoras da nova geração, como Norma Winstone e Jeri Brown, que em 1995 gravaria um disco apenas com composições do pianista, “A Timeless Place” (Justin Time), e que conta com a participação do próprio Rowles. Jimmy também fez parte do trio do baixista Red Mitchell durante esse período.

Sua extensa discografia como líder registra trabalhos por selos como V. S. O. P., Capitol, Candid, Blue Angel Music, Audiophile, Xanadu Records, Columbia, Contemporary, Choice, JVC e muitos outros. Um dos seus álbuns mais extraordinários chama-se simplesmente “Trio” e foi gravado para a Capri Records, nos dias 11 e 12 de agosto de 1988 e apresenta o líder escoltado pelos experientes Red Mitchell e Donald Bailey, no contrabaixo e na bateria, respectivamente.

A faixa que abre o disco é “Have You Met Miss Jones?”, clássico da dupla Lorenz Hart e Richard Rodgers, que ganha um arranjo fluido e elegante. Executada em tempo médio e com um swing discreto, ela dá amplo espaço para que os três músicos exibam seus dotes de improvisadores. Os solos são generosos, com destaque para a sonoridade amadeirada e potente de Red. Rowles injeta consideráveis doses de bebop e seu solo reflete a influência de pianistas como Al Haig e Bud Powell em sua formação.

Uma hipnótica versão de “Day Dream”, dos ídolos Billy Strayhorn e Duke Ellington, vem a seguir. A atmosfera camerística lembra a abordagem elegantemente contida de um John Lewis, com uma preciosa atuação de Mitchell. Do seu contrabaixo tonificado emana um som volumoso, que parece encapsular a melodia, mas sem lhe aprisionar a beleza. Artífice de enorme capacidade técnica, Rowles aproveita-se muito bem do elegante invólucro rítmico-melódico construído pelos parceiros e o complementa com parcimônia, sugerindo frases e usando os silêncios com grande engenhosidade.

Único tema de autoria de Rowles incluído no disco, “After School” é um blues contundente, cujo impacto se torna ainda maior por conta da percussão marcial de Bailey, que rompe com a métrica ortodoxa do blues para experimentar novas possibilidades de marcação. O contrabaixo anguloso e profundo de Mitchell traça linhas harmônicas nada comportadas e a abordagem refinada do líder fazem desta faixa uma das mais instigantes do disco.

Mitchell contribui com três temas: “You People Need Music”, “Dreamer's Lullaby” e “Life's a Take”. A primeira é uma balada complexa, com um discreto acento de blues, na qual o piano de Rowles, assimétrico e surpreendente, cria uma atmosfera de circunspecção e perplexidade. A segunda é uma homenagem à esposa do baixista, Diane, e possui uma estrutura mais convencional e um andamento de valsa. A terceira é um blues sincopado, com um andamento pouco usual e uma estrutura melódica fragmentária, que lembra as experimentações de Thelonious Monk.

Relembrando o período em que acompanhou Lady Day, Rowles apresenta uma emocionante versão da clássica “Crazy He Calls Me”, de Bob Russell e Carl Sigman. O piano do líder desliza com suavidade pelos acordes e a atmosfera intimista faz com que as palavras do crítico Richard Cook soem ainda mais verdadeiras: “Ninguém tocava baladas como Jimmy Rowles”. Merece destaque, também a suntuosa tapeçaria rítmica engendrada por Bailey e Mitchell.

O trio relê standards como “Yes Sir, That's My Baby”, de Gus Kahn e Walter Donaldson, “My One and Only Love”, de Guy Wood e Robert Mellin, e “My Silent Love”, de Dana Suesse e Edward Heyman, de maneira introspectiva, porém sempre respeitosa e envolvente, privilegiando os aspectos melódicos de cada uma dessas composições. Os arranjos são bastante concisos, mas não deixam de lado a elegância, o lirismo e a sensibilidade.

O encerramento fica a cargo de “What Are We Here For?”, balada pouco conhecida dos irmãos George e Ira Gershwin. O tema possui um clima lúdico e o dedilhado de Rowles cuida de impor-lhe uma dose ainda mais intensa de lirismo. O pianista elaborou um álbum delicado, que revela com bastante nitidez a sua capacidade criar harmonias que fluem logicamente e a sua sonoridade tão característica, ao mesmo tempo rica e contemplativa. Mesmo sem extrair do teclado rajadas impetuosas ou voláteis, ele consegue transmitir ao ouvinte aquela espécie de emotividade tão sublime que só o jazz é capaz.

Após o lançamento do disco, Jimmy ainda participaria do documentário “The Brute and the Beautiful” (Koch Entertainment), com direção de John Jeremy, que aborda a vida e a carreira do saxofonista Ben Webster, de quem foi muito amigo e com quem costumava jogar golfe sempre que se encontravam). A primeira exibição do filme foi realizada em uma sessão exclusiva, no dia 24 de agosto de 1989, nas dependências da L. A. Jazz Society. O filme, que nunca foi lançado em DVD, está disponível apenas em formato VHS.

O pianista faleceu no dia 28 de maio de 1996, no Thompson Memorial Hospital, em Burbank, Los Angeles, em decorrência de um enfarte. Seu último álbum, “Lilac Time”, foi gravado em 1994, para a Kokopelli Records, selo de propriedade do flautista Herbie Mann. No disco, além de tocar piano (acompanhado apenas pelo baixista Eric Von Essen), Rowles exibe sua faceta menos conhecida, a de cantor, interpretando clássicos do cancioneiro norte-americano como “Lullaby of the Leaves” e “I’m Old Fashioned”.

Pouco antes de sua morte, Jimmy havia concedido uma longa entrevista ao cineasta Ken Burns, que na época recolhia material para o seu estupendo documentário “Jazz”, levado ao ar pela rede PBS em 2001. Naquela ocasião, o pianista relatou detalhes de sua convivência profissional e pessoal com lendas do jazz como Billie Holiday, Benny Goodman e Lester Young.

O crítico Leonard Feather escreveu sobre ele: “Fartamente reconhecido como o acompanhante favorito de cantores e cantoras, Rowles era um artista com uma imaginação harmônica consumada”. A influência de Rowles no trabalho de pianistas contemporâneos como Bill Charlap, Alan Broadbent e Bill Mays, por exemplo, ajuda a descortinar a sua importância para o desenvolvimento do piano jazzístico.

Jimmy, nas sempre pertinentes palavras de Pedro “Apóstolo” Cardoso, “foi influenciado, com certeza e em seu início, pelo piano refinado de Teddy Wilson e pela concepção orquestral do piano de Art Tatum. Sua infindável esteira de colaborações nos mais diversos estilos e escolas fizeram dele um dos grandes acompanhantes do pós Segunda Guerra Mundial, ao lado de Hank Jones e de Tommy Flanagan, seja pelo seu vasto conhecimento de repertórios, seja pelo talento ao piano”.

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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

UM AFORTUNADO SAXOFONISTA




Um dos mais importantes saxofonistas e flautistas surgidos nos últimos quarenta anos, Cornelius “Sonny” Fortune nasceu em Filadélfia, no dia 19 de maio de 1939. Durante a infância e a adolescência, estudou na Wurlitzer e na Granoff, duas das mais importantes escolas de música da cidade, mas nada levava a crer que fosse se interessar seriamente pela carreira musical.

Aos dezoito anos decidiu intensificar os estudos musicais e em pouco tempo já dominava um amplo espectro de instrumentos de sopro. Embora tenha feito carreira no sax alto e na flauta, ele também toca – e bem – os saxofones tenor, barítono e soprano, além do clarinete. Profundamente influenciado por Charlie Parker, Sonny Rollins e John Coltrane, sua carreira profissional tem início no final dos anos 50, em bandas de rhythm & blues da região.

A primeira grande oportunidade lhe foi dada pela cantora Carolyn Harris, em cuja banda permaneceu até 1967. Naquele ano, decidiu tentar a sorte em Nova Iorque, onde havia maiores oportunidades de trabalho, e logo conseguiu firmar seu nome naquele mercado tão competitivo. Seu primeiro emprego foi como substitute do grande Frank Foster na banda do baterista Elvin Jones. A parceria se estendeu por alguns meses, mas Fortune, pouco confiante em seu próprio potencial, preferiu voltar para a cidade natal.

Em 1968, Fortune fez uma nova tentativa de se estabelecer em Nova Iorque e, desta vez, as coisas fluíram de maneira muito mais satisfatória. Foi rapidamente contratado pelo percussionista Mongo Santamaria, com quem gravou uma série de discos e participou de dezenas de apresentações.

No ano seguinte, Sonny se tornou bastante conhecido no circuito da vanguarda novaiorquina por ter participado do álbum “Izipho Zam”, sob a liderança do saxofonista Pharoah Sanders, onde também atuaram o baterista Billy Hart, o baixista Cecil McBee, o organista Lonnie Liston Smith e o guitarrista Sonny Sharrock. Ainda em 1969, participou de outro disco importante, “The Other Side of Abbey Road”, de George Benson, onde atuavam feras do quilate de Ron Carter, Herbie Hancock e Freddie Hubbard.

Fortune então já desfrutava de um relativo prestígio no meio musical e participaria de gravações ao lado de gente como Melvin Sparks, Leon Thomas, Roy Ayers, Dizzy Gillespie, Elvin Jones, Oliver Nelson, Nat Adderly, Leon Spencer e muitos mais. Em 1971 foi contratado por McCoy Tyner e participou das gravações de álbuns importantes, como “Sahara”, “Song For My Lady” (ambos de 1972) e “Song of the New World” (1973).

Encerrada a parceria com Tyner, o saxofonista tocou um período com o pianista sul-africano Abdullah Ibrahim (que antes de se converter ao islamismo se chamava Dollar Brand) e passou algum tempo na big band de Buddy Rich, tocando com freqüência no clube do baterista, o famoso Buddy's Place. Ali foi gravado o álbum “Very Live at Buddy’s Place”, que além de Fortune, conta com as participações do saxofonista Sal Nistico, do guitarrista Jack Wilkins e do pianista Kenny Barron. O disco chegou aos primeiros lugares da parada da Billboard Magazine e recebeu muitos elogios por parte da crítica.

Em 1974, chamou a atenção de Miles Davis que o contratou para o seu grupo, a fim de substituir Dave Liebman. Nessa época Davis estava profundamente envolvido com o fusion e Fortune não se intimidou com a parafernália do eletrificado trompetista, assumindo diversos instrumentos (clarineta, flauta, saxofones alto, tenor e soprano) e participando dos álbuns “Big Fun”, “Agartha”, “Pangaea” e “Get Up With It”, gravados entre 1974 e 1975.

Em 1974 Sonny lançou seu primeiro disco como líder, chamado “Long Before Our Mothers Cried”, que conta com as participações de Stanley Cowell (piano), Wayne Dockery (contrabaixo), Chip Lytle (bateria) e Charles Sullivan (trompete). No ano seguinte, Sonny deixou a banda de Miles a fim de atuar no grupo do cornetista Nat Adderley.

A parceria com Adderley durou poucos meses e logo Fortune partiu para formar o seu próprio conjunto. Foi rapidamente contratado pela A&M Records, onde lançou dois álbuns bastante elogiados pela crítica especializada: “Awakening” (1975) e “Waves of Dreams” (1978). Naquele período, Sonny marca presença em álbuns de Charlie Mingus (“Three Or Four Shades of Blues”, Atlantic, 1977) e Kenny Barron (“Innocence”, Wolf, 1978).

Em 1977, Fortune foi um dos destaques do disco “The Atlantic Family Live at Montreux”, que apresenta uma orquestra conduzida pelo bandleader Don Ellis, em uma apresentaçãpo gravada ao vivo no lendário festival suíço. Na banda, Sonny repartiu o palco com feras do gabarito de David “Fathead” Newman, Herbie Mann, Lew Soloff, Michael Brecker, Randy Brecker, Richard Tee e do percussionista brasileiro Rubens Bassini.

Nos anos 80, Sonny se envolveu em projetos liderados por alguns dos seus antigos parceiros. Voltou a fazer parte do quinteto de Nat Adderly (numa formação que incluía o baixista Walter Booker, o baterista Jimmy Cobb e o pianista Larry Willis), integrou a “Elvin Jones Jazz Machine” e entre 1987 e 1988, foi membro da “Coltrane Legacy Band”, capitaneada por McCoy Tyner e que contava, ainda, com as presenças de Elvin Jones e de Reggie Workman.

Seu grupo, na época, era atração fixa do Village Vanguard e contava com as participações de Billy Hart (bateria), Hilton Ruiz (piano), e Cecil McBee (contrabaixo). Outro acontecimento marcante foi a parceria com o músico libanês Rabih Abou-Khali, em um grupo que fundia música oriental, jazz e world music e que fez bastante sucesso no circuito europeu de festivais entre 1989 e 1990.

Ao mesmo tempo em que se consolida como líder, Fortune vai construindo uma pequena, mas bastante consistente, discografia. Seus discos têm sido lançados por selos como Wounded Bird Records, Konnex, Candid, Evidence, Atlantic e Blue Note (que em 1994 produziu o formidável “Four In One”, um tributo a Thelonious Monk) e contam com a participação de figuras eminentes, como Woody Shaw, Kenny Barron, Jack DeJohnette, Mulgrew Miller, Reggie Workman, Stanley Cowell, Kirk Lightsy, George Cables, Buster Williams, Renee Rosnes, Billy Hart, John Hicks, Joe Lovano, Jeff “Tain” Watts e outros.

Desde o início dos anos 90, Sonny e seus grupos têm excursionado com freqüência pelos quatro cantos do mundo, incluindo Canadá, vários países da América Latina e da Europa e Japão. Ele participou de programas de TV como “48 Hours with Dan Rather” e “Sunday Morning” (este último apresentado pelo pianista Billy Taylor), ambos transmitidos pela CBS. Fortune também participou da trilha sonora do filme “The Crossing Guard” (de 1995 e que no Brasil recebeu o título “Acerto final”), dirigido por Sean Penn e estrelado por Jack Nicholson.

O saxofonista tem sido uma atração constante em festivais ao redor do planeta, como o Chicago Playboy Jazz Festival, o Umbria Jazz, o Atlanta Montreaux International Music Festival, o St. Lucia Festival, o Montreal Jazz Festival, o Twin Cities Winter Jazz Fest, o Vancouver Jazz Festival e o JVC Festival, em Nova Iorque. Fortune fez uma série de apresentações, na Filadélfia e em Washington D.C., em homenagem ao ídolo John Coltrane, liderando um trio onde pontuavam o baixista Reggie Workman e o baterista Rashied Ali, ambos ex-colaboradores de Trane.

Sonny também participou do show comemorativo aos 70 anos de Elvin Jones, realizado em setembro de 1997, em Nova Iorque. Em 2000 foi a vez de prestar nova homenagem a Coltrane, desta feita através do disco “In the Spirit of John Coltrane”, lançado pela Shanachie. Fortune recorda que em 1961 ficou fascinado pelo trabalho de Trane, após ouvir o álbum “My Favorite Things”. A Stereophile Magazine, ao comentar o cd, publicou um artigo no qual Fortune é descrito como “um dos mais intrigantes saxofonistas do jazz contemporâneo”.

Em maio de 2002 o saxofonista participou de vários concertos em homenagem a Miles Davis, no Makor Club, Nova Iorque, em um projeto denominado “Four Generations of Miles”. Com um repertório baseado no álbum homônimo, o saxofonista fez parte de uma banda formada apenas por ex-integrantes das bandas de Davis, sob a liderança do baterista Jimmy Cobb e do guitarrista Mike Stern e com a participação do ótimo Buster Williams no contrabaixo. No disco, lançado pela Chesky em 2003, Williams e Fortune são substituídos por Ron Carter e George Coleman.

No ano seguinte, Fortune criou seu próprio selo, chamado “Sound Reason”, por onde lançou dois álbuns: “Continuum” (2003) e “Last Night at Sweet Rhythm” (2009). Sobre a iniciativa, declarou na época: “Eu fiz isso por escolha própria. Após todos esses anos, acho que era o momento mais oportuno para seguir essa trilha. Não há muita diferença entre um selo pequeno e uma gravadora, a não ser que você seja contratado por uma das grandes. O disco saiu em novembro e vendeu muito bem. Consegui ganhar mais dinheiro com ele do que ganharia se estivesse sob contrato com uma gravadora”.

Apesar de ser dono do próprio selo, Fortune não deixa passar a oportunidade de realizar trabalhos artisticamente relevantes por outras gravadoras. Um exemplo disso é o fabuloso “You and the Night and the Music”, lançado pela Showplace Records. As gravações aconteceram entre os dias 18 e 20 de dezembro de 2006 e contaram com as participações do pianista George Cables, do contrabaixista Chip Jackson e do baterista Steve Johns. O líder se divide entre os saxes soprano e alto e a flauta.

O disco abre com uma anabolizada versão da clássica “Sweet Georgia Brown”, de Maceo Pinkard. A bordo do sax alto, Fortune constrói frases rápidas e muito bem articuladas, despejando sobre o tema toda a imprevisibilidade do bebop, tornando-o irreconhecível. O suporte rítmico é de primeiríssimo nível, destacando-se as linhas harmônicas elegantes traçadas por Cables e a percussão eletrizante de Johns, cujo solo é assombrosamente vigoroso.

Tema que dá nome ao disco, “You and the Night and the Music” é fruto da parceria entre Arthur Schwartz e Howard Dietz. O quarteto faz uma interpretação bastante fiel à melodia original, permitindo-se, contudo, acrescentar um discretíssimo acento latino, especialmente por conta de Cables que soa, por vezes, como um legítimo representante da escola cubana de piano. Novamente utilizando o sax alto, o líder confirma as suas virtudes de improvisador inteligente e ousado, elaborando solos consistentes e tecnicamente exuberantes.

Em “Charade”, de Henry Mancini, Fortune emula o eterno ídolo John Coltrane, usando com muita perícia o sax soprano. A versão apresentada no disco lembra, em alguns momentos, a célebre interpretação coltraneana de “My Favorite Things”, não apenas pelo andamento de valsa comum a ambas mas, sobretudo, pela forma como o saxofonista alonga as notas e pelo uso comedido que faz do vibrato. Cables extrai do seu piano uma sonoridade límpida e vivaz, fazendo um belíssimo contraste à execução intensa e passional do líder.

“'Round Midnight”, de Thelonious Monk vem a seguir e a versão do quarteto é extremamente original, por causa da utilização da flauta. Fortune é um intérprete hábil e surpreendente, capaz de ombrear-se aos grandes flautistas do jazz, como Herbie Mann, Frank Wess ou James Spaulding. A leveza do instrumento torna menos sombria essa que é considerada a obra-prima de Monk, cabendo ao opulento contrabaixo de Jackson o papel de acrescentar-lhe a necessária carga dramática.

Em “Besame Mucho”, de Consuelo Velásquez, o líder se mostra bastante à vontade para navegar pelas águas do bolero, mais uma vez recorrendo ao sax alto. Sua abordagem apaixonada dá um novo colorido a esse tema tão gravado e lhe impõe uma quase inédita visceralidade. A seção rítmica é bastante coesa e se mantém discreta o tempo inteiro, deixando todo o espaço para que Fortune exiba seu formidável talento.

Cables não é apenas um pianista de recursos ilimitados, mas também é um compositor bastante criativo e a cativante “Love Song” é sua contribuição para este disco. Trata-se de uma balada em tempo médio, oscilante como as ondas do mar e que, especialmente graças à flauta de Fortune, dá a impressão de que os músicos, ao executá-la, flutuam graciosamente pelo éter. O grande destaque individual é o estupendo solo de Jackson – não é por acaso que ele é hoje um dos mais disputados baixistas do mercado.

Composição de Edward Redding, “The End of a Love Affair” recebe um arranjo vibrante, repleto de citações à música afro-caribenha e apresenta o líder em sua segunda incursão pelo sax soprano. Única composição de Fortune incluída no disco, “For Duke and Cannon” é uma balada encantadora, porém revestida de uma indisfarçável melancolia. O sax enfumaçado de Sonny cria uma atmosfera de mistério e abandono, enquanto Jackson sublinha os momentos de maior conteúdo emocional com perícia e sensibilidade.

O encerramento não poderia ser mais auspicioso. Uma interpretação magnética de “Bebop”, um dos temas mais emblemáticos de Dizzy Gillespie. Com o sax alto, o líder incendeia a sessão e arranca do seu instrumento uma sonoridade furiosa, conciliando velocidade e precisão. Ótimas atuações de Johns, um dínamo que contagia os parceiros, e do sempre certeiro Jackson. Cables faz uma releitura bastante pessoal do cânone bop, aliando uma técnica invulgar à imprescindível histamina.

Não é à toa que o rigoroso crítico Scott Yanow deu ao álbum quatro merecidas estrelas. Will Smith, da revista Jazz Time, escreveu, por ocasião do lançamento: “Fortune merece um reconhecimento maior e esse disco demonstra as razões disso perfeitamente”. Para Troy Collins, do site Allaboutjazz, nesse disco Fortune e seus homens demonstram “maturidade melódica, respeito profundo pela tradição e um inegável espírito aventureiro no que se refere à improvisação”.

O reconhecimento da crítica já foi devidamente conquistado. Segundo Ed Enright, da Down Beat Magazine, Fortune é “um compositor e instrumentista fascinante”. O veterano Nat Hentoff é mais enfático ao ressaltar as qualidades do saxofonista: “Sonny é a personificação do som da surpresa. Ele certamente vai receber o título de Jazz Master em pouco tempo”.

Falta-lhe, ainda, adquirir uma popularidade proporcional ao seu gigantesco talento, mas ele é bastante sereno em relação a este aspecto e sua genuína devoção à música lhe permite trilhar o seu caminho com tranqüilidade. Em uma entrevista, declarou: “eu sinto que a música me arrebatou de uma maneira definitiva e que sem ela não consigo chegar a lugar nenhum. Eu continuo fazendo música porque é ela que, em minha visão, dá sentido ao mundo”.

Mas mesmo sem muitos holofotes, Fortune se mantém ativo, gravando com regularidade e tocando em festivais e clubes, especialmente em Nova Iorque, cidade que escolheu para viver. Seu último álbum é “Last Night at Sweet Rhythm” (Sound Reason, 2009), gravado ao vivo e que conta com as participações de Michael Cochrane no piano, David Williams no contrabaixo e Steve Johns na bateria.

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