Amigos do jazz + bossa

sábado, 31 de março de 2012

MUDAMOS PORQUE JACARÉ PARADO VIRA BOLSA E CAMARÃO QUE DORME A ONDA LEVA! NA MORAL, CHEGADO!


Faz algum tempo que eu venho pensando em mudar o enfoque do blog. Afinal, o jazz, enquanto música, já está morto e enterrado. Ninguém mais se interessa por essa música de velhos e para velhos. Por isso, pensei em dar uma rejuvenescida, variar o cardápio musical e conquistar novos fãs para este espaço. O resultado é um novo blog, que a partir de hoje vai se chamar “Arrocha o buriti”, e que nasce com a pretensão de ser a nova casa do forró universitário, do funk, do tecnobrega, do pagode, do kuduro, do axé e do sertanejo universitário.

Chega daquela coisa vetusta, hermética, paradona e baixo astral que é o jazz. Aqui você vai encontrar a rapaziada que vem fazendo a verdadeira música brasileira da atualidade, como Aviões do Forró, Alexandre Pires, César Menotti & Fabiano, Cláudia Leite, Limão Com Mel, Bruno & Marrone, Calcinha Preta, Chiclete Com Banana, Asa de Águia, Exaltasamba, Luan Santana, Bello, Gaby Amarantos, Sarajane, Katinguelê, Banda Calypso, Valeska Popozuda, Tiririca, Ivete Sangalo, Victor & Léo, Paula Fernandes e Bonde do Tigrão.

Para celebrar essa guinada qualitativa e quantitativa, o primeiro astro a ser enfocado é ele, o Furação Louro do Mato Grosso: Michel Teló, o Rei das Festas! Com a sua levada irresistível, ele foi até capa da revista Época e já colocou pra dançar astros do futebol como Cristiano Ronaldo e Neymar. A juventude e a alegria de Teló são contagiantes e apenas sujeitos mal-humorados e ranzinzas como os Josés Trajanos da vida não apreciam a sua levada.

Espero que os amigos se divirtam com essa nova fase do blog, que radicaliza na proposta de ser o barzinho virtual. Chega desse negócio de barzinho bem comportadinho, com todo mundo falando baixo e ouvindo música careta. Agora, eu quero ver é todo mundo bêbado e dando vexame, por isso o tema do blog vai ser, a partir de hoje, “Beber, Cair e Levantar”, da maravilhosa dupla André e Adriano. Um beijo no coração. Fui!

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Michel Teló (Medianeira, 21 de janeiro de 1981) é um cantor, compositor e multi-instrumentista brasileiro. Fez parte de dois grupos musicais mas foi no Grupo Tradição que sua carreira como vocalista decolou. Cantor desde a infância, Michel se tornou conhecido no ano de 1994, como vocalista do grupo Tradição, os maiores sucessos do grupo, como "Barquinho", "O Caldeirão", "Pra Sempre Minha Vida", "A Brasileira" e "Eu Quero Você", são de sua autoria. Além de cantor e compositor é dançarino e instrumentista de sanfona e gaita.

Em 2008 ele lançou seu álbum de estreia em carreira solo, Balada Sertaneja. O álbum não teve um bom desempenho comercial, e não entrou na parada musical da ABPD, contudo os singles Ei, Psiu! Beijo Me Liga e Amanhã Sei Lá alcançaram posições consideráveis na Billboard Brasil Hot 100. Em 2010 lançou seu primeiro álbum ao vivo, Michel Teló - Ao Vivo que mesmo sem alcançar o Top 20 Semanal ganhou certificado de ouro durante uma participação na TV Xuxa, e foi lançado internacionalmente apenas em 2011.

O álbum gerou três singles o que mais se destacou foi "Fugidinha", seu primeiro single a alcançar a primeira posição na Billboard Brasil Hot 100. O álbum recebeu uma indicação ao Grammy Latino. Em 2011 lançou seu segundo álbum ao vivo intitulado Michel na Balada gravado durante a turnê Fugidinha Tour. O álbum teve um bom desempenho comercial alcançando a sexta posição na Top 20 Semanal ABPD, e a segunda posição no gráfico Portuguese Álbuns Chart sendo certificado de ouro.

O álbum teve como primeiro single "Ai Se Eu Te Pego" que se tornou o segundo número um na Billboard Brasil Hot 100, também chegou a primeira posição na Alemanha, Espanha e Itália deixando para trás grandes nomes da música mundial como Adele, Rihanna, Lady Gaga, David Guetta e Usher.

Ao longo de 2011 Michel fez mais de 240 shows, o mês mais intenso foi em Junho, ele se apresentou todos os dias pelo Norte e Nordeste nas festas juninas. De acordo com a Revista Forbes a turnê "Fugidinha Tour" foi vista por 17 milhões de pessoas, e arrecadou cerca de 18 milhões em 2011. Também foi citado pela revista como fenômeno mundial fato que, para a revista, apenas brasileiros como Ronaldo, Gisele Bündchen e Ronaldinho Gaúcho conseguiram. Também bateu o record ao ter a canção brasileira com maior número de visualizações do Youtube, com mais de 100 milhões de acessos. Ainda em 2011 foi a décima pessoa mais acessada da Google Brasil.

O cachê de Michel está em cerca de 150 mil por show e, ao lado de Jorge & Mateus, Luan Santana, Paula Fernandes e Gusttavo Lima, é um dos maiores cachês do país. Michel Teló é inspirado por artistas e duplas de música sertaneja como Leonardo e Chitãozinho & Xororó, além de cantores da música popular brasileira como Roberto Carlos e Luiz Gonzaga.

Ele declarou que a sua cidade é uma fonte de inspiração para a suas composições. Em janeiro de 2012 o "Jornal o Dia" publicou uma matéria afirmando que o ator Ricardo Tozzi terá personagem inspirado em Michel Teló, e viverá um cantor de música sertaneja, inspirado em um cantor que está fazendo sucesso mundial com o hit “Ai Se Eu Te Pego”. A novela irá ao ar as 19h da Globo, e se chamará “Marias do Lar”.

O músico revelou durante uma entrevista ao jornal Folha de S. Paulo que está negociando uma parceria internacional de peso. O sertanejo vai fazer uma colaboração com o rapper Pitbull no início de 2012. Também comentou que seu grande sonho é cantar com a colombiana Shakira, namorada do zagueiro do Barcelona, Piqué.

Em 12 de dezembro de 2011 Michel revelou à Quem que está recebendo convites para tocar em Portugal, Itália, Suíça, Inglaterra e Espanha. Depois confirmou que está com turnê agendada na Europa, com 12 shows em sete países. A turnê teve 12 shows apenas no mês de janeiro, e passou por três das cincos regiões brasileiras. Ainda teve um show extra no "Verão Show Guarujá" com Ivete Sangalo no dia 06 de janeiro, com público de 12 mil pessoas. As primeiras datas anunciadas na Europa serão os dias 24 e 25 de fevereiro, em Lisboa durante o programa Boa Tarde, da TV SIC em Portugal.

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E que a alegria do casal aí embaixo inspire os amigos do blog a deixar de vez essa história de jazz e os anime a cair de boca no kuduro! Sem preconceito!



domingo, 25 de março de 2012

ELE NÃO COSTUMAVA FREQÜENTAR CLUBES QUE O ACEITAVAM COMO SÓCIO

Quando se olha uma fotografia de Alvin Gilbert Cohn, sobretudo no período em que ele cultivou um vistoso bigode, a primeira coisa que salta aos olhos é a enorme semelhança com o humorista Groucho Marx. Mas Al, como era conhecido no mundo do jazz, era bem mais que um rostinho bonito e, ao longo de uma carreira de mais de quarenta anos, construiu uma sólida reputação como saxofonista, compositor e arranjador.

Nascido no dia 24 de novembro de 1925, no Brooklyn, em Nova Iorque, no seio de uma família judia de classe média, Cohn desde muito cedo esteve envolvido com a música. Começou a estudar piano clássico aos seis anos de idade, por exigência dos pais, que queriam que o filho tivesse uma sólida cultura musical. Após seis anos de estudos intensos, Cohn, então com 12 anos, descobriu o jazz, graças ao sucesso de Benny Goodman, seu primeiro ídolo.

Pediu então ao pai um clarinete de presente e este, um pequeno empresário da indústria têxtil, prontamente atendeu o desejo do filho. Dois anos mais tarde, quando descobriu Lester Young, tornou-se fã do saxofonista e resolveu seguir os passos do novo ídolo. O pai, sempre ele, deu-lhe um saxofone tenor novinho em folha de presente e em poucos dias Al, que já dominava com ampla autoridade o clarinete, acrescentou mais um instrumento ao seu portfólio.

Os estudos musicais prosseguiam na escola, a Erasmus High School, onde fez parte de diversas orquestras, alternando-se entre o tenor e o clarinete. Aos 15 anos, o jovem instrumentista já era capaz de escrever arranjos com razoável desenvoltura e aos 17, após rápidas passagens pelas orquestras de Lee Castle e Joe Marsala, inicia a carreira de músico profissional, juntando-se à banda de Georgie Auld.

Estávamos no primeiro terço dos anos 40 e Charlie Parker e Dizzy Gillespie se preparavam para tomar de assalto o cenário jazzístico novaiorquino e mudar a cara do jazz de maneira inapelável. Cohn ouvia, além de Young, os veneráveis Coleman Hawkins e Ben Webster, mas guardava um generoso espaço em suas afeições para Ray Turner, um saxofonista obscuro, de quem era amigo pessoal e que foi muito importante em seus anos de formação.

Após cerca de três anos tocando com Auld, Cohn foi contratado pelo bandleader Boyd Raeburn, em 1946. A seguir, passaria pelas orquestras de Alvino Rey e Buddy Rich, em 1947, mas seu nome somente iria se tornar efetivamente conhecido no ano seguinte, quando substituiria Herbie Steward na orquestra de Woody Herman, conhecida como “Herman’s Second Heard”.

Steward fazia parte de um quarteto de saxofones conhecido como “The Four Brothers” e que incluía Stan Getz, Serge Chaloff e Zoot Sims. Cohn se integrou rapidamente à companhia dos três e desenvolveria uma afinidade musical e uma forte amizade com Sims ao longo daquele período. A orquestra foi desfeita em 1949 e Al, que já se consolidava como um confiável arranjador, juntou-se à big band do clarinetista Artie Shaw.

Era uma orquestra que possuía uma sonoridade moderna e, ao contrário da maioria das big bands da Era do Swing, não era nem um pouco refratária às modernas concepções harmônicas advindas do bebop. Além de pilotar o sax tenor, Cohn também se arriscava nos arranjos, mas os tempos não eram dos mais propícios para as orquestras de jazz em geral e Artie foi obrigado a desfazer a sua.

Desempregado, Cohn foi trabalhar na indústria têxtil da família, mas logo percebeu que não possuía a menor aptidão para a vida empresarial. Ele, então, decide tentar a sorte como freelancer e, para deleite dos fãs de jazz, em pouco tempo se torna um dos mais requisitados músicos de estúdio e arranjadores do cast da poderosa RCA. Na primeira metade daquela década, após uma curta passagem pela orquestra de Stan Kenton, seu parceiro mais constante foi o pianista e bandleader Elliot Lawrence, para quem costumava escrever praticamente todos os arranjos.

Como músico de apoio, Al pode ser ouvido em álbuns de figuras de proa do jazz, como Dizzy Gillespie, Stan Getz, Neal Hefti,Oscar Pettiford, Tony Bennett, Gerry Mulligan, Miles Davis, Chet Baker, Billy Taylor,  Milt Hinton, Bill Perkins, Urbie Green , Manny Albam, Maynard Ferguson, Jimmy Giuffre, Billie Holiday, Buddy DeFranco, Ella Fitzgerald, J. J. Johnson, Carmen McRae, Joe Pass, Betty Carter, Howard Roberts, Elliot Lawrence, Lena Horne, Kenny Burrell, Pete Jolly, Jimmy Raney, Terry Gibbs, Bobby Short, Dinah Washington, Count Basie, Oliver Nelson, Mark Murphy, Mundell Lowe e outros mais. Ele mesmo estima ter participado de mais de 400 gravações.

Em 1956, ele reencontra o antigo parceiro Zoot Sims e os dois montam um quinteto bastante reverenciado pelos fãs do jazz. A parceria renderia uma série de álbums muito bem recebidos por crítica e público, como “Jazz From A to Z” (RCA, 1956), “Al and Zoot” (Decca, 1957) e “You ‘n’ Me” (Mercury Records, 1960). Cohn e Sims podem ser ouvidos no álbum “Blues and Haikus” (EMI, 1958), do escritor Jack Kerouac, um apaixonado por jazz que gostava de recitar seus poemas acompanhado por uma trilha sonora jazzística.

Outro parceiro constante nos anos 50 foi o trombonista Bob Brookmeyer, com quem Al também dividiu a liderança em alguns discos. Dentre os grandes momentos da carreira fonográfica de Cohn, um dos momentos mais espetaculares é o soberbo “Tenor Conclave”, onde ele se junta a Hank Mobley (o líder da sessão) e John Coltrane para uma verdadeira aula de saxofone jazzístico. Gravado para a Prestige em 1957, o disco conta com os portentosos Red Garland no piano, Paul Chambers no contrabaixo e Art Taylor na bateria.

Pelos grupos do saxofonista passariam alguns jovens talentos em início de carreira, notadamente o baterista Paul Motian, futuro integrante do mítico trio de Bill Evans, e os pianistas Mose Allison e John Thomas Williams (tocou com Stan Getz, Charlie Mariano, Bob Brookmeyer, Zoot Sims e Cannonbal Adderley, entre outros). Esclareça-se que graças ao atento Predador, desfez-se uma pequena confusão com o homônimo John Towner Williams, também pianista de jazz mas que no futuro se tornaria um dos mais bem sucedidos autores de trilhas sonoras para Holywood, vencedor de diversos Oscars na categoria.

A partir dos anos 60, Cohn passa a priorizar o trabalho como arranjador e compositor. Diversos programas televisivos, como “The Andy Williams Show”, “The Anne Bancroft Show”, “The Pat Boone Show”, “The Steve Allen Show” e “The Sid Caesar’s Show of Shows”, contaram com composições ou arranjos de sua autoria. Al elaborou os arranjos para o concerto comemorativo de 50 da rede de TV CBS, além de ter escrito arranjos para diversas edições do Tony Awards, o mais importante do teatro norte-americano, e para os concursos de Miss Universo e Miss Estados Unidos.

Em junho de 1972, como integrante da orquestra de Joe Malin, o saxofonista acompanhou o Rei do Rock, Elvis Presley, em um concerto realizado no Madison Square Garden. Al gravou com outros astros da música pop, como Paul Anka, Buddy Greco e a cantora country Linda Rondstadt, de quem foi arranjador e diretor musical. Graças à influência do saxofonista, Rondstadt daria uma guinada na carreira, passando a gravar, a partir do início dos anos 80, alguns bons discos de jazz.

No rádio, ele trabalhou como arranjador do programa de Jack Sterling, transmitido pela WCBS. Cohn participou de diversos musicais da Broadway, seja na qualidade de instrumentista, seja na de arranjador. Dentre eles pode-se destacar “Music, Music, Music”, “Raisin’” e “Sophisticated Ladies”, este último baseado na obra de Duke Ellington. No cinema, o saxofonista atuou na trilha sonora do filme “Lenny” (1974), baseado na vida do comediante Lenny Bruce, dirigido por Bob Fosse e estrelado por Dustin Hoffman.

O saxofonista preferia escrever arranjos para orquestras, mas como instrumentista, gostava mesmo era de atuar em pequenos grupos: “Quando você toca com um grupo pequeno, não há a necessidade de ficar repetindo passagens chatas diversas vezes. Você não fica tão vinculado ao arranjo e tem maior liberdade para criar. Já escrever para uma orquestra é mais fácil, porque você tem um leque maior de opções e pode fazer diferentes combinações de instrumentos”.

Apesar da sua discografia, distribuída entre selos como RCA, Capri, Mercury, Prestige e Concord, não ser das mais extensas, seus álbuns como líder se caracterizam pela excelência dos arranjos, pelo bom gosto do repertório e pelos acompanhantes, invariavelmente recrutados entre alguns dos maiores músicos do jazz, como Oscar Pettiford, James Moody, Freddie Green, Donald Byrd, Philly Joe Jones, Teddy Kotick, Nick Stabulas, Sam Jones, Joe Newman, Osie Johnson, Billy Bauer, John Coltrane e outros.

Um dos melhores momentos de sua carreira fonográfica pode ser conferido no estupendo “Play It Now”. Gravado no dia 19 de junho de 1975, em Nova Iorque, para o selo Xanadu, o álbum foi produzido por Don Schlitten e apresenta o saxofonista acompanhado por uma seção rítmica de primeira linha: o pianista Barry Harris, o contrabaixista Larry Ridley e o baterista Alan Dawson.

A faixa escolhida para abrir o álbum foi “You’re My Everything”, de Harry Warren, Joe Young e Mort Dixon. Com um ritmo contagiante e um andamento em tempo médio que realça a beleza das linhas melódicas da canção, o quarteto faz uma interpretação relaxada, completamente imersa nos fundamentos do cool jazz. O longo solo de Ridley é um primor de técnica, complexidade e articulação. A sonoridade de Cohn está bem no meio do caminho entre a doçura de Stan Getz e a agressividade de Zoot Sims.

“Lover”, de Richard Rodgers e Lorenz Hart, vem em seguida. Após uma longa introdução, em tempo de balada, feita apenas por Cohn e Harris, baixo e bateria se agregam para mais uma interpretação . A presença de um pianista tão hábil quanto Harris, capaz de percorrer toda a extensão do teclado e de reinventar harmonias com indiscutível autoridade, é um estímulo para o inspirado Cohn. Dawson, um dos maiores nomes da bateria de todas as eras, faz um trabalho percussivo preciso, enriquecendo o som sem afrontá-lo com os excessos polirrítmicos.

O tema que dá nome ao disco é a única composição do saxofonista incluída no álbum. Com uma pegada vigorosa, muito bem assentada no bebop, a faixa é, sem dúvida, a mais explosiva do disco. Andamento vertiginoso, diálogos frenéticos, ancoragem rítmica segura, solos empolgantes, improvisações elaboradas com extrema perícia, tudo isso se soma para confirmar a eloqüência desse poderoso quarteto. Destaques para as atuações do líder, com seu sopro inflamável e fluido, e para o infalível Ridley.

“Irresistible You” é resultado da parceria entre Gene De Paul e Don Raye e, embora não seja um tema muito conhecido, tem todas as qualidades melódico-harmônicas que fazem a cabeça dos jazzistas. O quarteto revira pelo avesso a melodia e recria os paradigmas harmônicos com espontaneidade e vigor. Cohn é um improvisador criativo e fluente, um investigador de sonoridades que evita as repetições de frases, e possui em Harris um parceiro ideal para essa constante busca por novos caminhos.

Executada em duo por Al e Harris, “Georgia On My Mind”, pérola composta por Hoagy Carmichael e Stuart Gorrell, é um dos momentos mais arrebatadores do álbum. Com a emotividade à flor da pele, os dois mestres se desmancham em lirismo, numa interpretação comovente e apaixonada, destacando-se a sonoridade doce e aveludada, típica da escola lesteriana, de Cohn. A dupla nada ficam a dever a outros duetos de saxofone e piano famosos, como Stan Getz e Kenny Barron, Archie Shepp e Mal Waldron ou David Murray e George Arvanitas.

O álbum encerra com “It's Sand, Man!”, tema de autoria de Elliot Lewis. Cohn é um astuto conhecedor da sintaxe bop, mas sua abordagem, menos agressiva que a de outros contemporâneos, como o próprio Zoot Sims, se conserva elegante mesmo nos tempos mais frenéticos. Ele tampouco abusa dos efeitos, como Sonny Rollins ou Coltrane, mas seu fraseado é sempre lúcido e suas idéias são muito bem concatenadas. No apoio, o impávido Harris deixa fluir a verve de quem conhece, com inquestionável autoridade, todos os segredos do piano. Um grande disco, com músicos no auge da forma e a estupenda qualidade sonora dos discos da Xanadu.

Durante praticamente toda a década de 70, Al conciliava a exaustiva rotina de trabalho como músico de estúdio e arranjador com o seu trabalho em parceria com Zoot Sims. O quinteto liderado pelos dois era atração fixa do Half Note, em Nova Iorque. O clube era o preferido dos dois, que haviam gravado, no final dos anos 50, o sensacional álbum ao vivo “Jazz Alive! A Night at The Half Note” (United Artists, 1959). Nesse disco, junta-se à dupla de tenores o sax alto de Phill Woods e a seção rítmica inclui o baterista Paul Motian, o pianista Mose Allison e o baixista palestino Nabil “Knobby” Totah, em uma rara aparição em disco.

No início dos anos 80, Al assinou com a Concord e seu primeiro disco para a nova Gravadora, “Nonpareil”, gravado em abril de 1981, recebeu uma indicação ao prêmio Grammy. No álbum, o saxofonista está acompanhado pelo pianista Lou Levy, pelo baixista Monty Budwig e pelo baterista Jake Hanna. Naquela década, realizou várias turnês ao lado dos saxofonistas Flip Phillips, Bill Perkins e Sal Nistico, coincidentemente, três ex-integrantes da orquestra de Woody Herman.

Outro projeto em que esteve firmemente envolvido foi na Concord Big Band, com a qual participou de festivais como os de Montreux, Newport e Tóquio. A formação incluía luminares do gabarito dos saxofonistas Buddy Tate e Scott Hamilton, o guitarrista Cal Collins, o pianista Dave McKenna, o baterista Jake Hanna e o baixista Bob Maize.

Cohn morreu no dia 15 de fevereiro de 1988, na cidade de Stroudsburg, Pensilvânia, em decorrência de um câncer no fígado. Ele foi casado com a cantora Marilyn Moore e o filho dos dois, Joe Cohn, é atualmente um respeitado guitarrista de jazz, um ex-aluno da Berklee School of Music que já atuou ao lado de sumidades como Buddy DeFranco, Zoot Sims, Al Grey e Harry Allen. Dentre as inúmeras homenagens que Al recebeu ao longo da carreira, destacam-se a inclusão do seu nome no American Jazz Hall of Fame e na ASCAP Wall of Fame.

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segunda-feira, 19 de março de 2012

OSSOS DE VIDRO, VONTADE DE FERRO

Tem gente que já levanta da cama reclamando de tudo e de todos. Não era o caso de Michel Petrucciani. Ele, certamente, não ia perder seu precioso tempo se lamentando da vida, do custo do aluguel, da derrota da seleção francesa, do frio ou do calor. A vida urgia e o pequeno Michel tinha pressa. Impunha-se degustar a vida em um único gole, sorvendo-a como se cada dia fosse o último. Afinal de contas, quando se nasce com uma doença degenerativa como a “osteogenesis imperfecta”, cada dia é, mais que o mero transcurso de 24 horas, uma vitória do espírito sobre a adversidade.

Petrucciani veio ao mundo no dia 28 de dezembro de 1962, na cidade de Montpellier, na França. A família, de origem italiana, era absolutamente devotada à música. O pai, Antoine, era guitarrista de jazz. Dois dos seus irmãos, Louis e Philippe, também eram músicos: o primeiro era baixista e o segundo, guitarrista como o pai. A doença que acometeu Michel, de origem genética, trouxe-lhe inúmeras limitações. Seus ossos eram extremamente frágeis, o que causava dificuldade para caminhar. Para realizar as tarefas mais corriqueiras, o pequeno precisava da ajuda de alguém.

Mas, em compensação, a natureza dotou-lhe de um talento sobrenatural para a música. Desde a mais tenra idade, o garoto foi exposto ao melhor do jazz e seu primeiro herói foi Duke Ellington. Certa vez, quando tinha cinco anos, assistiu a uma apresentação do maestro na televisão e decidiu: queria aprender a tocar piano. O pai, então, comprou-lhe um piano de brinquedo e o garoto, ao ver o pequeno instrumento, não escondeu seu desapontamento.

A fim de demonstrar toda a sua indignação, ele apanhou um martelo, destruiu o brinquedo a marretadas e deixou bem clara a sua vontade: “quero um piano de verdade”. Antoine trabalhava em uma base militar e ali havia um velho piano de armário, bastante danificado. Ele conseguiu autorização do comandante da base para ficar com o instrumento e o levou para casa. Conseguiu restaurá-lo e fez algumas adaptações para que o filho pudesse tocar.

O garoto, com todas as limitações impostas pela doença, não demorou a dominar o instrumento e a desenvolver uma técnica própria que o permitia alcançar grandes extensões do teclado. Ele recorda as dificuldades iniciais do aprendizado: “Quando eu era criança, tinha a impressão de que as teclas pareciam dentes. Era como se elas estivessem rindo de mim”. Todo o cuidado era pouco, pois dada a fragilidade de seus ossos, mesmo uma pequena queda da bancada poderia lhe ser fatal.

Com uma vontade férrea e muita disciplina, Michel começou a enveredar pela música erudita, tendo estudado o repertório clássico por cerca de oito anos. O garoto tomou um choque quando assistiu, ela primeira vez, a uma apresentação do virtuose Arthur Rubenstein: “Seus dedos se moviam com tamanha velocidade que parecia que eu estava assistindo a um desenho do Pernalonga. Percebi logo que jamais poderia ser tão bom quanto ele, e esse fato foi decisivo para que eu me dedicasse exclusivamente ao jazz”.

Embora fosse um aluno disciplinado e treinasse por até sete horas por dia, Michel não demorou a perceber que não tinha tanta afinidade assim com o universo da música erudita. São dele as seguintes observações: “Estudei piano clássico por oito anos. Esse aprendizado ortodoxo lhe dá disciplina e ajuda a desenvolver a sua técnica. Você aprende a levar a sério  instrumento. Mas eu cansei daquela rotina de concursos e competições. O ambiente da música clássica era burguês demais pro meu gosto”.

O amor pelo jazz, obviamente, jamais refluíra e Michel costumava tocar clássicos do estilo em casa, acompanhado pelo pai e pelos irmãos. Ellington era seu compositor favorito mas, ao piano, suas influências eram os já consagrados Bill Evans, McCoy Tyner e Herbie Hancock, além de uma estrela em ascensão que, em meados da década de 60, havia causado furor na banda do saxofonista Charlie Lloyd e agora, nos anos 70, alçava vôos cada vez mais ousados: Keith Jarrett.

O primeiro concerto de Petrucciani foi realizado em 1975, quando ele tinha treze anos. Sua primeira aparição pública em um festival de jazz aconteceu em 1978, no Cliousclat Jazz Festival. Sua figura singular, que precisava ser carregada até o piano, causou enorme curiosidade na assistência. Mas bastaram os primeiros acordes para que o público esquecesse dos problemas físicos do pianista e se concentrasse na música que emanava daquele corpo diminuto, que media pouco menos de um metro e vinte centímetros de altura e pesava apenas trinta quilos.

Uma verdadeira lenda do jazz, o trompetista Clark Terry, estava presente naquela edição do festival. Por coincidência, ele estava sem pianista em sua banda e andava à procura de alguém para acompanhá-lo naquela noite. Ao ser apresentado pelos produtores do festival ao pequeno Michel, Terry não botou muita fé nas habilidades do rapaz. Pediu, então, para que Petrucciani tocasse um blues e pouco menos de dois minutos foram suficientes para que o veterano trompetista tivesse certeza de que estava diante de um fenômeno.

O início da carreira profissional, como tudo na vida de Michel, também foi bastante penoso. Além dos baixos cachês e da desconfiança dos donos de clubes e produtores de festivais, em relação ao seu talento como instrumentista, o jovem viveu aventuras dignas de um personagem de histórias de espionagem. Já liderando seu próprio trio, ele viajava pelo interior da França, tocando em qualquer lugar que aparecia. Nessa época, era comum que o seu produtor entrasse nos hotéis com o pianista escondido em uma mala, a fim de economizar nas despesas com hospedagem.

A partir de 1981, após uma consagradora apresentação no Festival de Jazz de Paris daquele ano, as coisas mudaram radicalmente e Petrucciani passou a ser um dos mais requisitados jazzistas do cenário europeu. Ele nem completara 20 anos e já podia se orgulhar de ter tocado com figuras do calibre de Aldo Romano, Lee Konitz, Chuck Israels e Kenny Clarke, entre outros. Em 1982, durante sua primeira excursão aos Estados Unidos, ele resolveu procurar Charles Lloyd, que havia se afastado do mundo do jazz e curtia uma aposentadoria precoce. Através de amigos comuns, Michel chegou até a mansão do saxofonista, em Santa Barbara, na Califórnia.

Vivendo dos direitos autorais dos mais de cinco milhões de discos vendidos nos anos 60 e 70, Lloyd certo dia recebeu a inesperada visita daquele pequenino francês que se anunciava pianista de jazz. Intrigado, o saxofonista convidou Petrucciani para entrar, ofereceu-lhe a bancada do Steinway e convidou-o a tocar um pouco. Os dois passaram os dois dias seguintes tocando e, ao final da maratona, Michel havia convencido o saxofonista a voltar aos palcos. “Michel mudou a minha vida. Nunca imaginei que eu fosse voltar a tocar em público”, confessou Lloyd em uma entrevista.

Ocupando um lugar que quinze anos antes havia sido do ídolo Keith Jarret, Petrucciani se tornou, rapidamente, um astro em ascensão. O novo quarteto de Lloyd era complementado pelo contrabaixista Palle Danielsson e pelo baterista Son Ship. Com o espírito renovado pela força criativa de Michel, o saxofonista voltou à rotina de concertos e gravações, apresentando-se nos Estados Unidos, Europa e Japão, tendo sempre uma ótima receptividade por parte de público e crítica.

Ao mesmo tempo, o pianista não descuidava da própria carreira solo e embora já tivesse gravado alguns discos por selos europeus, o sucesso de vendagens viria mesmo após assinar com a Blue Note. Ele foi o primeiro músico de jazz francês a ser contratado pela lendária gravadora de Alfred Lion e seus discos lançados ali, como “Live at the Village Vanguard” (1984), “Michel Plays Petrucciani” (1989), “Live” (1991) e “Promenade With The Duke” (1993), se alinham entre os melhores de sua extensa discografia.

Em fevereiro de 1985, o quarteto de Charles Lloyd, com Petrucciani ao piano, fez um memorável concerto no Town Hall, em Nova Iorque. O resultado pode ser conferido no DVD “One Night with Blue Note”, dirigido por John Charles Jopson. Posteriormente, o diretor confessaria que durante as filmagens foi às lágrimas em diversos momentos do show. Outro momento inesquecível na carreira do pianista foi a sua apresentação no Festival de Montreux de 1986, ao lado dos portentos Wayne Shorter e Jim Hall. A apresentação foi gravada e lançada em CD pela Blue Note, no magistral “Power Of Three”.

Na vida amorosa, Michel se revelava um verdadeiro sedutor. Casou-se com Erlinda Montano, para quem compôs “To Erlinda”, com Marie Laure Roperch, com a pianista Gilda Buttà e, finalmente, com Isabelle Mailé. Teve um filho, Alexandre, com Roperche, que também é portador da “osteogenesis imperfecta”. Além disso, era um farrista incorrigível e, além das mulheres, também era chegado ao álcool e às drogas.

A cantora Joyce, que foi sua amiga e conviveu de perto com ele, relembra algumas histórias engraçadas sobre ele: “Fomos amigos, privamos de uma razoável proximidade. (...) A cada vez que passávamos por NY a trabalho e ele estava lá, ou ele ia nos ver ou nós a ele. Em 1992 fizemos uma temporada numa casa novaiorquina chamada Ballroom, hoje extinta, e ele apareceu por lá quase todas as noites. E também o vimos outras tantas vezes tocando no Vanguard, com nosso também amigo Joe Lovano e com Charles Lloyd. (...) Passamos uma divertida noite no apartamento dele na 12th Street. Nessa noite ele propôs ao Tutty: ‘você é alto e forte, mas é gago; eu sou deficiente e só tenho 1,20m, mas falo pra caramba. A gente podia fazer uma dupla’. Michel era genial, mesmo com sua língua de trapo e sua compulsão por mulheres, drogas e bombons. Chegamos a planejar um disco ou uma parceria juntos, que nunca se materializou”.

Se a vida amorosa era movimentada, mais movimentada ainda era a sua agenda de shows. Petrucciani atravessou a década de 80 como uma das atrações mais disputadas do circuito de festivais de jazz ao redor do planeta. Para que se tenha uma idéia do seu prestígio, em 1989 ele recebeu a vultosa importância de vinte e seis mil dólares para participar do álbum “Manhattan Project” (Blue Note) ao lado do baterista Lenny White, do saxofonista Wayne Shorter, do baixista Stanley Clarke e do tecladista Gil Goldstein.

Aquela década também foi pródiga em homenagens ao pianista, que eram de todos os tipos e provinham de todos os lugares. O jornal Los Angeles Times escolheu o pianista como “Jazzista do Ano”, em 1983. Pouco tempo depois, também seria escolhido como “Melhor Músico de Jazz Europeu”, pelo Ministério da Cultura da Itália e, na terra natal, recebeu o importante “Prêmio Django Reinhardt”. Já era, então, um artista mais do que consagrado.

Petrucciani tocou com, virtualmente, todos os grandes nomes do jazz em atividade nos anos 80 e 90, na maior parte das vezes liderando as sessões. Em seus discos ou concertos, dividiu os estúdios e palcos com estrelas do gabarito de Jack DeJohnette, John Abercrombie, Dave Holland, Tony Williams, Eddie Gomez, Joe Lovano, Stanley Clarke, Romero Lubambo, Niels-Henning Ørsted Pedersen, David Sanborn, Cecil McBee, John Scofield, Gary Peacock, Freddie Hubbard, Warne Marsh, Stephane Grappelli, Al Foster, Joe Henderson, Billy Hart, Gerry Mulligan, Dizzy Gillespie, Tânia Maria, Roy Haynes e muitos mais.

Em 1992, Petrucciani fez uma aplaudida excursão pela Europa, tocando em dueto com o pai, Antoine, em uma turnê que recebeu o sugestivo nome de “Tal pai, tal filho”. Dois anos depois, receberia mais uma importante homenagem: o título de Cavaleiro da Legião de Honra, uma das mais prestigiosas comendas concedidas pelo governo da França.

Em novembro de 1997, durante uma temporada japonesa no clube Blue Note, Petrucciani gravou o excepcional álbum ao vivo “Trio in Tokyo”, lançado pelo selo francês Dreyfus. Secundado pelo baterista Steve Gadd e pelo baixista Anthony Jackson, Petruccianni se apresenta em estado de graça. Notável não apenas como intérprete, ele aqui exibe sua não menos brilhante faceta de compositor – dos nove temas, sete são de sua autoria.

A exuberante “Training” foi escolhida para abrir o disco, com seu ritmo pulsante e seu andamento supersônico. Bebop em estado bruto, o tema exige de Gadd e Jackson coesão e agilidade. O dedilhado de Michel é rico, generoso, feérico, opulento, desafiador. É um pianista expansivo e, ao contrário de craques que se notabilizaram pelo uso econômico do teclado, como John Bunch, ele é capaz de percorrer as 88 teclas com furiosa competência e um sentido harmônico ímpar. Jackson usa o contrabaixo elétrico durante todo o concerto, mas consegue extrair do seu instrumento uma sonoridade ressonante e amadeirada, à Steve Swallow, assemelhada à de um contrabaixo acústico.

Acompanhado por dois músicos extremamente habilidosos, o pianista passeia pelos cânones do post-bop em “September Second”, com uma abordagem contemporânea, mas longe de ser hermética. Gadd é um dínamo, incapaz de perder o tempo exato da batida e seu trabalho com os pratos beira o imponderável. Jackson, outro instrumentista de grande talento, faz uma marcação impecável, deixando Petrucciani livre para acelerar os andamentos, digitar com a voracidade de um monstro antediluviano e deixar perplexo o mais cético dos jazzófilos.

A balada “Home” é delicada e melodiosa, com um discreto acento bossanovístico que remete a imagens lúdicas e paradisíacas, com uma parte final surpreendente, na qual o trio vai acelerando até atingir uma espécie de êxtase melódico, retornando novamente ao clima ameno do início. Em “Little Piece in C for U” Michel e seus homens excursionam pela nem sempre confortável zona do jazz de vanguarda, construindo um vertiginoso caleidoscópio harmônico, intrincado e cheio de dissonâncias, com atuações primorosas de Gadd e Jackson, que se mostra um virtuose do contrabaixo elétrico, na melhor tradição de Jaco Pastorius.

Mais uma balada, “Love Letter” tem uma atmosfera quase impressionista, com elementos da música erudita que fazem lembrar as composições de Bill Evans. Sua melodia é sóbria e a abordagem de Petrucciani é comedida e muito elegante. Destaque para a hipnótica linha de baixo construída por Jackson e a sonoridade amadeirada que ele extrai do seu instrumento – pode-se jurar que ele está tocando um contrabaixo acústico e usando o arco.

A inebriante “Cantabille” começa em ritmo lento e vai acelerando até o final apoteótico, com Michel repetindo a mesma nota, de forma cada vez mais rápida e alucinada Jackson e Gadd, impávidos, seguem as imponentes alegorias sonoras do líder com vigor e muita potência. Rápidas citações a “Blues Skies” e “Without a Song”, tinturas de soul e funk e uma batida infecciosa acrescentam histamina ao tema.

“Colors” é uma balada de harmonia intrincada e melodia dissonante, que segue em um crescendo, como se fosse uma espiral de harmonias, com direito a citações a “But Not for Me” e “But Beautiful”. A originalidade da abordagem de Petrucciani e o lirismo de seu dedilhado criam uma atmosfera de intimidade com o ouvinte. Seu toque é sempre incisivo e o discreto acento de bossa nova que ele imprime ao tema provoca um belo contraste entre as passagens mais reflexivas e as mais exuberantes.

A versão devastadora de “So What” é a síntese do gênio criativo de Petrucciani. Com clareza, inventividade e fluência, ele recria a composição de Miles Davis, tornando-a algo novo e completamente surpreendente. A permanente tensão entre graves e agudos, a investigação de novas possibilidades rítmico-harmônicas, a interação telepática entre piano, contrabaixo e bateria, as trocas inesperadas de andamento, os diálogos sempre inflamados, enfim, são muitos os predicados desta que é, sem dúvida, uma das faixas mais empolgantes do disco.

Um dos mais empolgantes e conhecidos temas do jazz, “Take de A Train”, foi o escolhido para fechar o disco. A composição de Billy Strayhorn ganha um novo fôlego, graças à interpretação poderosa do trio. Com uma abordagem moderna e sem medo de cometer algumas “heresias” (pelo menos do ponto de vista dos puristas mais renhidos), Petrucciani injeta uma dose cavalar de adrenalina. Gadd é outro músico ousado e sua batida incorpora elementos de samba, sem que isso soe pitoresco ou inverossímil. Um disco formidável e uma excelente porta de entrada para o universo mágico e encantador desse pianista magistral.

1998 marca o lançamento do estupendo “Both Worlds”, novamente para a Dreyfus Records, no qual o Michel lidera um sexteto multinacional integrado pelos norte-americanos Anthony Jackson (contrabaixo), Steve Gadd (bateria) e Bob Brookmeyer (trombone), e pelos italianos Flavio Boltro (trompete) e Stefano di Battista (saxes alto e soprano). Todas as composições são de autoria de Petrucciani, com arranjos de Brookmeyer.

Trabalhando em um ritmo frenético, o pianista cumpriu uma exaustiva temporada de mais de 140 concertos naquele ano. É possível que essa rotina tão estafante tenha contribuído para precipitar as coisas, mas o certo é que no dia 06 de janeiro de 1999, Michel Petrucciani faleceu, em decorrência de uma infecção pulmonar, em Nova Iorque. Seu corpo foi enterrado no cemitério Le Père Lachaise, em Paris, onde estão os restos mortais de gigantes da cultura ocidental como os escritores Marcel Proust e Oscar Wilde, o compositor Frédéric Chopin e o vocalista da banda de rock The Doors, Jim Morrison.

Ao saber da prematura morte de Petrucciani, o então presidente da França, Jacques Chirac, seu fã declarado, emitiu uma nota de pesar na qual afirma que o pianista “renovou a linguagem jazzística, entregando-se de corpo e alma à sua arte, com paixão, coragem e genialidade musical. Ele foi um exemplo para todos nós”.

Para o estudioso Sylvio Lago, Petrucciani era um pianista de “aptidões múltiplas, com o frágil corpo capaz de uma vigorosa impulsão rítmica e amplitude dinâmica”. Ainda de acordo com o pesquisador, Michel era capaz de extrair do piano grande força sonora e aproveitava “todos os recursos polifônicos do instrumento, das graduações e intensificações das sonoridades ao fraseado límpido e coerente em suas linhas melódicas e chorus da improvisação”.

O desassombrado Petrucciani jamais deixou que as dificuldades o abatessem. Sua filosofia de vida era simples e direta: “Tudo o que eu quero na vida é me divertir com o que faço. Jamais deixarei que alguém ou alguma coisa me impeça de fazer as coisas que eu tenho vontade de fazer”. Lamentavelmente, o pianista morreu sem ter conseguido realizar o seu grande sonho: montar uma escola de jazz em Paris, nos moldes das norte-americanas Berklee e Juilliard.

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quarta-feira, 14 de março de 2012

A FEDERAÇÃO DOS BAIXINHOS INVOCADOS

 
No tempo em que não existia o politicamente correto e era admissível chamar careca de “Pouca Telha” e baixinho de “Pintor de Rodapé”, os nanicos se rebelaram e criaram o FBI. Não, não, nada a ver com a polícia federal dos gringos. FBI era uma entidade de classe bastante famosa: a Federação dos Baixinhos Invocados. E o jazz, obviamente, não ficou imune à influência dos “Goleiros de Futebol de Botão”. Num estilo onde pontuaram baixinhos célebres, como Johnny Griffin, Roy Haynes e Michel Petrucciani, David Roy Eldridge tem lugar cativo entre os mais invocados do pedaço.

Cacife pra isso ele tem de sobra. Afinal, não é para qualquer um ser apontado como o elo de ligação entre o jazz clássico de Louis Armstrong e o moderno de Dizzy Gillespie. Para que se tenha uma idéia da sua importância, durante uma excursão à Rússia, um jornalista perguntou ao produtor Norman Granz, fundador das gravadoras Verve e Pablo, qual o músico que melhor personificava o jazz. Presente à entrevista, o pianista Oscar Peterson sugeriu: “Art Tatum! Diga que foi Art Tatum”. Mas, o impassível Granz não titubeou e respondeu, na veia: “Roy Eldridge, para mim, é a personificação do jazz”.

Esse soberbo trompetista nasceu em Pittsburgh, estado da Pensilvânia, no dia 30 de janeiro de 1911. A família era bastante ligada à música, pois sua mãe, Blanche Oakes Eldridge, era pianista amadora e seu irmão mais velho, Joe, se tornara um respeitado saxofonista. O primeiro instrumento de Roy foi a bateria, que começou a tocar quando tinha apenas seis anos. Depois, se interessaria pela tuba até, finalmente, se fixar no trompete após assistir a uma apresentação do trompetista Rex Stewart.

Stewart foi a sua primeira grande influência ao trompete juntamente com Jabbo Smith e Red Nichols, e o jovem procurava imitar o estilo daqueles veteranos. Em 1927, com apenas 16 anos, conseguiu o seu primeiro emprego, na banda “Nighthawk Syncopators”. Insatisfeito com a pouca repercussão do seu trabalho, ele liderou por um breve período, um grupo chamado “Roy Elliott and his Palais Royal Orchestra”. Roy Elliott, obviamente, era o pseudônimo que usou por algum período, mas logo desistiu da idéia.

A banda não teve uma vida muito longa e rapidamente, Eldridge retomou a carreira como freelancer, atuando em orquestras lideradas por nomes como Zack Whyte, Horace Henderson e Laurence “Speed” Webb. No final dos anos 20, perambulou por cidades como Baltimore e em Milwaukee (onde fez parte da “Johnny Neal’s Midnite Ramblers”) mas, em 1930, decidido a buscar novas oportunidades de trabalho, se mudou para Nova Iorque, onde foi trabalhar na orquestra de Elmer Snowden.

Já sob a influência de Louis Armstrong, Eldridge teve rápidas passagens por outras orquestras baseadas na Grande Maçã, como a “Cecil Scott’s Bright Boys”, atração fixa do Roseland Ballroom, a célebre “McKinney’s Cotton Pickers” e as bandas de Charlie Johnson e do saxofonista Otto Hardwick, onde ganhou o apelido que carregaria pelo resto de sua vida: “Little Jazz”. Finalmente, ele ingressaria na big band de Teddy Hill, no ano de 1935.

O nome de Eldridge se tornaria mais conhecido por conta das gravações que Billie Holiday faria com a orquestra de Hill, na qual o trompetista, em pouco tempo, havia se tornado um dos principais solistas, juntamente com o saxofonista Chu Berry. Além disso, as apresentações da orquestra no Savoy Ballroom eram transmitidas pelas ondas do rádio, em um programa chamado “Saturday Sessions at the Savoy”, ajudando a torná-lo conhecido junto ao grande público.

Antes de tocar na big band de Teddy Hill, Roy e seu irmão Joe haviam montado a “Eldridge Brothers Orchestra”, que contava com o futuro astro Kenny Clarke na bateria, mas o empreendimento não foi dos mais frutíferos. De qualquer maneira, o trabalho com Hill lhe deu uma boa visibilidade e seu próximo passo foi ingressar, em 1936, na orquestra de Fletcher Henderson, uma das mais famosas daquele período. Ali, Eldridge e Chu Barry refizeram a antiga parceria e, novamente, eram os principais destaques da banda.

A amizade e a cumplicidade musical entre os dois eram tamanhas  que em 1937, ambos decidiram montar seu próprio grupo. Com uma formação que incluía Joe Eldridge no sax alto, o octeto  formado por Roy e Barry foi contratado para ser atração fixa do célebre clube Three Deuces, em Chicago. É com esse grupo que, naquele mesmo ano, Roy Faz as suas primeiras gravações como líder: “Heckler's Hop” e “Wabash Stomp”, que tiveram uma boa repercussão junto ao público.

Em 1939 Eldridge já havia se consolidado como um respeitado solista e seu prestígio ao trompete só era superado pelo do gênio Louis Armstrong. Naquele ano, já de volta a Nova Iorque, ele monta uma orquestra que seria atração fixa do Arcadia Ballroom e, posteriormente, no Kelly’s Stable. Mais uma vez o projeto de liderar um grande grupo não foi dos mais compensadores e ele desfez a banda.

Em maio de 1941, o trompetista se junta à orquestra de Gene Krupa e formou com a vocalista da banda, Anita O'Day, uma dupla infernal. A espevitada Anita costumava anunciar os solos de Eldridge com o bordão “Blow, Roy!” e aí ninguém conseguia segurar o encapetado trompetista. Várias gravações da banda se tornariam hits, como “Let Me Off Uptown”, “Rockin’ Chair” e “Thanks for the Boogie Ride”.

Sobre o seu trompetista, Krupa certa vez se manifestou nos seguintes termos: “Roy se tornou a nossa fonte de energia. Quando ele começava a tocar, era como se acendessem uma luz na escuridão”. Eldridge pode ser visto em uma cena do filme “Ball of Fire”, dirigido por Howard Hawks e estrelado por Barbara Stanwyck, no qual executa um longo solo em “Drum Boogie”, composição sua, em parceria com Krupa. Por seu trabalho com o baterista, Roy foi eleito, em 1943, o melhor trompetista, na votação dos leitores da Down Beat.

A associação com Krupa perduraria até julho de 1943, quando o bandleader foi preso por porte de entorpecente e se viu obrigado a desmanchar a sua orquestra. Eldridge, que era o único negro na banda e uma vítima constante do racismo, jamais deixou de defender a tese de que a prisão de Krupa teria sido uma vingança das autoridades pela ousadia do baterista em mantê-lo em seu grupo. Roy, então, assumiu o trompete na big band do clarinetista Artie Shaw e permaneceria ali até 1945.

Dono de uma abordagem que ultrapassava os limites traçados por Armstrong, o versátil Eldridge era imbatível nos tempos médios e nos registros mais agudos. Mesmo quando interpretava um standard, Roy incorporava em suas frases elementos pouco usuais para um músico formado sob a égide do swing. Tanto é que ele chegou a participar de diversas gigs no Minton’s Playhouse, clube que é considerado a “maternidade” do bebop.

Seu fraseado rápido, sua articulação precisa, sua sonoridade exuberante e seu desapego às fórmulas fáceis fizeram dele um ídolo para muitos músicos mais jovens. Não é à toa que os pais do bebop, como Dizzy Gillespie e o próprio Charlie Parker, reconhecem nele uma de suas principais fontes de inspiração. Uma curiosidade é que quando Eldridge deixou a banda de Teddy Hill, em 1936, seu substituto foi ninguém menos que Gillespie, então um jovem de apenas 19 anos.

Desde a sua saída da big band de Artie Shaw, Eldridge se manteve como líder de vários pequenos conjuntos, atuando como atração fixa de vários clubes de Nova Iorque, como o Famous Door, o Onyx e o Royal Rooster. Em 1948 ele ingressou na caravana “Jazz at the Philarmonics”, capitaneada pelo produtor Norman Granz, que percorria o país realizando concertos estrelados por alguns dos maiores nomes do jazz. Seus duelos com o estupendo Charlie Shavers, ficariam célebres e é possível ter uma idéia do nível da dupla no álbum “JATP – Trumpet Battle”, lançado pela Verve em 1952.

Em 1949 Eldridge e Krupa voltariam a trabalhar juntos, mas não conseguiram reeditar o sucesso do passado. No ano seguinte, Roy se juntou à orquestra de Benny Goodman para uma turnê pela Europa. Indignado com o racismo e o preconceito que sofria em seu próprio país e muito bem recebido pelos fãs europeus, o trompetista resolveu se fixar em Paris.

Ali, tocou com diversos músicos estabelecidos ou de passagem pela cidade, como Charlie Parker, Sidney Bechet, Coleman Hawkins, Ella Fitzgerald e Earl “Fatha” Hines e também com expoentes do jazz francês, como o pianista Claude Bolling. Durante os quase dois anos em que residiu na capital francesa, ele colaborou regularmente com o jornal Paris Post, escrevendo uma coluna semanal sobre jazz.  Indignado com as práticas racistas tão recorrentes nos Estados Unidos, ele concedeu, no exílio, uma polêmica entrevista à revista Down Beat, na qual declarou: “Pode ter certeza de uma coisa. Mesmo que eu volte a morar na América, jamais farei parte de uma banda de músicos brancos novamente”.

Com passar do tempo, todavia, a mágoa foi desaparecendo e ele decidiu retornar aos Estados Unidos em 1952. Eldridge celebrou sua volta ao país com uma concorrida temporada no Old Stuyvesant Casino, em Nova Iorque. Integrou-se novamente aos concertos da caravana “Jazz at the Philarmonics” e desenvolveu uma produtiva associação com o pianista Oscar Peterson. Mais adiante, Roy montou um quinteto com o veterano Coleman Hawkins, que causou furor na edição do Festival de Newport de 1957 e, até o final da década, se apresentaria em incontáveis festivais de jazz ao redor do planeta.

Como líder ou como sideman, Roy gravou com luminares do gabarito de Dizzy Gillespie, Illinois Jacquet, Sonny Stitt, Count Basie, Lester Young, Stan Getz, Benny Carter, Johnny Hodges, Ben Webster, Budd Johnson, Herb Ellis, Jo Jones e uma infinidade de outros. Um dos pontos culminantes da carreira do trompetista é o segundo volume da série “Tatum Group Masterpieces”, sob a liderança do virtuose do piano Art Tatum.

A série de oito álbuns foi produzida por Norman Granz entre 1955 e 1956, para a Verve, e apresenta o pianista em vários contextos, mas sempre em pequenos grupos. Entre os músicos que atuam nos discos, estão gênios do calibre de Buddy DeFranco, Ben Webster, Lionel Hampton, Buddy Rich, Barney Kessel e outros. Granz, que havia vendido a Verve nos anos 60, recuperou o direito de comercializar essas gravações nos anos 70 e os LPs foram felançados por sua nova gravadora, a Pablo. Também pela Pablo, os oito discos foram lançados em formato digital, no início dos anos 90, com a inclusão de várias faixas-bônus.

No segundo volume da série, Tatum recebe Eldridge e o resultado é um verdadeiro encontro de Titãs. Secundando essa dupla de solistas incomparáveis, estão o contrabaixista John Simmons e o baterista Alvin Stoller e as gravações foram feitas entre os dias 23 e 29 de março de 1955. A faixa escolhida para abrir o álbum foi “Night and Day”, de Cole Porter. Roy extrai um som de rara beleza, terno e caloroso, que em momento algum perde a emotividade, algo bastante comum quando se usa a surdina. Tatum é uma cornucópia de acordes e sua digitação, não raro, faz crer que são dois os pianistas atuando na sessão. A abordagem remete à elegante Era do Swing, com Tatum despejando uma dicção onde também cabem elementos do dixieland e do ragtime.

A graciosa versão de “I Won’t Dance”, de Jimmy McHugh, Jerome Kern e Oscar Hammerstein é um dos momentos mais inspirados do disco. Mantendo a atmosfera de cabaré dos anos 20, Tatum e Eldridge trocam frases rápidas e caudalosas, com o trompete assurdinado do primeiro e o piano onipresente do segundo criando diálogos de grande eloqüência harmônica. Simmons e Stoller são ágeis o bastante para acompanhar o ritmo dos líderes e inteligentes o suficiente para não tentar obscurecê-los.

Uma das mais belas composições de Duke Ellington e Irving Mills, “In A Sentimental Mood”, recebe um arranjo sedutor, onde a técnica e a emotividade caminham de mãos dadas. Tatum cria seqüências mágicas de acordes, enriquecendo a melodia com arpejos geniais. O sopro de Eldridge é apaixonado, chegando a ser dilacerante em algumas passagens. É, exatamente, a tensão entre a técnica do pianista e a emotividade do trompetista faz desse encontro um momento de rara beleza e torna suas interpretações tão notáveis.

Tendo a lua como inspiração, “The Moon Is Low”, de Nacio Herb Brown e Arthur Freed, e “Moon Song”, de Arthur Johnston e Sam Coslow, são mergulhos profundos na alvorada do jazz. O primeiro é um ragtime, com um arranjo profundamente influenciado pelo estilo expansivo de Fats Waller. Roy é um vulcão de espontaneidade e sua levada remete às alegres ruas de Nova Orleans. O segundo tema é uma balada em tempo médio, na qual Eldridge mostra que não ficou imune à influência do grande Louis Armstrong. A todo instante o ouvinte espera a entrada da voz roufenha de Satchmo, enquanto as cascatas de acordes de Tatum vão criando labirintos melódicos que apenas ele é capaz de percorrer com astúcia e precisão.

“You Took Advantage Of Me” e “This Can't Be Love” são duas preciosidades de autoria dos geniais Richard Rodgers e Lorenz Hart. A primeira é executada em um inebriante tempo médio e muito bem ancorada pela excelente seção rítmica. Mais contido que o habitual, Tatum deixa a cargo de Eldridge a responsabilidade pelos improvisos e o trompetista aproveita o espaço para cometer solos fervilhantes. Na segunda, Tatum retoma seu estilo exuberante e promove, juntamente com o parceiro, uma exibição de perícia, inventividade, fluência e ousadia. Destaque-se, ainda, a ótima participação de Stoller, que até se arrisca em um solo magistralmente executado.

Composta por Harry Barris e Gordon Clifford, “I Surrender Dear” é uma balada comovente, tornada ainda mais bela pela releitura vigorosa do quarteto. Mesmo nos contextos mais líricos, o trompete de Eldridge possui uma sonoridade robusta e inflamada, com ênfase nos registros mais agudos. Tatum produz notas borbulhantes, como se escorressem de uma cascata límpida e cristalina, criando um impacto melódico de rara beleza.

Um disco realmente indispensável e que traz a marca de dois dos mais bem-aquinhoados improvisadores da história do jazz, ambos na plenitude de seus respectivos talentos, e que se mostram senhores absolutos de sua arte. Como atrativo extra, o CD conta com duas faixas bônus: takes alternativos de “I Won't Dance” e de “In A Sentimental Mood”.

Ainda na década de 50, Roy comandou um formidável quarteto com o pianista Ray Bryant. Durante boa parte da década seguinte, ele foi a principal atração do clube Jimmy Ryan’s em Manhattan, onde além de tocar trompete e cantar, costumava exibir seu talento no piano e na bateria. Como acompanhante, merecem destaque a sua associação com a cantora Ella Fitzgerald, cuja banda integrou com regularidade entre 1963 e 1965, e a sua rápida passagem pela orquestra de Count Basie.

No ano de 1971, o trompetista foi incluído no Down Beat Jazz Hall of Fame. Naquela década, além das gravações realizadas para a Pablo, o trompetista fez uma apresentação consagradora no festival de jazz de Montreux, na Suíça, em 1977, comandando um quarteto de primeiríssima linha, composto pelo pianista Oscar Peterson, pelo baixista dinamarquês Niels-Henning Ørsted Pedersen e pelo baterista Bobby Durham.

Em 1980, Roy sofreu um grave acidente vascular cerebral, que lhe limitou os movimentos e praticamente o obrigou a se afastar dos palcos e estúdios. Dois anos depois, no entanto, ele receberia uma belíssima homenagem: em reconhecimento à sua trajetória profissional de quase cinco décadas, a National Endowment for the Arts (NEA) lhe concedeu o título de Jazz Master, honraria máxima a que pode aspirar um músico de jazz.

Sem poder tocar, Eldridge passou a se dedicar a hobbies como a carpintaria e o conserto de velhos aparelhos de rádio. O lendário trompetista faleceu no dia 26 de fevereiro de 1989, em Nova Iorque, em decorrência de um ataque cardíaco. Cerca de três semanas antes, ele havia perdido a esposa, Viola Lee Fong, com quem estava casado desde 1936.

A perda da esposa retirou completamente o ânimo do veterano trompetista e viver tornou-se um fardo pesado demais. Ao saber da morte do amigo e parceiro de tantas jornadas musicais, a cantora Ella Fitzgerald declarou: “Deus concede o talento para alguns poucos, não para todo mundo. Roy possuía mais alma em uma única nota que a maioria músicos conseguiria demonstrar em uma canção inteira”.

O nome de Eldridge encontra-se imortalizado no Nesuhi Ertegun Jazz Hall of Fame, espaço criado em 2004 no Lincoln Center, em Nova Iorque, para honrar a memória de um seleto grupo de trinta gigantes do jazz, como Louis Armstrong, Duke Ellington, Count Basie, Benny Goodman, Miles Davis, John Coltrane, Dizzy Gillespie, Charles Mingus, Bill Evans, Charlie Parker, Ella Fitzgerald, Lester Young, Coleman Hawkins, Thelonious Monk e alguns poucos mais.

Para o crítico Gary Giddins, “Roy tinha um sopro emocionalmente atraente, versátil, robusto e de longo alcance. Ele possuía um tom como nenhum outro e tocava com uma aspereza e uma urgência que tornavam a sua música extremamente pessoal e humana. Você podia sentir o som de Eldridge se formando em seu início, como se nascesse de suas vísceras e fosse abrindo o caminho através de seu pequeno corpo, esculpindo uma forma definitiva na garganta e irrompendo, em toda a sua plenitude, na liberação final do seu fôlego inextinguível”.

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