Amigos do jazz + bossa

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

QUANDO O MUNDO ERA JOVEM



Nascido no dia 17 de janeiro de 1934, Cedar Anthony Walton Junior, um texano de voz pausada, gestos tranqüilos e trajes sempre muito alinhados, é apontado como o mais importante pianista do hard bop ainda em atividade. Sua carreira é das mais longevas, mas as coisas nem sempre foram fáceis para ele, que teve que ralar bastante até conseguir o almejado lugar ao sol. Nessa trajetória, pode se orgulhar de ter tocado com alguns dos maiores nomes do jazz e de ter construído uma obra das mais relevantes, registrada em dezenas de álbuns, boa parte deles ainda em catálogo.

O primeiro contato com a música veio por intermédio da mãe, uma pianista amadora de formação clássica e que dava aulas de piano em casa. Foi ela a responsável por ensinar ao filho os primeiros acordes e a incutir nele o gosto pelo jazz. A família morava em Dallas e o ambiente musical da cidade era bastante conservador, sendo muito pouco receptivo a músicos de outras plagas.

Walton conta que mesmo grandes nomes do jazz eram recebidos ali com desconfiança. “As pessoas de lá suspeitavam de tudo que vinha de fora. Mesmo quando Duke Ellington vinha se apresentar, a atitude era: ‘quem é esse cara? Nós temos as nossas próprias bandas aqui.’ Depois que o sujeito se apresentava as pessoas passavam a respeitá-lo, mas antes disso, suspeitavam dele. A menos que o músico tivesse nascido ou crescido no Texas, ele era visto com reservas”. Ellington, aliás, é descrito não como mera influência, mas como verdadeira inspiração e sua gravação de “Satin Doll”, para a Capitol, permaneceu, durante muitos anos, como um verdadeiro hino para o menino.

Graças à influência dos pais, o garoto tomou gosto pelo jazz e habitualmente ia assistir às apresentações dos grandes nomes da época, como Tommy Dorsey, Nat King Cole, Eddie Heywood, Errol Garner, Mary Lou Williams, Earl Hines, Hank Jones, Duke Ellington, Oscar Peterson, Lester Young e Dizzy Gillespie, quase sempre na companhia da mãe. Suas primeiras influências foram Nat King Cole, Bud Powell, Thelonious Monk e Art Tatum, cujas gravações eram ouvidas com entusiasmo e devoção.

A educação musical formal começou na Lincoln High Scholl, na cidade natal, onde o futuro pianista adquiriu intimidade com as partituras, escalas, notas e acordes. Após concluir o ensino médio, no início dos anos 50, foi estudar música na Dillard University, em Nova Orleans, onde teve como colega de turma o também pianista Ellis Marsalis, outro pianista de excepcionais recursos e que, no futuro, se tornaria mais conhecido como o pai de Wynton Marsalis.

Durante um período de férias, Cedar e a família viajavam até a Califórnia, quando fizeram uma parada em Denver, também no Texas. Curioso, o jovem resolveu conhecer o campus da University of Denver e ali ficou encantado. Nem tanto pelos métodos pedagógicos ou pela excelência do corpo docente, mas pelo singelo fato de que os alojamentos, além de novos, eram compartilhados entre rapazes e moças. Esse fato foi decisivo para fazê-lo deixar Nova Orleans e retornar para o Texas, mas, de qualquer maneira, a mudança fez bem ao pianista.

De fato, a atmosfera em Austin era bastante arejada, tanto do ponto de vista musical como do ponto de vista da convivência entre negros e brancos. Acostumado a ter que sentar nos bancos traseiros dos ônibus da cidade natal, Cedar de repente se deu conta de como era libertadora a vida sem a opressiva marca da segregação. Na universidade, o programa educacional era bastante amplo e incluía lições de instrumentos os mais variados, como o oboé e a flauta.

Além disso, as noites eram reservadas para as gigs nos diversos clubes e boates locais, como o Denver Club, onde muitos jazzistas de peso costumavam se apresentar quando estavam na cidade. Foi assim que Cedar pôde conhecer de perto – e, em alguns casos, até mesmo acompanhar – figuras seminais como Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Miles Davis, Jerome Richarson, Earl Hines, Richie Powell, Johnny Hodges e John Coltrane, entre muitos outros.

Formado em arranjo e composição, Walton logo foi recrutado em um programa local de educação musical, a fim de dar aulas em escolas públicas de Denver. Em 1955, decidido a tentar seguir carreira musical, deixou o magistério para tentar a sorte em Nova Iorque. Munido de 75 dólares, um velho Chevrolet e alguns contatos, o pianista teve um início bastante complicado na cidade.

Sem dinheiro, foi obrigado a morar em alojamento da Associação Cristã de Moços e trabalhou como estoquista da loja Macy’s e como lavador de pratos da rede de lanchonetes Horn and Hardart. Um dos primeiros amigos que fez na nova cidade foi o também pianista Gil Coggins, que já havia trabalhado com Miles Davis e Lester Young. Foi graças a Coggins, que costumava transcrever solos de Bud Powell, que Walton aprofundou os estudos de harmonia e adquiriu uma enorme intimidade com o estilo do lendário pianista.

Depois de algum tempo, Cedar conseguiu tocar em algumas gigs e acabou por despertar a atenção do empresário Johnny Garry, administrador do lendário Birdland, que o contratou para atuar como atração fixa das segundas-feiras. Quando seu nome começava a se fazer notar na Meca do Jazz, eis que Tio Sam resolveu convocá-lo para o exército. Sua primeira lotação foi em Fort Dix, onde conheceu o saxofonista Wayne Shorter e teve a honra de acompanhar ninguém menos que Duke Ellington, durante uma apresentação de sua orquestra para os soldados. De Ellington, guardou um valioso conselho, dito logo após a sua vigorosa interpretação de “What Is This Thing Called Love?”.

O maestro sentiu que o jovem pianista ia com tanto ímpeto aos acordes que acabava por descaracterizar a melodia. Então, recomendou: “Vá devagar, garoto, economize as notas”. Ao final da sessão, em êxtase, o rapaz buscou a aprovação do maestro, que, sorrindo, lhe disse: “Eu pensei que tinha lhe dito para economizar as notas”. Em uma entrevista, muitos anos depois, Walton reconheceria a importância de Duke em sua formação: “Acho que influência não é a melhor palavra. Eu diria que ele foi minha grande inspiração. Ellington era realmente impressionante. Uma prova disso é que, com o passar dos anos, suas composições ainda se mantêm atuais, modernas”.

De qualquer maneira, seis meses depois de sua convocação ele foi destacado para uma base em Stuttgart, na Alemanha, e ali conheceu vários futuros jazzistas, como Don Menza, Leo Wright, Houston Person, Don Ellis e Eddie Harris, todos lotados na mesma companhia. Durante os dezoito meses em que passou na Alemanha, Walton teve a oportunidade de tocar com Milt Jackson, que na época estava na cidade para uma série de shows do Modern Jazz Quartet. Os dois tocaram juntos no The Atlantic Bar e se tornaram grandes amigos.

Em 1958, logo após ter sido dispensado das forças armadas, o pianista retornou a Nova Iorque e imediatamente recebeu convites para tocar com músicos de peso. Passou pelas bandas de Oscar Pettiford, Kenny Dorham (com quem fez, naquele mesmo ano, a sua primeira gravação, no álbum “Kenny Dorham Sings And Plays”, lançado pela Riverside), Lou Donaldson, Gigi Gryce, Sonny Rollins e J. J. Johnson.

Foi no grupo do trombonista, onde substituiu ninguém menos que o grande Tommy Flanagan, que Cedar se apresentou pela primeira vez no palco do mítico Village Vanguard. Empolgado, o pianista pediu a um amigo um gravador emprestado, a fim de registrar seu debut naquele templo do jazz. Johnson estava pronto para iniciar o primeiro set quando olhou para o lado e viu o piano vazio. Firmou a vista e percebeu que o seu pianista estava agachado, lutando bravamente para arrumar o gravador. J. J. nem pestanejou e deu uma regulada homérica no pianista. De qualquer modo, o show foi um sucesso, embora não se saiba se a apresentação foi gravada ou não!

Em Nova Iorque, Walton também se aproximou do ídolo Thelonous Monk, tão exótico na vida pessoal quanto na musical. Era comum topar com o Monge Maluco e sua amiga dileta, a baronesa Pannonica de Koenigswarter. Sobre os dois, Walton vaticinou: “Eles eram amigos platônicos. Nelly Monk, sua esposa, não se importava que seu marido ficasse por aí, passeando no Bentley da baronesa. Eu costumava tocar em um pequeno clube chamado Boomer’s, que Monk a Baronesa costumavam freqüentar. Quando eu os via ali, em frente ao palco, eu dizia para mim mesmo: ‘Oh, Meu Deus. É ele!’ Mas logo ficava tranqüilo e me concentrava no que tinha que tocar”.

A amizade com Pannonica e Monk evoluiu ao ponto de, em uma determinada ocasião, ser indicado por ela para substituir o pianista em alguns concertos no clube Five Spot. Monk havia adoecido e, por esse motivo, o jovem Walton teve a honra de liderar, por algumas noites, o badalado quarteto do ídolo, que então era integrado pelo baterista Roy Haynes, pelo contrabaixista Ahmed Abdul-Malik e pelo saxofonista Johnny Griffin.

Em abril de 1959 foi um dos três pianistas que participaram das gravações do incensado “Giant Steps”, de John Coltrane, atuando apenas em um take alternativo da faixa título (os outros dois pianistas foram os consagrados Tommy Flanagan e Wynton Kelly). Naquele mesmo ano, integrou o The Jazztet, comandado pelo trompetista Art Farmer e pelo saxofonista Benny Golson. Seu currículo como sideman registra participações em álbuns de Chet Baker, Jimmy Heath, Clifford Jordan, Sonny Red, Freddie Hubbard, Wayne Shorter e muitos outros.

No início de 1960, foi contratado por Art Blakey para substituir Bobby Timmons no célebre Jazz Messengers, onde além de pianista, acumulou as funções de arranjador e compositor, tendo diversos de seus temas, como “The Promised Land”, “Bolivia”, “Ugetsu” e “Mosaic”, gravados pela banda. Na época, a banda tinha uma das mais estupendas formações de sua história, com Freddie Hubbard no trompete, Wayne Shorter no sax tenor, Curtis Fuller no trombone e Jymie Merritt no contrabaixo.

Sobre Blakey, Walton declarou diversas vezes que o baterista era “o sujeito mais inteligente que jamais havia conhecido”. O intuitivo baterista rompeu com as concepções de Cedar que vinculavam a inteligência à formação universitária. Blakey, além de amigo e mentor, tornou-se uma verdadeira referência do ponto de vista musical. Em uma entrevista à saudosa revista Jazz Mais, o pianista disse: “Ele era um músico fantástico, que tocava com muita delicadeza e espontaneidade. Na conseguia, por exemplo, tocar duas vezes um tema do mesmo jeito”.

Cedar deixou os Messengers em 1964 para atuar como freelancer. Fez inúmeras gravações para a Blue Note e para a Prestige, onde era uma espécie de pianista fixo. A partir da segunda metade da década de 60, foi um dos mais requisitados acompanhantes do mercado, tendo tocado em álbuns de Donald Byrd, Joe Henderson,Bobby Hutcherson, Sonny Criss, Blue Mitchell, Pat Martino, Stanley Turrentine, Ray Brown, George Coleman, Billy Higgins, Lucky Thompson, Bob Berg, Archie Shepp, Idreess Sulieman, James Spaulding, Milt Jackson, Hank Mobley, Teddy Edwards, Houston Person, Joe Chambers, Johnny Coles, Dexter Gordon, Philly Joe Jones e Charles McPherson e muitos mais.

Durante cerca de um ano acompanhou a cantora Abbey Lincoln, com quem já havia tocado no final da década anterior (o pianista pode ser ouvido no disco “Abbey Is Blue”, de 1959) e entre 1966 e 1968 foi o pianista regular da banda de Lee Morgan e seu trabalho pode ser conferido em álbuns como “Charisma”, “The Rajah”, “Sonic Boom” e outros. Também acompanhou o saxofonista Jackie McLean em uma turnê pelo Japão.

Naquela época, Cedar passou a liderar seus próprios trios, geralmente ao lado do baixista Sam Jones e dos bateristas Louis Hayes ou Billy Higgins. Seu primeiro álbum como líder, chamado simplesmente “Cedar!”, foi gravado para a Prestige em 1967 e seus acompanhantes na empreitada eram músicos do gabarito de Leroy Vinnegar, Billy Higgins, Kenny Dorham e Junior Cook.

Os anos 70 e 80 foram de bastante trabalho. Durante algum tempo o pianista co-liderou um grupo ao lado do saxofonista Hank Mobley. Em 1973 se reuniu novamente a Blakey para uma excursão ao Japão e no ano seguinte criou o Eastern Rebellion, supergrupo nos moldes dos Jazz Messengers, por onde passaram nomes de peso, como o trombonista Curtis Fuller, o trompetista cubano Alfredo “Chocolate” Armenteros, os saxofonistas Clifford Jordan, Bob Berg, Ralph Moore, e George Coleman, os baixista Sam Jones e David Williams e o baterista Billy Higgins. O grupo se manteve em atividade até os anos 90, excursionando com certa regularidade e gravando, ocasionalmente, para selos como Timeless e Music Masters Jazz.

Walton também enveredou pelos controvertidos caminhos do fusion, tendo montado, também na década de 70, o grupo Mobius, cujo primeiro disco, chamado “Mobius” foi gravado em 1975 para a RCA. A banda trazia alguns nomes conhecidos, como o baterista Steve Gadd, o percussionista Ray Mantilla e o saxofonista Frank Foster e o álbum obteve vendagens expressivas. Em 1976 e também RCA, o grupo lançaria “Beyond Mobius”, onde atuaram o guitarrista Cornell Dupree, o saxofonista Eddie Harris, os trompetistas Blue Mitchell e Jon Faddis, mas desta vez as vendagens ficaram abaixo das expectativas.

O pianista voltaria a flertar com a música eletrificada outras vezes. Em 1978, gravou o álbum “Animations” (Columbia), com uma profunda inclinação funk e que contava com as presenças de craques como o baterista Al Foster e o trombonista Steve Turre. Em 1980 foi a vez de lançar “Soundscapes”, onde pontuavam o baixista Tony Dumas, o trompetista Freddie Hubbard, o cantor Leon Thomas e o percussionista brasileiro Rubens Bassini. Nesses trabalhos Walton aboliu o piano acústico para usar o piano elétrico e uma extensa gama de sintetizadores.

A partir da segunda metade da década de 80, Cedar também passou a integrar a Timeless All-Stars Band, sexteto do qual faziam parte o saxofonista Harold Land, o vibrafonista Bobby Hutcherson, o trombonista Curtis Fuller (posteriormente substituído pelo não menos talentoso Steve Turre), o baterista Billy Higgins e o baixista Buster Williams. Em 1986 atuou na trilha sonora do filme “She's Gotta Have It”, de Spike Lee, juntamente com músicos renomados, como o também pianista Stanley Cowell, o baixista Kenny Washington, Harold Vick e o baterista Joe Chambers.

Em 1993, o pianista prestou uma bela homenagem ao ex-patrão Art Blakey, com uma série de concertos chamada “The Art Blakey Legacy”, realizados no clube Sweet Basil, em Nova Iorque. Desses concertos foram extraídas as músicas do disco “Bambino: Cedar Walton Sextet Plays The Music Of Art Blakey”, lançado pela Evidence em 1998. O disco conta com as presenças de vários ex-integrantes dos Jazz Messengers como os saxofonistas Javon Jackson e Lou Donaldson, o trompetista Philip Harper e o trombonista Steve Turre.

No começo dos anos 90, formou o Sweet Basil Trio com o baixista Ron Carter, depois substituído por seu ex-aluno David Williams, e o velho parceiro Billy Higgins, que se manteve em atividade até a morte do baterista, em 2001. O trio recebeu esse nome por se apresentar com freqüência no badalado clube Sweet Basil e ali gravou três excelentes discos ao vivo, todos lançados pela Evidence.

Os dois primeiros – “My Funny Valentine”, e lançado em 1995, e “St. Thomas”, lançado em 1996 – foram gravados em fevereiro de 1991 e contavam com Carter no baixo. O terceiro, “You’re My Everything”, traz Williams no contrabaixo e foi gravado durante uma apresentação realizada no dia 02 de setembro de 1993. Lançado em 1997, o álbum é uma síntese das qualidades do pianista e apresenta um dos seus mais coesos e espontâneos registros fonográficos.

A faixa escolhida para abrir o disco é “My Heart Stood Still”, que recebe um arranjo bastante animado, que assegura aos três músicos um amplo espaço para os solos. Após uma introdução breve e delicada, a cargo de Walton, o trio destila vivacidade e energia, com destaque para o notável trabalho de Higgins. A interpretação do trio nada fica a dever a versões consideradas clássicas, como as de Sarah Vaughan, Wes Montgomery, George Shearing ou Ahmad Jamal. As palmas entusiasmadas, ouvidas durante vários momentos da execução, são mais que merecidas.

De autoria de Cedar, “Clockwise” é uma valsa espirituosa e swingada, com uma estrutura melódica incomum e bastante elegante, que se assemelha aos temas compostos por Herbie Hancock em seus discos feitos para a Blue Note nos anos 60. O fraseado do líder é insinuante e desprovido de excessos. Williams demonstra que o aprendizado com Carter foi proveitoso. Sua emissão traz uma sensação de intimidade e aconchego, contrapondo-se à euforia de timbres provocada por Higgins.

Composta por Chick Corea, “High Wire” é um vibrante caleidoscópio sonoro, onde entram influências do bebop, do hard bop, do jazz de vanguarda e até da música pop. O entrosamento do trio é absoluto, quase simbiótico. A maestria do líder, em trabalhar elementos de música erudita enxertando ali a característica mais evidente do jazz, o swing, cativa o ouvinte desde os primeiros acordes. A linha melódica imperturbável deve muito à excelência da dupla Williams-Higgins, afinadíssima e que merece todos os encômios.

“Skylark” é uma espécie de hino, de paradigma da beleza da grande canção norte-americana. Composta em 1941 pelo pianista e cantor Hoagy Carmichael a canção está, certamente, entre as cem composições mais gravadas da história do jazz. Seu lirismo ingênuo sempre ficou bastante associado às cantoras e as versões de Carmen McRae e Anita O’Day são exemplares. Sem afrontar as propriedades cantáveis do tema, o trio exercita aquele tipo discreto e nada afetado de lirismo, que invade os ouvidos e a alma com a intensidade de um poema de Drummond.

“Blues For Myself” tem uma batida inflamável e descompromissada, que conclama o ouvinte a sacudir a cabeça e a estalar os dedos. Sua cadência e espontaneidade desafiam a solenidade do blues de maneira pouco ortodoxa e irreverente, mas nunca desrespeitosa. O piano ágil de Cedar encontra ressonância na batida pulsante de Higgins. A destacar, a abordagem marcial que o infatigável baterista adota em algumas passagens do tema.

De autoria do líder, “Turquoise” tem uma estrutura . A sonoridade límpida e envolvente de Walton paga tributo a pianistas incisivos como McCoy Tyner ou Kenny Barron. O fraseado do líder é robusto e pouco afeito a arabescos sonoros, concentrando-se no essencial. A atuação de Higgins chega às raias do sublime. Definido pelo líder como “o sonho de qualquer pianista”, o baterista empreende uma vigorosa jornada percussiva, exaurindo todas as possibilidades rítmicas do instrumento.

A expansiva “Calmita Rose” é uma das faixas mais irresistíveis do disco. Sua atmosfera vibrante e descontraída nem de longe sugere que tenha sido composta por um inglês, no caso o baixista Ken Baldock, ex-integrante das bandas de John Dankworth e Ronnie Scott, que já atuou ao lado de feras como Oscar Peterson e Barney Kessell. Como de hábito, o líder trafega, soberano e com enorme autoridade, pelas harmonias, com destaque para a hipnótica linha de baixo.

Composta em 1931 por Harry Warren, Mort Dixon e Joseph Young “You're My Everything” foi imortalizada por Nat King Cole e já foi gravada por gente como Houston Person, Miles Davis, Sonny Rollins e Freddie Hubbard. O dedilhado econômico de Walton flui com elegância e sua abordagem remete às sutilezas harmônicas de Ahmad Jamal.

A tradicional “The Theme” fecha o disco de maneira bastante espontânea e alegre. Pianista de técnica refinada e de enormes recursos, Walton desenvolveu um senso rítmico invejável e credita boa parte dessa versatilidade ao período em que tocou com Blakey. Segundo ele, o baterista sempre exigia que seus músicos tocassem no limite, sem economizar energia. Na faixa de encerramento, ele exibe uma deliciosa amostra de suas qualidades e os ouvintes, extasiados, mal percebem a passagem dos quase 62 minutos de duração do álbum.

De 1990 para cá, Walton continuou a abrilhantar, em concertos e gravações, as sessões rítmicas de gente como Frank Morgan, Ernestine Anderson, David Murray, Freddy Cole, Pat Metheny, Steve Turre, Dave Pike, Larry Coryell, Kenny Burrell, Benny Carter, Etta James, Carmen Lundy, Hank Crawford e muitos outros.

Segundo o pesquisador Sylvio Lago, “Walton tem sido um extraordinário acompanhador de música instrumental e vocal, mas não pode ser esquecido como grande solista em trios e piano solo. Suas gravações no Maybeck Hall (1993) revelam um pianista de harmonias complexas, dotado de swing exemplar e de recursos rítmicos de diferentes facetas na expressão do blues, do stride e de um bebop que sugere as linguagens de suas origens e da modernidade dos novos tempos”.

Também atuou como pianista da The Trumpet Summit Band, projeto criado por Nicholas Payton e Wynton Marsalis para a edição de 1995 do tradicional festival de jazz de Marciac, na França, e por onde já passaram monstros do calibre de Clark Terry, Benny Bailey, Jon Faddis, Roy Hargrove, Tom Harrell, Terell Stafford, Randy Brecker, Jeremy Pelt e do brasileiro Cláudio Roditi.

Apaixonado pela música brasileira, gravou composições de Ary Barroso (“Aquarela do Brasil”) e Tom Jobim (“Triste”), a quem dedicou a composição “Theme For Jobim”, incluída no excelente “Midnight Waltz”, de 2007. Tocou com diversos músicos brasileiros, como Airto Moreira e Flora Purim, além dos já mencionados Cláudio Roditi e Rubens Bassini. Em 2003 foi uma das principais atrações do Tim Festival, apresentando-se na mesma noite que outro gênio do piano, McCoy Tyner. O baterista dos dois concertos foi o incansável Lewis Nash.

Cedar excursionou intensamente ao longo dos seus quase 50 anos de carreira, apresentando-se em festivais pela Europa e Ásia. Tocou em países como Inglaterra, Holanda, França, Itália, Alemanha, Noruega e Japão, tendo gravado por selos como Muse, Evidence, Discovery, Red Baron, SteepleChase, Camden, WEA, 32 Jazz, Tokuma, Criss Cross e Highnote, por onde tem lançado seus últimos álbuns, incluindo os ótimos “Underground Memoirs” (2005), “One Flight Down” (2006), “Seasoned Wood” (2008) e “Voices Deep Within” (2009). Antenado com o jazz contemporâneo, costuma contar, em seus discos e concertos, com participações de novos talentos, como o saxofonista Vincent Herring e o trompetista Roy Hargrove.

O pianista mora no Brooklyn, em Nova Iorque, mas pode ser considerado um verdadeiro cidadão do mundo. Em Janeiro de 2010, recebeu o título de Jazz Master, concedido pela National Endowment For The Arts. Emocionado com a homenagem, declarou: “Esse título é uma enorme honra, pois representa não apenas o reconhecimento a uma carreira duradoura, mas também evidencia o quanto um determinado artista se empenhou em manter intacta a qualidade artística de sua produção”.


* Postagem dedicada ao novo amigo Pietro Frontini, por meio de quem cheguei até à soberba trinca de álbuns do Cedar, "The Trio", volumes 1, 2 e 3, lançados pela RED RECORDS.

======================

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A COMISSÃO INTERNACIONAL PARA A PREVENÇÃO DO CONTROLE DAS FRONTEIRAS MUSICAIS


Mariano e Akiyoshi não demoraram a causar sensação nos meios musicais da cidade, montando um quarteto que se apresentava exaustivamente nos mais importantes clubes novaiorquinos, como o Birdland, o Half Note, o Village Vanguard e o Five Spot. Ao lado do casal, o baixista Gene Cherico e o baterista Eddie Marshall. Em dezembro de 1960, o grupo lançou “Toshiko-Mariano Quartet”, para a Candid, recebido com entusiasmo pela crítica especializada.

Entre 1960 e 1961 o grupo excursionou pelo Canadá, México e Japão. O casal se tornou bastante próximo de Charles Mingus, que convidou Mariano para se juntar à nova banda que estava montando e que incluía o tenorista Booker Ervin, o baterista Dannie Richmond, o trompetista Rolf Ericson e o pianista Jaki Byard. Com essa formação, o baixista gravou, para a Impulse, os ótimos “Mingus Mingus Mingus Mingus Mingus” e “The Black Saint And The Sinner Lady”, considerados dos mais importantes em sua carreira.

Mariano também participou de outro disco importante, lançado pela mesma gravadora naquele ano: “McCoy Tyner: Live At Newport”, que conta com os excepcionais Clark Terry, Bob Cranshaw e Mickey Roker. Como líder, gravou apenas “A Jazz Portrait Of Charlie Mariano”, com arranjos de Don Sebesky e participações de feras como Jim Hall, Jaki Byard e Albert “Tootie” Heath. Em 1964, Mariano e a esposa passaram uma longa temporada no Japão e o saxofonista ficou extremamente impressionado com os diversos aspectos da cultura japonesa. Na capital japonesa, Toshiko voltou a compor e fazer arranjos para big bands, tendo gravado o álbum “Toshiko Mariano & Her Big Band Recorded in Tokyo”.

No mesmo ano, o grupo liderado pelos dois fez uma bem-sucedida excursão à Europa, incluindo apresentações na França, Suécia e Dinamarca. Nas gigs realizadas em cidades como Paris, Estocolmo e Copenhagen, conheceram e tocaram com alguns jovens músicos europeus que despontavam para o estrelato, como o violinista Jean-Luc Ponty, os bateristas Daniel Humair e Alex Riel e o contrabaixista Niels-Henning Ørsted-Pedersen, que, do alto dos seus 18 anos, deixou Mariano impressionado com sua técnica e seu talento. Também tocaram com o pianista catalão Tete Montoliu, um dos mais habilidosos e criativos músicos do jazz europeu.

De volta aos Estados Unidos, Mariano fez parte do projeto “Stan Kenton Summer Camps”, que levava o jazz às universidades e promovia seminários e oficinas, tendo como professores, além do próprio Kenton, expoentes como Ron Carter e Donald Byrd. O saxofonista participou do álbum “Dear John C.”, homenagem a Coltrane feita sob a liderança de Elvin Jones, e tocou com Herb Ellis, Ralph Towner, George Mraz, Airto Moreira, Astrud Gilberto, Hank Jones, Modern Jazz Quartet, Roland Hanna e Richard Davis e voltou a lecionar na Berklee School of Music. Em 1966 fez uma elogiada temporada de quarto semanas no tradicionalíssimo Ronnie Scott's Club, o mais importante clube da Inglaterra.

No início de 1967, já separado de Toshiko, aceitou o convite do governo da Malásia, para liderar a orquestra da Rádio Nacional daquele país e se mudou para Kuala Lumpur. A experiência foi fantástica e mudou não apenas as concepções musicais de Mariano, como também a sua própria maneira de encarar a vida. Ele conheceu Bornéo e a Índia e aproximou-se da música oriental de maneira bastante intensa. Com o fim do contrato, em outubro daquele ano, Charlie passou algumas semanas no Japão, onde gravou “Charlie Mariano & Sadao Watanabe” e “Iberian Waltz”, ambos ao lado do grande altoísta japonês.

Nos anos 70 acarretaram profundas mudanças na carreira do saxofonista, que além do alto e do tenor também passou a se dedicar ao sax soprano e ao nagaswaram (uma espécie de oboé de origem indiana). Aproximou-se do fusion, tendo montado o grupo Osmosis, que foi um dos pioneiros do estilo mas que gravou apenas um álbum. Em 1971 mudou-se para a Europa, onde, influenciado por John Coltrane, manteve uma estreita relação com o jazz de vanguarda e se tornou bastante íntimo do idioma free.

Um dos seus primeiros trabalhos foi substituir o saxofonista inglês John Surman no grupo “The Trio”, onde também atuavam o baixista Barre Phillips e o baterista Stu Martin. Charlie conhecia Martin pessoalmente, por conta de algumas gigs em Nova Iorque, e sabia que ele havia tocado com trompetista Maynard Ferguson, seu ex-companheiro da banda de Kenton e que na época também morava na Europa. O saxofonista não teve maior dificuldade em assimilar as idéias musicais dos novos parceiros, o trio ganhou a companhia do violoncelista Peter Warren, trocou o nome para “Ambush” e fez considerável sucesso nas hostes do free jazz setentista.

Algum tempo depois, Mariano montou um grupo com o baterista italiano Aldo Romano, o guitarrista belga Philippe Catherine e o pianista holandês Jasper Van’t Hof. O encontro com Catherine é um dos momentos mais hilariantes da história do jazz. O saxofonista passava uns dias na casa de Stu Martin em Bruxelas, quando o guitarrista belga decidiu procurá-lo para um novo projeto musical, do qual Van’t Hof e Romano já faziam parte. Quando chegou no local, viu que Mariano ainda estava dormindo, pois havia participado de uma gig exaustiva na noite anterior, e decidiu esperar.

Ao acordar e se olhar no espelho, Charlie viu que estava com uma aparência horrível, com a barba por fazer e cheio de olheiras. Decidido a não causar má impressão em Catherine, ele pegou um saco de papel, fez alguns buracos nos lugares dos olhos e da boca, colocou na cabeça e foi falar com o perplexo guitarrista. A conversa fluiu com naturalidade e os dois sentiram uma imediata afinidade musical, mas o belga saiu de lá com a impressão de que o novo amigo não batia lá muito bem do juízo.

Foi assim que surgiu o “Pork Pie”, cujo nome homenageia Lester Young, mas que possuía uma orientação voltada para o jazz-rock. Em 1974 lançou “Reflections”, onde está acompanhado por uma banda de desconhecidos músicos finlandeses. Mesclando repertório próprio com temas como “Blue In Green” de Miles Davis e “Naima”, de John Coltrane, o álbum recebeu cinco estrelas da revista Down Beat.

Em 1976, foi uma das estrelas do Jazz Yatra Festival, rezlizado em Bombain, na Índia. No mesmo ano, foi convidado para tocar em um concerto promovido pela gravadora alemã ECM no Lincoln Center, em Nova Iorque, onde as estrelas eram os integrantes do seu cast Jack DeJohnette, Gary Burton, Terje Rypdal e Keith Jarrett. Também teve uma participação não creditada no álbum “Ringo’s Rotogravure”, do ex-Beatle Ringo Starr, ao lado do pianista Dr. John e dos irmãos Michael e Randy Brecker, com arranjos a cargo de Arif Mardin, seu ex-aluno em Berklee. Aproveitou para matar as saudades do público, em temporadas no Sweet Basil, liderando um quarteto que contava com Ron McClure no baixo, na bateria Bob Moses e Mike Nock, outro ex-aluno seu, no piano.

No âmbito do fusion ou jazz-rock, Mariano também registrou participações em grupos como o “Colours”, comandado pelo baixista Eberhard Weber, e “United Rock & Jazz Ensemble”. Este último era uma pequena orquestra multinacional, que fez enorme sucesso na Europa, sobretudo na Alemanha, e era liderada pelo trombonista alemão Albert Mangelsdorff, além de contar com as presenças do trompetista canadense Kennt Wheeler e da saxofonista inglesa Bárbara Thompson. Trabalhos na área da música pop não incomodavam Mariano, que participou de alguns álbuns da banda alemã Embryo e marcou presença nos discos “Leave It Open”, da banda de rock progressivo Gong, e “Iskander”, do grupo alemão Supersister.

O saxofonista fixou residência em Colônia, na Alemanha, e manteve uma concorrida agenda de trabalho, incluindo atuações ao lado de músicos europeus como Pierre Favre, Wolfgan Dauner, George Gruntz, Chris Hinze, Thorsten Klentze, Rolf Kuhn, Palle Danielsson, Edward Vesala, Vic Juris e Irène Schweizer e norte-americanos residentes na Europa, como os saxofonistas Gary Bartz, Anthony Braxton, Jackie McLean e Lee Konitz, o trompetista Ted Curson, o percussionista Don Alias e o pianista Mal Waldron. Empreendeu outras viagens à Índia, durante os anos 70 e 80, onde aprofundou os estudos sobre a cultura e a espiritualidade indianas.

A década de 80 vai encontrá-lo trabalhando intensamente. Foi um dos primeiros músicos a abrir os caminhos para a chamada world music, ao tocar com a banda indiana Karnataka College of Percussion, sediada em Bangalore. A partir de 1988, Mariano trabalhou com regularidade em projetos ligados à livre improvisação, boa parte deles ao lado do percussionista inglês Tony Oxley, do trompetista dinamarquês Palle Mikkelborg, do baixista tcheco Miroslav Vitous e do multiinstrumentista libanês Rabih Abou-Khalil.

Outro parceiro daquele período foi o pianista, cantor e compositor alemão Konstantin Wecker, que contou com a presença de Mariano em vários dos seus álbuns, como “Wieder dahoam” (1986), “Ganz schön Wecker” (1988), “Classics” (1991) e “Uferlos” (1992), entre outros. Gravado em 1991 por um coletivo de músicos de diversas nacionalidades, o álbum “International Commission for the Prevention of Musical Border Control” conta com a participação do saxofonista e seu bem-humorado título diz bastante acerca das concepções musicais de Mariano, ele próprio um incansável combatente pela abolição de todas as fronteiras musicais.

Nos anos 90, além da presença constante em festivais nos Estados Unidos, Europa e Japão, Charlie participou de dois álbuns do European Jazz Ensemble, ao lado de músicos renomados como Gerd Dudek, Paolo Fresu, Daniel Humair Drums e Tony Levin, e voltou a se aproximar do jazz acústico. Em 1991 lançou, pelo selo japonês Pony Canyon Records, o lírico “Autumn Dreams”, ao lado do pianista Mal Waldron. Tocou com o bandeonista argentino Dino Saluzzi e o violonista espanhol Quique Sinesi e gravou com regularidade para a Enja. Um dos momentos mais espetaculares de Mariano na gravadora alemã é o estupendo “Deep In A Dream”, gravado nos dias 02 e 03 de novembro de 2001.

A sessão rítmica que acompanha o saxofonista é maravilhosa, composta pelo compatriota Bob Degen (pianista pouco conhecido, mas com trabalhos ao lado de, entre outros, Art Farmer, Paul Motian, Dexter Gordon, Carmell Jones, Buddy DeFranco e Gary Peacock), pelo contrabaixista suíço Isla Eckinger (outro músico experiente, que tem no currículo atuações com Slide Hampton, Horace Parlan, Benny Bailey, Mal Waldron, Steve Lacy e Chet Baker) e pelo baterista norte-americano Jarrod Cagwin (o caçula da turma, nascido em 1974 mas que já acompanhou Gabriele Mirabassi, Dusko Goykovich e Antonio Hart).

Basicamente composto de standards, a abertura do álbum fica por conta de “You Better Go Now”, imortalizada na voz de Billie Holiday. A interação entre o sopro cálido de Mariano e o toque refinado de Degen é total e resulta em uma comovente experiência auditiva. De autoria do saxofonista, “Dew Drops” é uma balada hipnótica, introspectiva e recheada de elementos da música oriental. Cheia de dissonâncias e fortemente influenciada pelo experimentalismo de Coltrane e Dolphy, ela exige do líder uma abordagem arrojada e conta com uma belíssima atuação de Cagwin.

Uma animada interpretação de “Spring Is Here”, da dupla Rodgers e Hart, aumenta a temperatura e mostra porque, mesmo aos 78 anos, Mariano ainda é um dos mais inventivos e melodiosos saxofonistas de qualquer época. Cheio de swing e bastante incisivo em seus ataques, Charlie incendeia os parceiros com suas frases articuladas e seus improvisos devastadores. O pianista tem amplo espaço para mostrar a sua faceta bop, mas o grande destaque da sessão rítmica é o exuberante Cagwin.

A dolorosa expressividade de “I'm A Fool To Want You”, na qual Sinatra pranteava as suas dores de amor, recebe um arranjo pungente e enfumaçado. A sonoridade rouca que Mariano extrai do saxofone remete a uma quase palpável sensação de abandono e desespero. A atmosfera sombria fica ainda mais aflitiva graças ao contrabaixo de Eckinger, que em alguns momentos consegue ser tão sombrio quanto uma interminável noite de chuva, passada na mais completa solidão.

Bem menos sombria que a anterior, “I Only Miss Her When I Think Of Her” é outro hino aos desencontros do amor. Composta por Sammy Cahn e Jimmy Van Heusen, a faixa merece de Degan uma primorosa introdução e à medida em que os instrumentos vão se agregando, percebe-se uma discreta influência da bossa nova, sobretudo na percussão de Cagwin. O romantismo está presente em “The Touch Of Your Lips”, de Ray Noble. É uma balada clássica, na qual o líder exercita o fraseado eloqüente do ídolo Johnny Hodges e imprime à sua execução uma discretíssima pitada de blues. Merecem audição atenta o fabuloso solo de Eckinger e a refinada atuação do pianista.

De autoria de Degen, “Etosha” possui uma estrutura nada linear, e como ocorre com boa parte dos temas contemporâneos, flerta com a atonalidade e com a improvisação livre. O líder não toca nessa faixa, na qual o grande destaque é mesmo o pianista. Seu dedilhado é econômico, usando poucas notas, mas sempre de forma certeira, e seu discurso melódico é surpreendente. A abordagem feita pelo trio, abstrata e intrigante, não apela para o hermetismo desencontrado nem se baseia numa ausência de propósito harmônico, mas tampouco abre mão da ousadia e da reflexão.

Famoso por seus arranjos para a orquestra de Count Basie, Johnny Mandel contribui com a sofisticada “Close Enough For Love”, tema composto para o musical “Agatha”, em 1978. Típica balada romântica, funciona como um excelente veículo para a emotividade rasgada do saxofonista. Destaque para a estupenda performance de Cagwin, que refreia o ímpeto percussivo com naturalidade e segurança, demonstrando plena capacidade para se tornar, em pouco tempo, uma das principais referências do seu instrumento.

“Yours Is My Heart Alone” foi composta em 1929 por Ludwig Herzer, Franz Lehar e Fritz Loehner e a versão do quarteto é cativante. Imerso na tradição bop e sem menosprezar as ousadias harmônicas das correntes que o sucederam, o solo de Degan é um primor de inquietação e encantamento. O líder tem aqui uma de suas atuações mais frenéticas, arrancando do instrumento uma sonoridade que é, a um só tempo, robusta e acolhedora.

Há uma boa dose de melancolia na faixa que encerra e dá nome ao disco, de autoria de Jimmy Van Heusen, onde Mariano esparrama as notas com um lirismo nada comedido. A riqueza do seu fraseado, a inventividade dos seus solos e a sua técnica incensurável ganham ainda mais brilho em face do luxuoso arcabouço rítmico que seus comandados engendram. Um disco que sintetiza, de maneira extremamente bem-sucedida, a universalidade da linguagem jazzística, ao conjugar a espontaneidade da música norte-americana com a sofisticação da tradição européia.

Quatro anos depois de lançar esta jóia sonora, Mariano recebeu o diagnóstico do câncer de próstata. Era 1995 e os médicos lhe deram apenas mais um ano de vida. Fazendo uso da medicina oriental e da quimioterapia, ele conseguiu atravessar os 14 anos seguintes lutando bravamente contra a doença, que finalmente o abateu, no dia 16 de junho de 2009, no Hospital Mildred Scheel, em Colônia.

Pouco mais de um ano antes, em 02 de maio de 2008, gravou, no teatro de Stuttgart, na Alemanha, aquele que pode ser considerado o seu testamento musical, o emocionante álbum “The Great Concert”, para a Enja, onde atua ao lado dos velhos camaradas Philippe Catherine e Jasper Van’t Hof. Seu corpo foi cremado e as cinzas enterradas no jazigo da família Mariano, em Boston. Uma de suas seis filhas, a atriz e cantora Monday Michiru, fruto do relacionamento com Akiyoshi, é casada com o trompetista russo Alex Sipiagin.

Cosmopolita e extrovertido, Charlie deixou, além da discografia espalhada por selos como Fidelity, EMI, World Pacific, Affinity, Black Lion, Atlantic, MPS e CMP, uma trajetória de vida das mais ricas. Manteve até o último momento, uma postura inquieta e desafiadora e permaneceu o tempo inteiro na linha de frente contra todas as formas de preconceito, sobretudo o musical. Sua obra, das mais originais sob qualquer ponto de vista, é uma prova incontestável de que a música transcende as fronteiras nacionais e deve servir como mecanismo de união – jamais de segregação – entre os homens.

============================

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

TU VUO' FA L'AMERICANO



Em 1913 a vida do cozinheiro Giovanni Mariano na pequena cidade de Fallo, região de Abruzzo, na Itália não era das mais fáceis. Casado e prestes a ganhar a primeira filha, que receberia o nome de Colina, via na modorrenta cidadezinha um futuro de privações e escassas oportunidades de trabalho. Tomou, então, decisão idêntica a de muitos dos seus compatriotas da época: iria emigrar para a América. Após uma viagem tumultuada, finalmente chegou ao Novo Continente e fixou-se em Boston. Não perdeu tempo e logo começou a dar duro para trazer para perto de si a mulher e a filha.

A Primeira Guerra Mundial assolava a Europa e somente em 1919 é que Mariano conseguiu trazer a esposa, Maria Digirronimo Mariano, e a filha para o novo país. Adaptada à vida na América, a família teve logo mais uma filha, em 1921, e no dia 12 de novembro de 1923, finalmente, veio ao mundo o esperado filho varão: Carmine Ugo Mariano. Nascido na mesma Boston que acolhera seu pai dez anos antes, Carmine logo passou a ser chamado pelo americaníssimo apelido de Charlie. O contato com a música se deu logo nos primeiros momentos de vida, pois o pai era um apaixonado por ópera e sempre que estava em casa ouvia os discos de Enrico Caruso.

Como era comum na época, a irmã mais velha, Colina, estudava piano clássico quando o garoto nasceu e foi ela quem lhe ensinou os primeiros rudimentos do instrumento. Os estudos musicais corriam paralelos ao ensino regular, feito na Hyde Park High School. A grande canção americana vivia o seu apogeu e homens como George Gershwin, Jerome Kern, Irving Berlin e Cole Porter encantavam os Estados Unidos com suas músicas extraordinárias.

Além da ópera e das tradicionais canções napolitanas que o pai adorava, o garoto Charlie ouvia pelas ondas do rádio as excepcionais big bands que definiam a trilha sonora da época e foi assim que tomou gosto pelo jazz. Jimmie Lunceford, Benny Goodman, Artie Shaw, Duke Ellington e, especialmente, Count Basie, onde pontuava o saxofonista Lester Young, eram os preferidos do garoto. Young, dono de um fraseado lírico e suave, merecia um lugar especial nas afeições de Mariano e por causa dele, o garoto decidiu aprender saxofone. Em 1941 ganhou da irmã Colina – sempre ela – um sax alto, pois na opinião dela o instrumento combinava melhor com a pequena estatura de Charlie que o robusto tenor.

O jovem praticava diuturnamente e em 1942, já tendo se agregado a uma banda amadora de Boston, Charlie costumava participar de gigs na cidade natal e na região do Maine. Os garotos ocasionalmente tocavam em bailes e formaturas, mas a atividade não era remunerada e o aspirante a saxofonista tinha que ganhar a vida de alguma maneira. Mariano arrumou um emprego como cobrador de ônibus, durante o dia, reservando as noites para os ensaios e as incursões pelos clubes da cidade.

Naquela época, conheceu o pianista Pete Andrews, outro filho de imigrantes – no caso, húngaros – que tocava regularmente em um restaurante chamado Ort's Grill, em Boston. O lugar era enorme e possuía dois salões de baile, o Izzy's, localizado na parte de baixo e animado por uma banda composta de músicos negros, e o El Tropico, cuja atração era uma banda composta por músicos brancos e comandada por Duke Davis. Após um rápido teste, Mariano foi contratado por Davis e pôde, finalmente, realizar o sonho de se tornar músico profissional.

Tocando sete dias por semana, com sessões extras aos sábados e domingos, a conviver com a orquestra era um verdadeiro deleite para Mariano. E, além disso, o pagamento era sensacional: 19 dólares semanais, uma verdadeira fortuna para o garoto de apenas 18 anos. Andrews, que tocava piano e fazia os arranjos para a banda, possuía educação musical formal e costumava lecionar, em sua própria casa, teoria musical para os companheiros da orquestra. Charlie era um dos freqüentadores mais assíduos dessas aulas e dessa maneira foi aperfeiçoando o seu talento natural.

Sempre que tinha a chance, o saxofonista descia até o Izzy's, para assistir às apresentações dos músicos negros, onde despontava um jovem e talentoso trompetista chamado Quincy Jones. O lugar era ponto de encontro dos jovens músicos da cidade, que costumavam se reunir no El Tropico ou no Izzy’s e que, muitas vezes, eram até chamados para dar uma canja. Muitos deles, como Roy Haynes, Nat Pierce, Ruby Braff e George Wein (que antes de ser o consagrado produtor do Newport Jazz Festival era um talentoso pianista) acabariam se tornando figuras de primeira linha no mundo do jazz.

O mesmo se pode dizer de um dos mais talentosos companheiros de Mariano na orquestra de Davis, o trompetista Herb Pomeroy, que futuramente se tornaria um verdadeiro ícone do jazz feito na região de Boston. O baterista da banda, Al Orlandi, que não seguiu a carreira musical, relembra que Mariano, além de tocar como um veterano, ainda fazia um tremendo sucesso com as garotas.

O saxofonista vibrou quando Charlie Hooks, diretor musical da orquestra do Izzy's, o convidou para substituir o saxofonista original, que havia sido convocado para servir o exécito e, dessa forma, tornou-se o primeiro músico branco a integrar aquela big band. O convívio com os membros da orquestra aguçou as aptidões de Mariano, que passou a ter mais liberdade para improvisar. Apesar de afável no tratamento pessoal, Hooks era um chefe rigoroso e não hesitava em repreender seus músicos por quaisquer falhas.

Mariano passou cerca de um ano no Izzy’s, interrompendo brevemente essa associação para excursionar com a banda de Floyd Cropley. Em 1943 o saxofonista foi convocado e serviu até o final de 1945, somente sendo dispensado quando a II Guerra Mundial já havia terminado. Durante o período nas forças armadas, serviu em bases na Flórida, no Kansas e na Califórnia, tendo tido a sorte de, desde os primeiros momentos, integrar diversas orquestras da corporação.

No início de 1945, quando ainda estava no Kansas, casou-se com uma garota que conheceu ali, mas o casamento não duraria muito tempo. Muitos anos depois, perguntado por um repórter porque havia se casado, Mariano respondeu: “na época aquilo me pareceu uma boa idéia”. Além do casamento, aquele ano foi inesquecível por outro motivo, pois foi a primeira vez que viu, ao vivo e a cores, uma apresentação de Charlie Parker e Dizzy Gillespie. O concerto foi realizado no clube Billy Berg's, em Los Angeles, e Mariano saiu de lá em estado de êxtase, mal acreditando no que havia visto e ouvido.

Bird e Diz lideravam um sexteto espetacular, que contava com o vibrafonista Milt Jackson, o baixista Ray Brown, o pianista Al Haig e o baterista Stan Levey, capaz de assombrar até o mais experiente jazzista. Até conhecer Parker, Mariano era fortemente influenciado dois grandes altoístas: Benny Carter e Johnny Hodges. Mas o contato com Bird, e sua abordagem completamente diferente de tudo o que havia ouvido até então, marcou, profunda e definitivamente, a trajetória musical do saxofonista, que mergulhou com fúria e avidez naquela forma revolucionária de tocar chamada bebop.

Outra coisa que impressionou Mariano foi o aspecto físico de Parker, que apesar de ser apenas três anos mais velho, parecia ter quase quarenta anos. As drogas, em especial a heroína, já começavam a devastá-lo física e emocionalmente e o período na Califórnia foi especialmente tenebroso. Stan Levey dá um depoimento dos mais sinceros sobre os acontecimentos de então: “no momento em que o nosso trabalho na Califórnia chegou ao final, Charlie Parker estava completamente destruído. E eu quero dizer absolutamente mesmo! Naquele tempo era muito difícil conseguir boa heroína na Califórnia, e os caras tinham vendido alguma porcaria mexicana a ele. Isso o deixou realmente arruinado. O resultado, você sabe, é que então ele acabou em Camarillo”.

O pavor de Mariano por agulhas o manteve sempre a uma saudável distância das drogas injetáveis e ele pode ser considerado, ao contrário de muitos dos seus companheiros de geração, um verdadeiro “careta”. A admiração por Parker não arrefeceria ao longo dos anos. Em uma entrevista, declarou: “Não vai haver um novo Bird, assim como não vai haver um novo Coltrane. Eu ouvia Parker nos anos 40 e escuto agora e, caramba, que música espetacular ele fazia! Ele era um inovador. Ouvi-lo era como ouvir Deus. Eu sinto a mesma coisa em relação a Coltrane, a quem eu escuto constantemente. Engraçado é que hoje em dia aparecem uns sujeitos tocando mais rápido e mais forte. Mas não há um Coltrane entre eles”.

De volta a vida civil, Mariano se encontrava diante de problemas mais comezinhos, como, por exemplo: o que fazer para sustentar a si próprio e à mulher grávida? Ele tentou se estabelecer em Chicago, mas a cidade não lhe oferecia muitas oportunidades de emprego e ele decidiu aceitar um trabalho em Albuquerque, no México. Ali, o saxofonista tocou em uma orquestra de bailes, o que significava um retrocesso tremendo para alguém que tinha em Charlie Parker o espelho musical em que se mirava.

Poucos meses depois da experiência, Mariano voltou para Boston, mas ali encontrou um panorama desolador. A maioria dos clubes e boates havia fechado as portas e os empregos eram escassos. Ele decidiu investir na sua educação musical formal e matriculou-se na Schillinger House of Music, uma das escolas de música mais importantes de Boston e que, futuramente, se transformaria na prestigiosa Berklee College of Music. Os estudos eram custeados pelo governo dos Estados Unidos, que tinha um programa de bolsas de estudos para ex-integrantes das forças armadas.

Fundada por Lawrence Berk e pelo compositor russo Josef Schillinger, que também era matemático, a escola tinha uma abordagem acadêmica e pouco espontânea, o que desagradava sobremaneira o saxofonista. Ainda assim, os anos de estudo foram importantes porque ali aprendeu elementos de harmonia, regência, arranjo e composição, além de poder trocar experiências com jovens músicos de todas as partes do país.

Eminentemente intuitivo, Mariano não escondia a sua frustração e somente no futuro próximo, quando se juntou à banda de Nat Pierce é que ele foi reconhecer a importância de seus estudos em Schillinger. Não obstante, Mariano se tornou bastante próximo de um dos seus professores, o também saxofonista Joe Viola, que teria outros alunos ilustres como Joe Lovano, Donald Harrison, Antonio Hart, Quincy Jones, Gary Burton e Herb Pomeroy.

Durante o tempo em que estudou na Schillinger House, Mariano se tornou um dos mais entusiasmados freqüentadores das jams que ocorriam nos poucos, mas animadíssimos, clubes da cidade. Ali, era possível se deparar com músicos do calibre dos pianistas Nat Pierce, Jaki Byard, Ralph Burns e Dick Twardzik, trompetistas como Joe Gordon, Herb Pomeroy e Quincy Jones, e saxofonistas como Sam Rivers, Gigi Gryce e Serge Chaloff.

Em 1947, após breves passagens pelas orquestras de Shorty Sherrock e de Larry Clinton, o saxofonista foi contratado pelo trompetista Ray Borden para integrar a sua big band, cujos arranjos eram feitos pelo pianista Nat Pierce. Ao lado de Borden, Charlie entrou pela primeira vez em um estúdio e ali registrou a sua primeira gravação.

No ano seguinte, Nat Pierce decidiu montar a própria banda e recrutou o baixista Frank Vaccaro, o trombonista Sonny Truitt, o baterista Joe MacDonald e Mariano. O grupo não fez grande sucesso, mas deixou registrados alguns álbuns, gravados entre 1948 e 1950. A associação com Pierce deu ao saxonista uma maior experiência para lidar com arranjos, o que lhe seria bastante útil no futuro. Na época, ele também participou de algumas gravações ao lado do baritonista Serge Chaloff, de quem se tornou amigo pessoal.

Concluídos os estudos em Schillinger, Mariano foi trabalhar em uma orquestra baseada em Lynn, cidade localizada a cerca de 30 quilômetros de Boston, cujo pianista era o grande Jaki Byard. As primeiras gravações do saxofonista, como líder, foram feitas em 1950, para a pequena gravadora Imperial. Lançado como “Charlie Mariano With His Jazz Group”, o disco teve pouca repercussão, apesar de contra com os talentos de Herb Pomeroy e Jaki Byard no acompanhamento. No ano seguinte, o saxofonista gravaria, para a Prestige, “The New Sounds From Boston – Charlie Mariano And His Groups” e em 1953 seria a vez do excelente “Charlie Mariano Boston All Stars”, que conta com as participações, entre outros, de Dick Twardzik no piano, Joe Gordon no trompete e do crítico Ira Gitler nos sinos, em “Barsac”!!!!!

Naquele mesmo ano, Mariano se uniu ao baixista Chubby Jackson ea o trombonista Bill Harris, ambos egressos da orquestra de Woody Herman em um sexteto que incluía o tenorista Harry Johnson, o pianists Sonny Truitt e o baterista Joe MacDonald. O grupo fez algumas gravações para a Norgran, mas não obteve o reconhecimento desejado, mas rendeu a Charlie um convite para se juntar à banda do trompetista Dick Collins. As afinidades entre os dois renderam, além da parceria musical, a idéia de criar o Jazz Workshop, uma escola voltada para o ensino do jazz e que durante algum tempo ajudou a tornar menos catastróficas as combalidas finanças de Mariano.

No final de 1953 foi convidado por Stan Kenton para substituir Lee Konitz em sua orquestra. A associação de Mariano com Kenton é considerada pelo saxofonista um dos momentos mais especiais de sua carreira., não apenas por causa das excursões pelos Estados Unidos e pela Europa, ou por conta do convívio com músicos de primeira linha como Frank Rosolino, Bill Holman, Gerry Mulligan, Mel Lewis, Bill Perkins, Lennie Niehaus, Sam Noto e Art Pepper mas, sobretudo, por causa da segurança financeira que, até então, era desconhecida para ele.

Em 1954, a orquestra saiu em turnê com alguns solistas convidados, dentre os quais Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Erroll Garner e a cantora June Christy. A parceria se manteve até fins de 1955, quando Charlie se desligou, para liderar seus próprios grupos e tentar a carreira como freelancer. Uma de suas primeiras experiências foi o sexteto que montou com o também saxofonista Jerry Dodgion e que chegou a fazer algumas gravações para a World Pacific.

O pianista Russ Freeman, com quem Mariano e Dodgion conviveram bastante, falou um pouco sobre as habilidades dos dois: “Uma tarde, quando estávamos em San Francisco, fomos para um hotel, onde sempre era possível encontrar alguns músicos com vontade de tocar. Jerry Dodgion estava lá nesse dia e ele e Charlie quase explodiram o telhado do lugar tocando um blues de quase 20 minutos. Essa foi uma das minhas mais memoráveis experiências musicais. E eu nem sequer me atrevi a tocar”.

Já baseado em Los Angeles, Mariano também tocou com Howard Rumsey, Frank Rosolino, Jimmy Rowles, Shorty Rogers, Stu Williamson, Richie Kamuca, Jimmy Giuffre, Victor Feldman, Monty Budwig, Stan Levey, Leroy Vinnegar e, sobretudo, Shelly Manne, ao lado de quem fez diversas gravações para a Contemporary. Alguns desses albums incluíam composições do saxofonista, como “Blue Gnu”, “The Dart Game” e “The Gambit”.

Manne, que além de amigo era grande admirador do trabalho de Mariano, declarou em uma entrevista dada na época: “Charlie Mariano é um dos mais subestimados – talvez “o” mais subestimado – altoístas desse país. Eu o escuto tocar todas as noites em minha banda e o seu senso harmônico me encanta sempre e sempre. Suas linhas melódicas são requintadas e ele improvisa com enorme consistência. Sinceramente, eu não conheço nenhum outro músico de jazz capaz de imprimir em seus solos uma evolução melódica tão bela quanto Charlie Mariano”.

Os ares da Califórnia fizeram bem à musicalidade de Mariano, que não tardou a chamar a atenção de outros músicos para a originalidade de seu toque. Por essa razão, despertou o interesse da gravadora Bethlehem, onde gravou alguns álbuns como líder e se tornou um dos mais assíduos músicos de apoio. Também fez alguns trabalhos para a Pacific e um dos discos de que participou foi “The James Dean Story”, sob a liderança de Chet Baker e Bud Shank.

Essas gravações feitas para a Bethlehem ficaram fora de catálogo durante muitos anos. Somente em 2005, graças ao empenho do produtor catalão Jordi Pujol, foram compilados e lançados em cd pelo selo espanhol Fresh Sound, em uma coletânea bastante representativa, intitulada “Charlie Mariano Plays”. Os músicos que atuam nas gravações são expoentes do West Coast Jazz: Stu Williamson no trompete, seu irmão Claude no piano, Frank Rosolino no trombone, Max Bennett no contrabaixo e Stan Levey na bateria.

São três sessões distintas, realizadas nos dias 21 de dezembro de 1954 (o disco foi originalmente lançado como “Swingin’ With Mariano”, no formato de 10’’), 18 de janeiro de 1955 (na época, o disco, outro 10’’, foi lançado como “Saphire” e apresenta Stu Williamson como líder) e 27 de janeiro de 1955 (o álbum, mais um 10’’, foi lançado com o estrambótico título “Hence! Home, You Idle Creatures, Get You Home: And Lend An Ear To Max Bennett” e seus créditos apontam o baixista como líder).

De cada um desses discos foram extraídas seis faixas, ordenadas por data de gravação, sendo que nas seis primeiras faixas o grupo se apresenta completo, nas seis seguintes Rosolino abandona a formação e nas seis últimas é a vez de Stu deixar o posto. Em uma delas, “You Go to My Head”, nem Rosolino e nem Stu participam e o sax de Mariano paira soberano.

A faixa de abertura, “'S Nice”, é o típico bebop com o ensolarado sotaque californiano. Leve e despretensiosa, apresenta ótimos solos do líder, autor do tema, e dos talentosos irmãos Williamson. Bennett tem aqui um dos seus momentos mais empolgantes. “Chlo-E” tem um arranjo orquestral, com os instrumentos atuando em uníssono e remetendo aos deliciosos grupos de Lennie Niehaus. Rosolino está particularmente inspirado e Mariano passeia pelo vocabulário bop com enorme fluência e inspiração maior ainda.

Com uma acentuada influência latina, “Three Little Words” é o território, por excelência, do trompete atrevido de Stu, embora o trabalho de Levey, especialmente com os pratos, também seja notável. Outra composição do saxofonista, “Green Walls” tem uma levada em tempo médio e um sensacional duelo entre os três sopros. O vencedor da disputa, claro, é o ouvinte, que pode se deleitar com a malandragem de Rosolino, a jovialidade de Wiliamson e a exuberância harmônica de Mariano.

Standars não poderiam faltar no programa. “My Melancholy Baby”, com um andamento mais ligeiro que o habitual, “You Go to My Head”, onde Mariano pode exibir a sua faceta de baladeiro sensível, a eletrizante “Sunday”, com sua atmosfera dos anos 30 e na qual Levey parece um dínamo de milhões de volts, e a fagueira “There Will Never Be Another You”, imortalizada na voz miúda e aconchegante de Chet Baker, recebem arranjos graciosos e interpretações descontraídas.

A vibrante “Slugger” é uma contribuição do pianista e quem brilha à vontade é o seu irmão, autor dos solos mais calorosos. A atuação do saxofonista, como de hábito, apenas realça as qualidades melódicas que tanto despertavam a admiração de seus patrões Kenton e Manne, mas o poderoso ataque de Levey deve ser ouvido com atenção. A parkeriana “Saphire” é um tema de autoria de Stu, responsável pela introdução contagiante e por alguns solos realmente inflamados. Mais acadêmico em sua abordagem – mas não menos apaixonado – Mariano tem direito a um solo breve, porém marcante.

“Tirem os móveis da sala porque o Duke chegou!” Não se sabe se alguém gritou essa frase no estúdio quando o quinteto gravou “Don't Get Around Much Anymore”, mas é bem possível que isso tenha acontecido. A excelência técnica de Mariano é de tirar o fôlego, mas o endiabrado Stu apronta das suas e incendeia a sessão. A atmosfera se mantém em altíssimo astral com a poderosa versão de “Strike Up The Band”, dos irmãos Gershwin. Muito swing e diálogos incandescentes entre saxofone e trompete, com destaque também para o dinamismo e a versatilidade de Claude, um ótimo acompanhante e um solista de vastos recursos.

“Sweet Georgia Brown” foi composta em 1925 e está, indelevelmente, associada à Era do Swing, apesar de ter sido gravada por jazzistas ligados ao bebop, como Bud Powell e Benny Golson, e ao próprio West Coast Jazz, como André Prévin e Sonny Criss. O arranjo do grupo respeita a melodia original, mas adiciona um certo tempero bop que a torna irresistível. Ruth Lowe compôs “I'll Never Smile Again”, uma das músicas mais conhecidas do repertório de Frank Sinatra. Executada em tempo médio, deixa de lado a atmosfera taciturna serve de vitrine para o contagiante diálogo entre Rosolino e Mariano.

“Just Max” é executada na velocidade da luz, com uma agressividade e um peso que mais se assemelham ao jazz da Costa Leste. Piano e bateria competem para ver quem toca mais rápido e o esplendoroso solo de Mariano, repleto de referências a Parker, é uma ótima amostra de sua celebrada capacidade de articulação. Rosolino mostra que também sofreu a grandiosa influência de J. J. Johnson, trocando sua habitual jovialidade por uma abordagem furiosa.

O quinteto tira um pouco o pé do acelerador em “T. K.”, que retorna à atmosfera praieira e descompromissada da Califórnia, com direito a performances exuberantes de Mariano e do trombonista. “Rubberneck”, com seu acento bluesy, é uma composição de Rosolino, mas quem brilha é o baixista. Com efeito, Bennett tem uma atuação excepcional e dialoga com os sopros com enorme autoridade.

Para fechar o álbum em grande estilo, uma vigorosa versão de “Jeepers Creepers”, de Harry Warren e Johnny Mercer, na qual Rosolino esbanja competência e exibe uma de suas maiores características como executante: ele faz parecer extremamente fáceis as passagens mais complicadas. Para quem deseja conhecer um pouco

Não obstante, embora o trabalho compensasse, do ponto de vista financeiro, o saxofonista se sentia pouco à vontade, já que como sideman tinha que se ater ao que os líderes das sessões desejavam. Para espairecer, costumava se apresentar com freqüência no clube Lighthouse, onde manteve um grupo onde pontuavam o baixista Scott La Faro, o pianista Billy Higgins, o pianista Victor Feldman e o tenorista Richie Kamuca.

A insatisfação o fez retornar a Boston, em 1958, onde logo foi aceito como professor da Berklee School of Music e começou a trabalhar na orquestra de Herb Pomeroy. Em Berklee, deu aulas para futuros astros como Gary Burton, Gary McFarland, Gabor Szabo, Joe Zawinul e outros. Em 1959, um novo convite de Stan Kenton tirou Mariano do conforto da cidade natal e o lançou no turbilhão das turnês e viagens.

Agora, o saxofonista assumiria o sax tenor e, mais uma vez, teria que se mudar pera Los Angeles. Nessa época, já namorava uma jovem pianista de origem japonesa, chamada Toshiko Akiyoshi, e a aventura afetivo-musical dos dois duraria pelos próximos oito anos. Descoberta por Oscar Peterson durante uma excursão ao Japão, a pianista se mudara para os Estados Unidos, a convite do produtor Norman Granz, por cuja gravadora lançou, em 1954, seu primeiro disco no território norte-americano.

Akiyoshi estudava em Berklee e quando Mariano, já separado da primeira mulher, se mudou para Los Angeles, decidiu ir junto. Os dois se casaram na Califórnia, em novembro de 1959 e, mais uma vez, o saxofonista teve problemas para se adaptar ao ritmo da Costa Oeste. Tanto é que no ano seguinte, ele se desligou da orquestra de Kenton e partiu, com a mulher, para Nova Iorque, onde teria início uma nova fase da vida e da carreira.

========================

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O REI



O saxofonista, clarinetista, trompetista, pianista, trombonista, compositor, arranjador, bandleader e educador musical Bennett Lester Carter esteve entre nós por exatos 95 anos, muitíssimo bem vividos. Ao longo de seus quase 80 anos de carreira, ele se tornou uma verdadeira lenda do jazz. Admirado por seus pares e amado por jazzófilos de todas as gerações, pode, tranqüilamente, ser apontado como um dos mais importantes e influentes músicos de todos os tempos. Não é à toa que Johnny Hodges, ele próprio um dos maiores nomes do sax alto, considerava Carter “o maior saxofonista do mundo”.

Nascido no dia 08 de agosto de 1907, em Nova Iorque, Benny, desde a mais tenra idade, revelou uma imensa vocação para a música. Ainda na infância, recebeu de sua mãe, Sadie Carter, as primeiras aulas de piano. Contudo, a grande paixão do garoto era o trompete e seus primeiros heróis foram Theodore “Cuban” Bennett, seu primo, e Bubber Miley, trompetista da orquestra de Duke Ellington e que era vizinho da família.

Com apenas 13 anos, ganhou do pai, o funcionário dos correios Norell Carter, o primeiro trompete, mas achou tão difícil dominar o instrumento que, na semana seguinte, acabou trocando pelo saxofone – inicialmente o C-melody e depois o alto. Autodidata, Carter aprendeu a tocar o instrumento praticamente sozinho, contando apenas com uma inabalável perseverança e o eventual auxílio de amigos músicos. No rol de suas admirações, pairava soberana a figura do saxofonista Frankie Trumbauer, um dos maiores nomes do instrumento nos anos 20 e 30.

Aos 15 anos e já dominando o instrumento com bastante perícia, o jovem começou a tocar profissionalmente, mas seus pais não aprovavam sua opção pela carreira musical. Em uma entrevista à NPR ele declarou: “meus pais achavam aquilo indigno, uma humilhação para os negros e costumavam se referir ao jazz como música do diabo. Minha mãe queria que eu fosse teólogo”. Para satisfazer o desejo materno, aos 18 anos chegou a ingressar na Wilberforce University a fim de estudar teologia, mas logo viu que seu negócio era mesmo a música e desistiu do curso para se juntar aos “Wilberforce Collegians” de Horace Henderson.

Em seguida, tocou por um curto período com o pianista Willie “The Lion” Smith. Durante os loucos anos 20, Carter integraria diversas orquestras do Harlem, a maioria delas de pouca notoriedade. Somente em 1926 teria a sua primeira grande oportunidade, ao ser convidado para se juntar à big band de Earl Hines, para uma temporada na Filadélfia. Em seguida, viriam trabalhos com Rex Stewart, Sidney Bechet, Fats Waller e James P. Johnson. Carter também fez parte da orquestra de Duke Ellington durante a segunda metade daquela década, mas a associação com o pianista foi breve e não teve maior repercussão.

Em 1927 o saxofonista ingressou na orquestra de Charlie Johnson, com a qual, em 1928, fez as suas primeiras gravações. Também foi na big band de Johnson, que tocava com regularidade na boate Smalls' Paradise, que Benny começou a elaborar os seus primeiros arranjos – “Charleston Is the Best Dance After All” e “Easy Money” – e a repercussão do seu trabalho chegou até Fletcher Henderson, que o contratou naquele mesmo ano, a fim de substituir Don Redman como arranjador de sua orquestra, uma das mais populares e influentes da Era do Swing.

Carter deixou a orquestra de Henderson em 1931, para ser o diretor musical da McKinney's Cotton Pickers, baseada em Detroit, enquanto a sua reputação como arranjador crescia sem parar. No ano seguinte, após uma breve passagem pela big band de Chick Webb, ele formou a sua própria orquestra, que se tornou atração fixa do Arcadia Ballroom e na qual pontuavam craques como o trompetista Doc Cheatham, o saxofonista Leon “Chu” Berry, o pianista Teddy Wilson, o baterista Big Sid Catlett, o clarinetista William “Buster” Bailey e o trombonista Dicky Wells. Naquele ano, gravou para a Crown seu primeiro disco como líder, um 78 rotações creditado a “Bennie Carter and his Harlemites”. Sua orquestra também faria diversas gravações para a Columbia e a OKeh.

Embora não tenha obtido o mesmo sucesso de público que as bandas de Duke Ellington ou Count Basie, as orquestras de Carter sempre foram sumamente respeitadas pelos músicos e eram vistas como verdadeiros centros de excelência. Nas palavras do guitarrista Danny Baker, “quando você fazia parte da banda Benny Carter, você recebia uma espécie de selo de qualidade. Quem tocava com Carter estava feito, porque orquestras como a de Fletcher Henderson ou a de Chick Webb contratavam o sujeito sem pestanejar. Era como jogar por um time de beisebol da primeira divisão”.

Quando o contrabaixista e bandleader inglês Spike Hughes veio a Nova Iorque, em 1933, com a intenção de gravar com músicos negros, Carter foi um dos primeiros jazzistas a ser convidado para as sessões. Foram gravados 14 temas, lançados apenas na Inglaterra e ali receberam o título de “Spike Hughes and His Negro Orchestra”. A banda incluía alguns dos mais celebrados músicos do período, como o trompetista Henry "Red" Allen, os trombonistas J. C. Higginbotham e Dicky Wells e os saxofonistas Coleman Hawkins e "Chu" Berry.

Em 1935, quando já havia realizado o sonho de dominar o trompete que acalentava desde a infância, foi convidado para se juntar à orquestra de Willie Lewis, atração fixa do clube Chez Florence, em Paris, e fez a sua primeira viagem a Europa, onde permaneceu por cerca de três anos. No Velho Continente, se apresentou em países como França, Holanda, Bélgica, Suécia e Dinamarca.

Também passou cerca de 10 meses na Inglaterra, onde, por indicação do crítico Leonard Feather, atuou como arranjador da Orquestra da British Broadcasting Corporation – BBC. Em Londres, fez diversas gravações para o selo inglês Vocalion, reunindo a nata dos jazzistas ingleses da época. Durante a temporada na Europa, Carter tocou com músicos do gabarito de Coleman Hawkins, Mezz Mezzrow, Freddy Johnson, Bill Coleman, Django Reinhardt, Stephane Grappelli, George Chisholm e Alix Combelle.

De volta aos Estados Unidos em 1938, Carter trabalhou durante algum tempo com Lionel Hampton e Billie Holliday, até formar uma nova orquestra, que durante três anos se manteve como atração fixa do Savoy Ballroom, no Harlem. Entre os destaques dessa nova big band estavam os trombonistas Vic Dickenson e Tyree Glenn, o trompetista Jonah Jones e o pianista Eddie Heywood.

Seus arranjos eram disputadíssimos e podiam ser ouvidos em gravações de Duke Ellington, Charlie Barnett, Benny Goodman, Jimmy Lunceford, Count Basie, Glenn Miller, Tommy Dorsey, e Gene Krupa. Como compositor, Benny obteve algum reconhecimento graças à versão de “Cow-Cow Boogie”, feita pela cantora Ella Mae Morse, mas seus grandes sucessos seriam gravados pela orquestra de Lionel Hampton, que em 1939 transformou “When Lights Are Low” e “The Mood For Swing” em verdadeiros hits da época. Outros temas de Benny, como “Blues in My Heart”, “Waltzing the Blues” e “Lonesome Nights” também se tornariam clássicos do repertório jazzístico.

Em 1941, Carter desmanchou a sua orquestra e montou um sexteto, integrado por alguns jovens músicos como Kenny Clarke e Dizzy Gillespie, que logo assombrariam o mundo do jazz com uma forma de tocar absolutamente nova e revolucionária chamada bebop. Além disso, trabalhava como arranjador em um programa de rádio chamado “Your Hit Parade”, de grande sucesso na época.

No ano de 1943 Benny partiu para a Califórnia, em busca de novas oportunidades de trabalho. Estabeleceu-se em Hollywood e em pouco tempo montou uma orquestra, por onde passariam grandes nomes como Buddy Rich, Neal Hefti, Gerald Wiggins, Barney Bigard, Al Grey, Lucky Thompson, Gerald Wilson, Snooky Young, Art Pepper, Max Roach e J. J. Johnson. Miles Davis teve uma de suas primeiras oportunidades profissionais naquela big band. Sobre ele, Carter declarou certa vez: “Se alguém me dissesse que aquele jovem quieto e tímido, que tocava o quarto trompete em minha banda, mudaria a história do jazz com sua genialidade eu provavelmente iria rir na cara do sujeito”.

Gravou intensivamente como líder para a Capitol Records a partir da segunda metade dos anos quarenta. Tocou ou escreveu arranjos para gente como Stan Kenton, Red Norvo, Kay Starr, Bobby Troup, Peggy Lee, Sarah Vaughan, Dexter Gordon, Dakota Staton, Erroll Garner, Billy Eckstine, Pearl Bailey, Ray Charles, Maxine Sullivan, Louie Bellson, Carmen McRae, Ella Fitzgerald, Art Tatum, Roy Eldridge, Nat King Cole, Jo Stafford, Ernie Andrews, Wardell Gray, Quincy Jones, Helen Humes, Lou Rawls, Anita O’Day, Louis Armstrong, Artie Shaw, Gene Krupa e Mel Tormé.

Seus discos da época, lançados por selos como Verve, Norgan, Fantasy, Roulette, Contemporary, Keynote, RCA, Audiolab e Swingville, contam com participações de músicos de primeira linha, como André Previn, Oscar Peterson, Ben Webster, Herb Ellis, Arnold Ross, Frank Rosolino, Barney Kessel, Earl Hines, Leroy Vinnegar, Shelly Manne, Jimmy Rowles, Mel Lewis e incontáveis outros.

Carter ajudou a quebrar os nefastos paradigmas raciais que imperavam em Hollywood e foi um dos primeiros músicos negros a compor ou fazer arranjos e direção musical para o cinema e para a televisão. Como arranjador, seu primeiro trabalho foi na trilha sonora do filme “The Gangs All Here”, dirigido pelo célebre coreógrafo Busby Berkeley.

Outro trabalho importante foi em “Stormy Weather”, dirigido por Andrew Stone no mesmo ano. O filme é considerado um marco na história do cinema por ser um dos primeiros musicais a usar um elenco inteiramente composto por atores e cantores negros. Baseado na vida do ator e dançarino Bill Bojangles Robinson, o filme conta com as participações de estrelas como Lena Horne, Cab Calloway e Fats Waller. Além criar os arranjos para a trilha sonora, Benny faz uma ponta, como trompetista de uma das orquestras aparecem na película.

Dentre as trilhas sonoras em que Carter trabalhou, seja como músico, seja como compositor ou arranjador, destacam-se as dos filmes “An American In Paris”, dirigido por Vincent Minnelli em 1951 e estrelado por Gene Kelly e Leslie Caron, “The Snows Of Kilimanjaro”, de 1952 e estrelado por Gregory Peck e Ava Gardner, “Flower Drum Song”, baseada no musical de Richard Rodgers e Lorenz Hart, de 1961, e “The Guns Of Navarone”, também de 1961 e estralado por David Niven, Gregory Peck e Anthony Quinn. Para a TV, Benny compôs trilhas para os seriados “M-Squad”, “Bob Hope's Chrysler Theater”, “Ironside”, “It Takes A Thief” e “The Name of the Game”.

Carter foi um pioneiro na luta contra o racismo não apenas na música e foi um dos primeiros negros a fixar residência nos bairros mais elegantes de Los Angeles, até então território exclusivo dos brancos. Para isso teve, algumas vezes, que recorrer à justiça para fazer valer seus direitos. Quincy Jones, que o considera um dos seus mentores, explica a importância desse pioneirismo: “Benny abriu os olhos dos produtores dos estúdios, que somente então passaram a entender que os negros eram capazes de fazer outras coisas além de cantar blues ou assar churrasco em seus filmes”.

Benny teve uma atuação destacada no sindicato dos músicos de Hollywood, tendo lutado ativamente por melhores condições de trabalho e remuneração dos membros de sua categoria. Também integrou a caravana Jazz at the Philharmonic, do produtor Norman Granz, com quem excursionou e gravou diversos álbuns. Em 1957, talvez por conta do excesso de trabalho, ele sofreu um ataque cardíaco, mas não se abalou. No ano seguinte, já recuperado, acompanhou Billie Holiday em sua apoteótica apresentação no Festival Monterey e no início da década de 60, fez uma longa turnê pela Austrália.

Um dos seus trabalhos mais notáveis foi gravado para a Contemporary naquele período. Trata-se do estupendo “Jazz Giant”, cujo título não poderia ser mais fiel à sua importância. Unindo-se a outros portentos como Ben Webster (sax tenor), Frank Rosolino (trombone), Andre Previn e Jimmy Rowles (piano, sendo que este último atua em apenas uma faixa), Barney Kessel (guitarra), Leroy Vinnegar (contrabaixo) e Shelly Manne (bateria), Carter realiza aqui uma obra de fôlego e um verdadeiro tratado sobre a espontaneidade e a habilidade técnica.

As gravações foram feitas nos dias 11 de junho, 22 de julho e 07 de outubro de 1957 e 21 de abril de 1958. Como faixa de abertura, nada melhor que uma animada versão de “Old Fashioned Love”, de Cecil Mack e James P. Johnson. Uma das convicções mais caras ao saxofonista era a de que o jazz tinha que ser dançável, senão não poderia ser considerado jazz. A interpretação do hepteto é a saborosa confirmação desse entendimento, com direito a uma batida contagiante e atuações antológicas de Carter, Rosolino Previn e Webster.

Em “I'm Coming Virginia” Carter usa o trompete, exibindo a destreza e a inventividade habituais. Dono de recursos técnicos aparentemente inesgotáveis, seu vibrato encharca de lirismo a balada de Donald Heywood e Will Marion Cook. O diálogo com Webster, outro baladeiro extraordinário, é emocionante. Kessel responde à altura, com uma execução das mais delicadas.

“A Walkin' Thing”, é de autoria do líder e compete a Vinnegar introduzir o tema, um blues pulsante e vigoroso, enquanto, aos poucos, os outros instrumentos vão sendo apresentados. Os sopros garantem a pegada robusta e cheia de groove, com destaque para a performance de Rosolino, sensacional. Outro destaque é o piano límpido e sem arestas de Rowles, um dos tesouros mais bem guardados do West Coast jazz.

O clima volta a esquentar em “Blue Lou”, de Edgar Sampson e Irving Mills. Carter dispara suas frases elegantes e confirma o que todo fã de jazz está cansado de saber: ele é um dos três maiores altoístas de todos os tempos (Parker e Hodges compõem o restante do triunvirato, na minha modesta opinião). Kessel, endiabrado, tem aqui uma de suas mais inesquecíveis atuações, conjugando uma velocidade estratosférica a um senso melódico arrasador.

De volta aos loucos anos 20, “Ain't She Sweet” revive os deliciosos tempos do swing. Com uma batida infecciosa, ela apresenta uma formação diferente, sem as presenças de Rosolino e Webster. O líder extrai do sax uma sonoridade próxima à do clarinete e brilha nos improvisos, contagiando os demais parceiros com seu entusiasmo e alegria. A batida fluida e segura de Manne ajuda a dar consistência ao tema e o diálogo entre Previn e Kessel é um dos pontos altos desta faixa.

Outro blues, “How Can You Lose” foi composta por Benny e apresenta o hepteto novamente reunido. Aqui a versatilidade do líder é posta à prova e ele não decepciona. Usando tanto o trompete quanto o sax, Carter elabora discursos melódicos dos mais articulados, com enormes doses de inteligência e criatividade. O solo de Rosolino é rascante, feérico e arrebatador. A guitarra vibrante de Kessel mantém a temperatura elevada e dá um tempero bo dos mais charmosos ao tema.

A acelerada “Blues My Naughty Sweetie Gives To Me” encerra os trabalhos no mesmo altíssimo patamar. Mais uma vez à frente de um quinteto, Benny é uma usina de idéias e uma das vozes mais swingantes de todas as épocas. Kessel e Vinnegar têm uma ótima atuação, tanto na parte rítmica quanto nos discretos solos de cada um, mas é Manne quem rouba a cena, lançando mão de um sem número de recursos e dando à sua iluminada percussão o status de aula magna. Um disco que, sem apelar para lugares comuns, merece como poucos o título de indispensável – como bem disse o crítico Scott Yanow, “a música atemporal deste álbum extrapola as simples categorias de ‘swing’ ou ‘bop’, devendo ser considerada um verdadeiro clássico”.

Carter continuou a fazer das suas nos anos seguintes. Como arranjador e bandleader o seu trabalho pode ser apreciado, em toda a sua grandeza, em dois álbuns altamente recomendáveis. O primeiro deles é “Aspects”, gravado para a Capitol em 1958 e que conta com as participações de instrumentistas do quilate de Shorty Sherock, Pete Candoli, Buddy Collette, Larry Bunker, Shelly Manne, Stu Williamson, Joe Gordon, Frank Rosolino, Plas Johnson, Gerald Wiggins e Barney Kessel.

O segundo, considerado uma verdadeira obra-prima pela crítica especializada, é “Further Definitions”, lançado pela Impulse em 1961, e que tem como destaques as presenças de, entre outros, Ray Brown, Buddy Collette, Teddy Edwards, Jimmy Garrison, Coleman Hawkins, Jo Jones, Dick Katz, Barney Kessel, Mundell, Bill Perkins, Charlie Rouse, Bud Shank, Alvin Stoller e Phil Woods.

Carter parecia se superar não apenas como músico mas também como arranjador. A prova disso são os elogiados arranjos que fez para Peggy Lee no disco “Mink Jazz”, de 1962, até hoje considerado pela crítica um dos melhores da cantora. No ano seguinte, Carter foi indicado ao Grammy de Melhor Arranjador por seu trabalho na faixa “Busted”, incluída no álbum “Ingredients In A Recipe for Soul”, de Ray Charles.

Embora fosse oriundo do swing, Carter soube agregar à sua sonoridade as influências do jazz moderno. Não é por outro motivo que, em 1962, o crítico Whitney Balliett escreveu a seu respeito na revista The New Yorker: “Poucos dos seus contemporâneos continuam a tocar, compor e arranjar do jeito que ele faz e nenhum deles toca tantos instrumentos, arranja ou compõe com tamanha presença de espírito. Carter, de fato, pertence àquele seleto grupo de músicos de jazz que representa o melhor de sua época”.

Outro momento marcante naquela década foi a arrebatadora apresentação no Newport Jazz Festival de 1968, como convidado da orquestra de Dizzy Gillespie, a qual era integrada por, entre outros, Al Bryant, Harold Vick, James Moody, Mike Longo, Carlos “Patato” Valdez e Art Blakey. Nos anos seguintes, o saxofonista seria um entusiasmado embaixador musical, excursionando com freqüência pela Europa, Ásia e Oriente Médio, a convite do Departamento de Estado norte-americano.

De 1970 em diante Carter, esteve presente, como acompanhante, em álbuns de Clark Terry, Ray Brown, Joe Pass, Milt Jackson, Marlene Shaw, Bobby Short, Jay McShann, Ernestine Anderson e muitos outros. Sob a liderança de Zoot Sims foi o responsável pelos arranjos do ótimo “Passion Flower: Zoot Sims Plays Duke Ellington”, de 1979. A partir de 1973 Benny se tornaria um renomado educador musical, inicialmente dando aulas no Baldwin-Wallace College.

Atendendo a um convite do professor Morroe Berger, um apaixonado pelo jazz e seu fã de carteirinha, naquele mesmo ano o saxofonista passou um semestre como professor visitante da Princeton University, ministrando ali uma série de cursos e oficinas. No ano seguinte, foi distinguido com o título de Mestre Honorário por aquela prestigiosa instituição. Berger é o autor do livro “Benny Carter - A Life in American Music”, publicado em 1982, no qual analisa a vida e a carreira do ídolo.

Ao longo dos anos, Benny ainda receberia títulos honoríficos por outras universidades, como a Rutgers University, em 1991, Harvard University, em 1994 e pelo New England Conservatory, em 1998. Aliás, honrarias e premiações são uma especialidade de Carter. Em 1977, foi indicado, na votação da crítica, para o Down Beat Hall of Fame. No mesmo ano, fez uma apresentação consagradora no Festival de Montreux, à frente de um quarteto onde pontuavam o pianista Ray Bryant, o baterista Jimmie Smith e o baixista Niels-Henning Ørsted Pedersen.

Em 1978, o saxofonista foi o convidado de honra nas comemorações do 25º aniversário do Festival de Newport, tendo se apresentado na Casa Branca para o então presidente Jimmy Carter. Em 1980, mais um prêmio de relevo: a American Society of Music Arrangers concedeu-lhe o Golden Score Award.

Além dos inúmeros títulos e homenagens, Carter continuava a trabalhar incansavelmente. Do alto dos seus respeitáveis 78 anos, lançou em 1985, pela Concord, o ótimo “A Gentleman and His Music” do qual participaram feras como o tenorista Scott Hamilton, o guitarrista Ed Bickert, o pianista Gene Harris, o baixista John Clayton, o trompetista Joe Wilder e o baterista Jimmie Smith.

No ano seguinte, de volta à rotina de prêmios, foi a vez da National Endowment For The Arts agraciá-lo com o título de Jazz Master. No ano seguinte, recebeu o Grammy Lifetime Achievement Award, por sua contribuição para o jazz, e ganhou uma estrela com seu nome na Calçada da Fama, em Hollywood. A edição de 1989 do Chicago Jazz Festival prestou uma homenagem ao saxofonista, com um concerto especial onde foram apresentados os temas do álbum “Further Definitions”.

Em 1990, duas das mais importantes publicações voltadas para o jazz – a Down Beat e a Jazz Times International – o elegeram “Jazz Artist of the Year”, ambas em votação da crítica. No ano de 1994, colocou mais um Grammy em sua estante, desta feita na categoria Best Jazz Instrumental Performance pelo álbum “Elegy in Blue”, lançado no ano anterior pela Music Masters.

Quando completou noventa anos, em 1997, Benny ganhou de presente um concerto em sua homenagem, realizado com pompa e circunstância no Hollywood Bowl e cujo mestre de cerimônia foi ninguém menos que Quincy Jones. O show foi conduzido pela Clayton-Hamilton Jazz Orchestra e contou com a participação de astros de diversas gerações, como Phil Woods, Jimmy Heath, Herb Geller, Diana Krall, Kenny Burrell e Nicholas Payton, além da presença do homenageado, que também tocou em algumas músicas.

Além de músico, compositor e arranjador, nos anos 90 Benny acrescentou também o status de produtor musical a seu currículo, tendo produzido alguns discos para o selo Evening Star Records, incluindo veteranos como o trompetista Joe Wilder (“No Greater Love”, 1993) e novatos como o pianista Chris Neville (“From The Greenhouse”, 1992). Naquela gravadora, produziu e co-liderou, ao lado de Phil Woods, o álbum “Another Time, Another Place”, de 1996.

Em 1995, a gravadora Music Masters lançou “The Benny Carter Songbook”, no qual 30 de suas composições mais conhecidas recebem versões cantadas por vocalistas de primeira linha, como Joe Williams, Dianne Reeves, Marlena Shaw, Ruth Brown, Shirley Horn, Diana Krall, Peggy Lee e Bobby Short. O próprio Carter participa do disco, liderando uma banda formada por Warren Vache (cornet), Chris Neville e Gene DiNovi (piano), Steve LaSpina e John Heard (contrabaixo) e Sherman Ferguson e Roy McCurdy (bateria).

No ano seguinte, a vida e a carreira do saxofonista seriam o objeto do documentário “Benny Carter: Symphony In Riffs”, com direção de Harrison Engle. O filme conta com a narração de Burt Lancaster e traz depoimentos de Lena Horne, Quincy Jones, Dizzy Gillespie, André Previn, Ella Mar Morse, Leonard Feather, Clark Terry, Ella Fitzgerald, Stanley Jordan, Clint Eastwood e David Sanborn. Em 2007, como parte das comemorações do centenário do músico, o filme foi relançado, agora em dvd.

Uma de suas gravações mais elogiadas de sua longeva carreira foi feita em 1992, à frente de um grupo all-star intitulado The Rutgers University Orchestra, do qual faziam parte, entre outros, o trombonista Benny Powell, os saxofonistas Loren Schoenberg e Frank Wess, os trompetistas Virgil Jones e Michael Mossman e o baterista Kenny Washington. O concerto foi realizado no dia 11 de agosto, por ocasião do seu 85º aniversário. Lançado em cd pela Music Masters, com o título “Harlem Renaissance”, rendeu a Carter mais uma indicação para o Grammy, agora na categoria “Best Large Jazz Ensemble Performance” daquele ano.

Em 1998, Carter foi homenageado com o Lincoln Center Award for Artistic Excellence. Durante a premiação a Lincoln Center Jazz Orchestra interpretou temas de sua autoria, sendo que o concerto contou com as participações especiais de Wynton Marsalis, Diana Krall e Bobby Short. Naquele mesmo ano, fez a sua última apresentação em público, em um concerto no Catalina Bar & Grill, em Los Angeles. Em 2000 Benny receberia a National Medal of Arts, que lhe foi entregue pelo presidente Bill Clinton, ele próprio um esforçado saxofonista e outro fã confesso.

Até o final da vida, Carter manteve a serenidade e o bom humor. Embora afastado dos palcos e estúdios ele levava uma vida normal e mesmo com mais de 90 anos ainda dirigia o próprio carro. Certa feita, ao fazer a renovação de sua habilitação no departamento de trânsito da Califórnia, ele se submeteu a um teste de visão e foi aprovado sem problemas. Contudo, na hora de assinar um determinado formulário, pôs os óculos e despertou a curiosidade de um dos examinadores, que lhe perguntou: “Espere um momento. Você usa óculos?” Ao que respondeu, matreiro: “Claro! Mas só para leitura”.

O saxofonista sempre guardou uma enorme distância das drogas, que abreviaram a vida e a carreira de tantos músicos de jazz. Mas jamais fez qualquer julgamento moral sobre seus pares e reprovou o modo como Charlie Parker foi retratado no filme “Bird”, de Clint Eastwood. Em uma entrevista, comentou: “Conheci Charlie Parker muito pouco, mas durante o breve período em que convivi com ele percebi que era uma pessoa culta e articulada, bastante curioso acerca da música e da vida. Contudo, parece que o mais importante é retratá-lo como um junkie”.

Benny faleceu em Los Angeles, no Hospital Cedars-Sinai, no dia 12 de julho de 2003. Tinha 95 anos e a causa foi uma bronquite. Casado desde 1979 com Hilma Ollila Arons, o saxofonista influenciou gerações de músicos. Miles Davis, Quincy Jones, Sonny Criss, Art Pepper, Cannonball Adderley, Paul Desmond, Phil Woods, Bud Shank e incontáveis outros. Dono de uma personalidade modesta e reservada, era pouco afeito a badalações e não se achava merecedor do apelido dado pelos colegas ainda no início da carreira: “The King”.

Para ele, o mais importante era se divertir com a música e suas palavras refletem a simplicidade dos verdadeiros sábios: “Eu não sei se o que fiz tem algum valor. Eu tenho apenas dado a minha contribuição e feito o que me propus a fazer, que é me divertir com a música, apreciá-la, executá-la e, sobretudo, ouvi-la. Para minha satisfação, consegui fazer coisas que eu sequer havia imaginado”. Miles Davis é preciso em sua lacônica observação: “As pessoas deveriam ouvir Benny Carter. Ele sozinho vale por uma educação musical completa”.

=======================

Google Analytics