Amigos do jazz + bossa

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O QUE JOÃO BOUÉRES E TADD DAMERON TÊM EM COMUM?


João Bouéres, o Conde de Beckman, é um amigo querido, com quem trabalhei, há alguns séculos, no saudoso Centro de Treinamento do hoje extinto Banco do Estado do Maranhão. Culto e viajado, apreciador da boa música, profundo conhecedor do cinema de todas as épocas e dono de um humor refinadíssimo, foi por seu intermédio que descobri artistas preciosos como Johnny Hartman, Arthur Prysock, Blossom Dearie e incontáveis outros. Na época, costumávamos gravar fitas cassete – para quem não sabe, naqueles tempos pré-diluvianos, não havia ainda gravadores de cd – para ouvir no trabalho (costume que tenho até hoje, devidamente adaptado, graças à tecnologia, para um moderno I-pod).

Tantos anos depois, continuamos amigos e nos falamos periodicamente. É sempre um enorme prazer visitá-lo e olhar, admirado, as suas incontáveis estantes, recheadas de livros, discos e dvds. Quando trabalhamos juntos, o exigente João Bouéres costumava atazanar a vida dos seus pobres subordinados, mandando que datilografássemos, incontáveis vezes, ofícios, memorandos e expedientes. Não havia computador, claro, e tudo o que não estivesse impecável tinha que ser refeito tantas vezes quanto fosse necessário.

Conversávamos bastante e certa feita ele me contou que minha mãe havia sido a responsável por ele não haver seguido a carreira na medicina. Antes de contar a história propriamente dita, é necessário dizer que em meados dos anos 60, minha mãe veio trabalhar como médica na Grande Pinheiro, a Princesa da Baixada. Aqui conheceu meu pai, casaram-se e tiveram três filhos maravilhosos, inclusive este escriba que vos fala. Muito bem! Apesar de ser ginecologista e obstetra, mamãe tinha que fazer todo tipo de atendimento, incluindo cirurgias de toda espécie.

O Condado de Beckman, onde nasceu e se criou João, é uma aprazível cidadezinha, próxima à Grande Pinheiro. Sabendo, por intermédio de amigos comuns, que havia uma médica na cidade e desejoso de seguir carreira na medicina, ele, então um jovem na casa dos 18 anos, procurou mamãe para conversar sobre as perspectivas da carreira, sobre as especialidades da medicina e quejandos. Naquele dia, mamãe deveria fazer uma cirurgia radical – a amputação da perna gangrenada de um sujeito – e o bravo João pediu para assistir à “operação”, como se dizia na época. Pensando estar ajudando aquele futuro médico, mamãe concordou e foram todos para a sala de cirurgia – mamãe, João e uma enfermeira.

Resumo da ópera: na hora em que começou a ser feita a amputação e o sangue começou a jorrar com abundância, o até então destemido João desmaiou. Mamãe teve, então, que se dividir entre a cirurgia e o atendimento a seu pretenso assistente. Nem é preciso dizer que nosso herói desistiu da carreira médica e o Maranhão ganhou um brilhante economista. João sempre conta essa história às gargalhadas e até hoje mamãe se lembra do episódio ocorrido há mais de quarenta anos.

O leitor que teve a paciência de acompanhar o relato até agora há de se perguntar, como no título do post: mas, afinal de contas, o que João Bouéres e Tadd Dameron têm mesmo em comum? Ora, todo fã de jazz sabe que Dameron foi um dos precursores do bebop e um dos primeiros pianistas a dominar o idioma. O que pouca gente sabe é que ele – sem muita convicção e apenas para realizar o grande sonho da mãe – começou a cursar medicina, embora sua paixão fosse mesmo a música. Contudo, da mesma forma que aconteceu com meu amigo Bouéres, desistiu para sempre da carreira médica após assistir, ainda no início do curso, à amputação de um braço.

Não se sabe se o pianista chegou a desmaiar na sala de cirurgia vendo a cena. O que se sabe é que ele desistiu do curso, os Estados Unidos perderam um médico que tinha medo de sangue e o mundo do jazz ganhou um dos seus mais reverenciados e brilhantes compositores e arranjadores. Tanto em um caso como no outro, penso que as trocas foram muito bem-sucedidas! Sobre Dameron, nascido em Cleveland, Ohio, no dia 21 de fevereiro de 1917, diga-se que seu nome de batismo era Tadley Ewing Peake e seus pais eram Isaiah e Ruth Peake. Os pais se separaram pouco depois e a mãe se casou novamente, desta feita com Adolphus Dameron, proprietário de um restaurante em Cleveland. Por esta razão, Tadd e seu irmão mais velho, Caesar, adotaram o nome do padrasto.

Tanto Isaiah quanto Ruth tocavam piano e Caesar se tornaria saxofonista profissional, trabalhando em Chicago e Nova Iorque. Embora estimulasse a carreira de Ceaser na música e até lhe tivesse presenteado com um saxofone, Ruth tinha outros planos para o pequeno Tadd: queria que o garoto fosse médico. Apesar da resistência materna, Ceasar costumava ensinar os rudimentos do piano ao caçula, que, aproveitando da ausência da mãe, costumava praticar no instrumento que havia na casa. Além disso, os jovens Damerons costumavam ouvir big bands como as de Fletcher Henderson, Duke Ellington e a Casa Loma Orchestra, nascendo aí uma verdadeira paixão pelo jazz.

Tadd somente viria a ter um contato mais próximo com a educação formal quando recebeu aulas do pianista Louis Bolden, um amigo do seu irmão, entre 1932 e 1933. Foi a primeira vez que o garoto ouviu falar em acordes, harmonias, partituras e assemelhados. Algum tempo depois, começou a tocar esporadicamente com a banda do trompetista Freddie Webster e chegou a substituir o pianista titular em algumas excursões do grupo. Não que fosse um virtuose. Ao contrário, naquela época, o futuro arranjador conseguia ser um acompanhante razoável, mas não tinha nenhuma aptidão para solar.

De qualquer modo, essa convivência reforçou seus laços com o meio musical. Em meados dos anos 30, Dameron foi aceito no prestigioso Oberlin College, a fim de dar início ao tão desejado (pela mãe, é claro) curso de medicina. Como já foi dito, o resultado não poderia ser mais decepcionante e o pianista trocou o curso de medicina pelo de música, na mesma universidade. O conservatório do Oberlin College é reconhecido como um dos mais importantes dos Estados Unidos e Tadd ali se sentiu à vontade. Suas grandes influências eram, então, George Gershwin e Duke Ellington.

Quando estava no segundo ano, substituiu o pianista Clyde Hart na banda da cantora Blanche Calloway, irmã de Cab Calloway, um dos mais festejados bandleaders da Era do Swing. Dameron excursionou por algum tempo com Blanche e isso foi a desculpa perfeita para que o pianista abandonasse, em definitivo, a faculdade. Algum tempo depois, substituiu Sy Oliver na orquestra de Zack White e ali descobriu sua paixão pelos arranjos e pela composição. Na verdade, o seu primeiro arranjo foi uma versão de “I Let a Song Go Out of My Heart”, para uma orquestra de Cleveland, chamada James Jeter And Hayes Pillars, mas o resultado não foi dos mais animadores.

Pouco mais tarde e já com alguma visibilidade no meio musical e muito mais experiência em escrever arranjos, Dameron foi contratado como arranjador da orquestra do saxofonista Vido Musso, estabelecendo-se em Chicago. A parceria durou pouco tempo e Dameron foi dispensado do grupo, retornando para Cleveland. Na cidade natal, montou uma banda com o irmão e datam dessa época algumas de suas composições mais conhecidas, como “Good Bait” e “Stay On It”, que mais tarde seriam gravadas por Count Basie. Tadd também compôs jingles publicitários e um deles, a inacreditável “You'd Better Get Wildroot Cream Oil, Charlie”, era cantado por ninguém menos que Nat King Cole.

Em 1940, Harlan Leonard contratou Dameron para escrever os arranjos da sua orquestra, baseada em Kansas City, para onde o pianista acabou se mudando. Dois fatos marcaram a carreira do músico, durante o período em que esteve com Leonard: participou de suas primeiras gravações, para a gravadora RCA Victor, e conheceu, em 1941, uma espécie de alma gêmea musical, o saxofonista Charlie Parker, que então atuava na orquestra de Jay McShann.

A afinidade musical foi instantânea e os dois se tornaram grandes amigos. A esposa de Dameron, Mia, era uma excelente cozinheira e Parker costumava visitar a casa da família com regularidade. Os dois logo se punham a tocar e, via de regra, sempre aparecia alguém para bater na porta dos Damerons. O preocupado Tadd ia atender e logo engatilhava um pedido de desculpas: “Por favor, perdoe se estivermos tocando muito alto”. A resposta dos vizinhos, invariavelmente, era: “De forma alguma. Queremos apenas que você deixe a porta aberta, para que nós possamos ouvir o que vocês estão tocando”.

Em 1942, foi contratado por Jimmie Lunceford para elaborar os arranjos de sua orquestra, uma das mais populares dos Estados Unidos. Dameron se mudou para Nova Iorque e trabalhava exclusivamente como arranjador, com direito a uma sala no escritório do agente de Lunceford, Harold Oxley. O pianista sequer viajava com a banda, participando apenas dos ensaios, mas a vida na Grande maçã lhe permitiu travar um convívio mais estreito com os jovens boppers que estavam reescrevendo a história do jazz. Logo, logo, fez amizade com Thelonious Monk, Buddy Powell, Kenny Clarke, Mary Lou Williams e Dizzy Gillespie e costumava freqüentar as animadas sessões do Minton’s Playhouse.

Comprovando a veracidade da frase “o primeiro solo a gente nunca esquece”, Tadd contou ao crítico Ira Gitler que nessa época conseguiu superar a sua notória incapacidade de solar. O fato ocorreu durante uma temporada de Dizzy Gillespie no Onyx Club, cuja banda era integrada, simplesmente, por Oscar Pettiford, Don Byas, George Wallington e Max Roach. Numa noite em que Wallington não poderia tocar, Byas convidou o amigo Dameron para se apresentar com o conjunto. Receoso quanto às próprias habilidades, o pianista concordou, sob uma condição: somente faria o acompanhamento e não solaria.

Trato feito, os dois rumaram para o clube, mas ali, empolgado pelo clima que emanava do palco e contagiava a platéia, Dameron não se conteve e quebrou, ele próprio, os termos do acordo que havia proposto. O efeito foi tão positivo que alguns anos mais tarde, em 1948, Dameron venceria um concurso de melhor pianista, promovido pelo crítico Leonard Feather, em seu programa de rádio. O grande Stan Kenton abocanharia o segundo lugar.

Já estabelecido como arranjador de renome, Tadd trabalhou para músicos como o próprio Gillespie (que grvaria sua composição “Our Delight”), Coleman Hawkins, Georgie Auld e Benny Goodman e para cantores como Babs Gonzáles, Sarah Vaughan e Billy Eckstine, em cuja orquestra reencontrou o velho amigo Charlie Parker. Foi em 1946 que Dameron compôs a sua obra prima, “If You Could See Me Now”, que recebeu letra de Carl Sigman e foi oferecida a Sarah Vaughan, cuja gravação foi um sucesso absoluto. A música, posteriormente, seria gravada por grandes nomes do jazz, como Mel Tormé, Wes Montgomery, Joe Lovano, Biil Evans, Yusef Lateef, Chet Baker, Gil Evans, Scott Hamilton e muitos mais.

Co-liderou, com Allen Eager e Fats Navarro, um sexteto que era atração nas noites do clube Royal Roost, em Nova Iorque. As gravações da parceria Dameron-Navarro, para selos como Dial, Capitol, Savoy e Blue Note, são consideradas um dos pontos altos do desenvolvimento do bebop. Pelos conjuntos liderados por Dameron, que costumavam a se apresentar em clubes como o Birdland, o Onix, o Three Deuces e o Famous Door, passariam músicos de primeira linha, como Charlie Rouse, Ernie Henry, Kenny Clarke, Dexter Gordon, Stan Levey, Art Blakey, Kay Winding, Cecil Payne, Wardell Gray, Sahib Shihab, Curly Russell, Sonny Rollins, Nelson Boyd, Shadow Wilson e muitos outros.

Em 1947, foi eleito arranjador do ano da revista Esquire, na votação da crítica e em 1948 compôs, para Dizzy Gillespie, uma peça orquestral denominada “Soulphony”, com a qual o trompetista se apresentou no prestigioso Carnegie Hall. No ano seguinte, acompanhou Miles Davis em uma excursão à Europa, a fim de se apresentar no Paris Jazz Festival. Dameron estendeu a temporada européia por alguns meses e aproveitou para fazer arranjos para Ted Heath, um dos mais renomados e populares bandleaders da Inglaterra.

De volta aos Estados Unidos, trabalhou brevemente com o clarinetista Artie Shaw, até ser contratado pelo saxofonista Benjamin Clarence “Bull Moose” Jackson, com quem trabalharia nos anos de 1951 e 1952. Naquela orquestra, Dameron conheceu o saxofonista Benny Golson, de quem se tornaria amigo e mentor. Quando resolveu se dedicar, exclusivamente, a seus próprios grupos, deixou a orquestra de Bull Moose e levou consigo o aprendiz Golson. Arregimentou um exército de jovens músicos – o baterista Philly Joe Jones, o baixista Jimmie Merritt e o trompetista Johnny Coles – e foi à luta.

Coube a Dameron a honra de “descobrir” Clifford Brown, que substituiu Johnny Coles em seu conjunto, em 1953. Apesar de ser enormemente respeitado como compositor e arranjador, Dameron tem uma discografia bastante modesta, do ponto de vista quantitativo. O primeiro álbum solo foi “A Study In Dameronia”, gravado em 1953 e atualmente fora de catálogo, onde Brown divide o trompete com o grande Idrees Sulieman. O elogiadíssimo “Fontainebleau” foi gravado em 1956, para a Prestige, e apresenta o pianista à frente de um octeto integrado por Kenny Dorham, Henry Coker, Sahib Shihab, Joe Alexander, Cecil Payne, John Simmons e Shadow Wilson.

Não obstante a qualidade desses álbuns, creio ser “Mating Call” o ponto alto da carreira fonográfica de Dameron. Contando com o apoio de uma banda soberba (John Contrane no sax tenor, John Simmons no contrabaixo e Philly Joe Jones na bateria), Dameron apresenta seis de suas mais fabulosas composições, em arranjos ricamente concebidos por ele mesmo. As gravações, mais uma vez para a Prestige, foram feitas em sessão única, no dia 30 de novembro de 1956, com produção de Bob Weinstock e engenharia do mago Rudy Van Gelder.

Abrindo os trabalhos, a faixa que dá nome ao disco é um bebop eletrizante, com uma estrutura hipnótica. Coltrane é uma força da natureza, dono de um impulso criativo inesgotável. Seus solos são uma poderosa combinação de inteligência, destreza e articulação. Dameron explora a intensidade do blues em seu toque, com a utilização freqüente das notas mais graves no acompanhamento, mas faz discretas citações à música latina. Seus solos são elegantes e, embora não tenham a mesma capacidade incendiária de um Bud Powell, empolgam o ouvinte. Jones é uma usina de ritmo e precisão e seu trabalho com os pratos é exemplar.

A sofisticada “Gnid” é herdeira direta das baladas dos anos 30, com vestígios do swing e ecos da influência de Duke Ellington. Construída em um tempo médio, seu ritmo contagiante desperta o desejo de dançar de rosto colado. A performance de Coltrane é, como de hábito, esplendorosa, e o arranjo de Dameron, impecável em sua discrição, dá amplo espaço ao saxofonista. Ele consegue desvendar todos os segredos no sax tenor, nos fazendo crer que tocar o instrumento é a coisa mais simples do mundo, indo do grave ao agudo em fração de segundos.

Outra balada, “Soultrane” é bastante introspectiva, quase sombria. A classe de Dameron transborda tanto na execução quanto na atmosfera orquestral que ele consegue imprimir ao tema. O lirismo de Coltrane, prolongando as notas como se fosse um lamento, é um dos momentos mais emocionantes do álbum. Também merece destaque a atuação segura de Simmons.

Baseada na melodia de “September In The Rain”, “On a Misty Night” é outro momento luminoso, com uma nítida influência de Tin Pan Alley, o célebre beco que congregava as editoras musicais de Nova Iorque e que deu ao mundo gênios como Irving Berlin, Hoagy Carmichael, Dorothy Fields, Nacio Herb Brown, Andy Razaf, Harry Earren, Johnny Mercer e incontáveis outros. O quarteto irradia emotividade e chama a atenção o quanto a composição soa moderna, sugerindo caminhos que somente muitos anos depois seriam trilhados pela música pop sofisticada de gente como Sade Adu ou Basia. É, provavelmente, a mais cosmopolita do álbum e a demonstração mais cabal de que o jazz pode interagir com outros estilos sem fazer a mínima concessão à vulgaridade.

“Romas” é um blues ortodoxo, onde encontramos um Simmons particularmente inspirado, dando ao tema um elevado senso de profundidade e coesão. Coltrane transita pelas obscuras vielas do blues com enorme autoridade, como se tivesse nascido no Delta do Mississipi. “Super Jet” é o tema mais energética do álbum, com direito a uma atuação vulcânico de Jones. É um bebop devastador, com harmonias entrecortadas, lembrando a sinuosidade de um Thelonious Monk. A performance de Coltrane é nada menos que estupenda e aqui Dameron tem a sua participação mais discreta, deixando os solos a cargo do saxofonista e do baterista. Um álbum para ser ouvido e reouvido sempre, cujo frescor se renova a cada audição.

Infelizmente, tal como ocorreu com muitos músicos da primeira geração do bebop, especialmente Bud Powell e Charlie Parker, Tadd teve uma conturbada relação com as drogas. Preso no dia 17 de janeiro de 1958, por porte de heroína, foi condenado a cumprir pena na prisão federal de Lexington, Kentucky, onde ficou de abril de 1958 a junho de 1961. No presídio, Tadd arregimentou alguns músicos que também cumpriam pena ali e escrevia composições e arranjos para a orquestra, que incluía, entre outros, nomes como Dupree Bolton, Red Rodney, Idriss Sulieman, Tony Fruscella, Benny Powell, Art Pepper, Frank Morgan, Cecil Payne, Arnold Ross e Henry Grimes.

O regime era semi-aberto, o que permitia que Dameron também trabalhasse fora do presídio e durante muito tempo, ele foi cozinheiro da família do engenheiro James Crawford. Apaixonado por jazz, Crawford permitia que Dameron usasse o piano de sua residência e escrevesse ali os arranjos para a orquestra de Lexington. Após o cumprimento da pena, o pianista retornou para Nova Iorque mas manteve, até o fim da vida, a amizade e uma intensa troca de correspondências com os Crawfords.

Livre da prisão, foi contratado pelo produtor Orin Keepnews para escrever os arranjos do álbum “Smooth As The Wind”, do trompetista Blue Mitchell, lançado pela Riverside. Seguiram-se trabalhos com Milt Jackson, Sonny Stitt, Tony Bennett e Sarah Vaughan. Merece destaque a elaboração dos arranjos para a banda de Benny Goodman, que então empreenderia uma histórica visita à então impenetrável União Soviética.

O único álbum gravado em seu nome, após a saída de Lexington, “The Magic Touch Of Tadd Dameron” (Riverside, 1962), foi bastante elogiado pela crítica, mas teve vendas pouco expressivas. Uma injustiça sem tamanho, eis que se trata de um dos melhores álbuns daquela década e, dentre os músicos que atuam ali, destacam-se Clark Terry, Charlie Shavers, Joe Wilder, Jimmy Cleveland, Britt Woodman, Julius Watkins, Jerry Dodgion, Jerome Richardson, Johnny Griffin, Bill Evans, Ron Carter e George Duvivier.

O pianista se sentia solitário e injustiçado. Costumava dizer que era o músico mais mal compreendido da história do jazz. Um dos poucos amigos que costumava visitá-lo com freqüência era o trompetista Chet Baker. Além disso, o uso prolongado das drogas e a saúde frágil começavam a cobrar seu tributo. Hospitalizado várias vezes ao longo dos anos 60 e com problemas financeiros, Tadd foi visto em público pela última vez no dia 08 de novembro de 1964, em um concerto organizado pelo velho amigo Babs Gonzáles no clube Five Spot.

Dameron faleceu no dia 08 de março de 1965, após uma longa batalha contra o câncer. O jazz perdeu um dos seus mais talentosos arranjadores e compositor de preciosidades como “Hot House”, “Good Bait”, “Tadd's Delight” ou “Lady Bird”, que permanecem até hoje como clássicos do repertório jazzístico. Sua importância é louvada por músicos de diversas gerações, sobretudo arranjadores – Gigi Grice, Bill Holman, Jimmy Heath, Gerry Mulligan, Benny Golson – que sempre viram nele uma influência capital. Os faz do jazz aguardam, ansiosamente, pelo dia em que Dameron deixe de ser “o músico mais mal compreendido da história do jazz” e venha a ser reconhecido pelo público em toda a sua grandeza.

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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

UM PÉ NA TRADIÇÃO, OUTRO NA MODERNIDADE


Charles Elsworth Russell nasceu no dia 27 de março de 1906, em Maplewood, cidadezinha próxima a Saint Louis, no estado do Missouri. Filho de Charles e Ella Ballard Russell, o garoto se mudou, com a família, para Muskogee, Oklahoma, cidade natal do lendário pianista Jay McShann, onde recebeu as primeiras lições de piano e violino. Mais tarde, prosseguiria os estudos na Western Military Academy e na Missouri University, esta última em St. Louis.

Na adolescência, dedicou-se ao saxofone e ao clarinete – e foi graças a este último que inscreveu seu nome entre os grandes nomes do jazz de todas as épocas. Sua primeira influência foi o clarinetista Alcide “Yellow” Nuñez, líder da Original Dixieland Jazz Band. Seu pai o havia levado a uma apresentação da banda e o garoto se encantou com a técnica e a habilidade do clarinetista.

Com apenas 14 anos, Russell já tocava profissionalmente, primeiro a bordo dos célebres “riverboats” que cruzavam o Mississipi. Por causa de sua constituição franzina, recebeu dos colegas o apelido “Pee Wee”, que logo incorporou ao nome. Em 1920, a família retornou a Saint Louis, e ali Russell recebeu aulas do clarinetista Charlie Merrill, que o apresentou tanto à grande canção americana, que então estava sendo feita por gente como Irving Berlin, Oscar Hammerstein II e Vincent Youmans, quanto ao popularíssimo bourbon, o uísque de milho característico da terra de Tio Sam.

No ano seguinte, ingressou na Western Military Academy, em Alton, Illinois, mas não se adaptou aos rigores da educação militar e logo retornou ao jazz. A partir daí, conheceu e pôde trabalhar com vários precursores do estilo, como os clarinetistas Leon Ropollo (líder da New Orleans Rhythm Kings) e Larry Shields (substituto de Alcide “Yellow” Nuñez na Original Dixieland Jazz Band), o pianista “Peck” Kelley e o trombonista Jack Teagarden.

Atuou como freelancer durante algum tempo até que, em 1923, uniu-se à banda de Herbert Berger, com quem viajou até o México e excursionou por diversos estados norte-americanos, como Califórnia, Arizona e Texas. Ao lado de Berger, Russell participou, no ano seguinte, de suas primeiras gravações, feitas precariamente em Saint Louis. Em seguida, atuou brevemente na banda de Floyd Robinson.

Em 1924, decidiu fixar-se em Chicago e ali conheceu uma verdadeira confraria de jovens músicos de jazz, quase todos brancos e de classe média, como Frank Trumbauer, Eddie Lang, Mezz Mezzrow, Bix Beiderbecke, Eddie Condon, Dave Tough e Red Nichols. Essa turma se reunia para assistir aos concertos de King Oliver e do seu jovem protegido, um trompetista de New Orleans chamado Louis Armstrong.

Além desses músicos já consagrados, a cena local era enriquecida por uma plêiade de aspirantes a músico, como Jim Lannigan, os irmãos Dick e Jimmy McPartland, Dave North, Bud Freeman e Frank Teschemacher. Todos eram garotos de classe média, com idades entre 14 e 17 anos, e alunos da Austin High School. Não é por outra razão que a banda que montaram, ainda na escola, recebeu o nome de The Austin High School Gang, e a paixão pelo jazz os mantinha unidos.

Segundo o pesquisador Mário Jorge Jaques, “a banda tocava no Lewis Institute e a tarde era chamada de ‘tea dances’ (chá dançante), no mesmo modelo daquelas ocorridas na Austin School. Cada um recebia em torno de 50 cents pela tarde. (...) Um dos maiores sucessos era uma peça hoje tradicional do dixieland ― Jazz Me Blues (Tom Delaney) e algumas do repertório dos New Orleans Rhythm Kings. Um dos fatores que sempre deixavam os ouvintes intrigados era a ausência de partituras; vez por outra passavam um pequeno papel que continha a harmonia base e o número de choruses dos solos, e nada mais. Liam, colocavam de lado e saíam tocando.”

Num ambiente tão estimulante quanto esse, Russell não encontrou maiores dificuldades em fazer amizades e criar reputação como sólido instrumentista. Sua maior influência ao clarinete passou a ser o extraordinário Johnny Dodds, um dos pilares dos grupos de King Oliver e, posteriormente, de Louis Armstrong. Naquela época, um garoto judeu de apenas 15, filho de uma família pobre e também fã de Dodds, começava a assombrar o meio musical de Chicago com seu talento. Seu nome: Benjamin David Goodman. No futuro, Benny Goodman e Pee Wee Russell se tornariam amigos e chegariam a tocar juntos diversas vezes.

Em 1925, Pee Wee foi contratado pelo saxofonista Frankie Trumbauer para ingressar em sua banda, cujo maior destaque individual era o extraordinário Bix Beiderbecke. Russell e Beiderbecke, que já se conheciam de gigs na chamada Windy City, se tornaram amigos inseparáveis. O tempo livre era reservado à bebida, às mulheres e aos discos de música clássica, paixões comuns aos dois músicos. O grupo passou uma longa temporada em Hudson Lake, Indiana, com enorme sucesso de público e shows lotados todas as noites.

No ano seguinte, Russell juntou-se à banda de Jean Goldkette e em 1927, nova mudança, desta feita para Nova Iorque, que despontava então como a capital mundial do jazz, superando em importância as pioneiras New Orleans e Chicago. Ali, uniu-se ao conjunto de Red Nichols e passou a chamar a atenção do público e da crítica especializada para a originalidade de seu toque. Nichols comandava os Five Pennies, supergrupo que incluía em seus quadros os trombonistas Glenn Miller e Jack Teagarden, o saxofonista Bud Freeman e o guitarrista Eddie Condon e além do clarinete, Russell tocava clarone e saxofones soprano, alto e tenor.

Emérito improvisador e melodista fabuloso, Russell não demorou a ser reconhecido como um dos maiores nomes do seu instrumento. Sobre a sua maneira bastante própria de tocar, certa feita comentou com o crítico Whitney Balliett: “Você tem que executar cada solo como se fosse a última vez na vida. Você tem que saber quais as notas que vai usar e quando vai usá-las e esse é o segredo. Você pode fazer uma frase especial, usando uma única nota. Às vezes eu pulo o acorde teoricamente correto e uso um que parece errado para o cara ao lado, mas eu sei que esse acorde é o certo para mim”.

Em 1935, o clarinetista era um dos integrantes da banda de Louis Prima, que se apresentava habitualmente no clube Famous Door, na Rua 52, e lançava álbuns de grande sucesso, pela gravadora Brunswick. A banda de Prima chegou até a participar, em Hollywood, de alguns filmes para a Paramount e a Vitaphone, mas sem grande repercussão. Em 1937 o clarinetista retornou a Chicago, onde se uniu aos Parker’s Playboys.

No final daquele ano, voltou a Nova Iorque, onde formou uma banda de dixieland ao lado de Red McKenzie. No ano seguinte, entrou para a orquestra de Bobby Hackett e, algum tempo depois, foi tocar com a banda de Bud Freeman, curiosamente chamada de “Summa Cum Laude Band” e que era atração fixa do clube Nick’s, no Greenwich Village. Graças a uma matéria na revista Life, enfocando a big band de Hackett e que incluía muitas fotos de Russell, o clarinetista virou uma espécie de celebridade em Nova Iorque. A notoriedade repentina lhe rendeu um contrato de publicidade com a C. G. Conn, conhecida fabricante de instrumentos musicais.

Um dos momentos mais memoráveis da carreira de Russell foi acompanhar o infatigável Fats Waller em sua estréia no sisudo Carnegie Hall, em 1942. Consolidou-se, ao longo dos anos 30 e 40, como uma das vozes mais originais do clarinete, rivalizando em capacidade técnica e inventividade com monstros do quilate de Artie Shaw, Benny Goodman e Edmond Hall. Ao lado de Eddie Condon, costumava a se apresentar em programas de rádio transmitidos diretamente do palco do New York's Town Hall, nos anos de 1944 e 1945.

Dentre os músicos com quem tocou, seja como líder, seja como sideman, destacam-se Fats Waller, Red Allen, Edmond Hall, Buster Bailey, Vic Dickenson, Hoagy Carmichael, Jack Teagarden, Miles Davis, Adrian Rollini, Earl Hines, Billy Banks, Teddy Wilson, Buck Clayton, Art Hodes, Rubby Braff, Max Kaminsky, Miff Mole, Wild Bill Davidson, George Brunis, Lee Wiley, Bud Freeman, James P. Johnson, “Hot Lips” Page, Nat Pierce, Muggsy Spanier, Sidney Bechet, Bing Crosby, George Wettling, Charlie Shavers, Bob Brookmeyer, Milt Hinton, Jo Jones, Coleman Hawkins, Jimmy Giuffre, Gene Krupa e muitos mais.

Russell passou boa parte dos anos 30 e 40 como músico de confiança da gravadora Commodore e, ao longo da prolífica carreira, abocanhou inúmeros prêmios de revistas especializadas, como a “Down Beat” e a “Metronome”, como melhor clarinetista. Como líder, gravou para diversos selos, como Milestone, Atlantic, Columbia, Candid, Storyville, Savoy, Xanadu e Verve. Entre os seus inúmeros seguidores, podemos citar alguns dos mais importantes clarinetistas de toda a história do jazz, como Buddy DeFranco, Tony Scott, Kenny Davern e Jimmy Giuffre.

A carreira foi brevemente interrompida entre 1951 e 1953, quando esteve gravemente doente, por conta de problemas ligados ao excesso de álcool. Os médicos diagnosticaram uma pancreatite e o músico passou por uma situação bastante delicada, inclusive do ponto de vista financeiro. Amigos como Louis Armstrong, Jack Teagarden, Eddie Condon, Art Hodes e outros realizaram um concerto beneficente, cuja renda foi usada na recuperação do clarinetista, que na época chegou a pesar 40 quilos.

A fim de convalescer, fixou-se na tranqüila San Francisco, mas logo voltou à ativa, participando de gravações, concertos e festivais importantes como os de Newport e Monterey. Morou em Denver, Colorado, durante algum tempo, onde liderou um pequeno conjunto. Em seguida, juntou-se ao grupo do cornetista Rubby Braff, por sugestão do produtor George Wein, amigo pessoal dos dois. Em 1955, participou do programa televisivo The Sound of Jazz, produzido pela rede CBS e apresentado por John Crosby, no qual se apresentou ao lado de Jimmy Giuffre, em um formidável dueto de clarinetes.

No início dos anos 60, excursionou pela Europa, Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Japão, onde se apresentou ao lado do velho parceiro Eddie Condon, em 1964. Um dos destaques da banda Eddie Condon’s All-Stars era George Wein, que além de produtor também era um ótimo pianista. Em 1963, Russell causou furor na edição do festival de Newport, ao se apresentar juntamente com o extraordinário Thelonius Monk.

A exemplo do amigo Coleman Hawkins, Russell jamais manteve uma postura sectária em relação às novas escolas do jazz que foram surgindo a partir dos anos 40. Embora historicamente esteja ligado ao jazz tradicional e ao swing, sua versatilidade e sua disposição para abraçar o novo o colocam, certamente, entre os mais criativos clarinetistas do chamado jazz moderno, tendo gravado composições de artistas considerados revolucionários, como John Coltrane, Thelonius Monk e até mesmo o impenetrável Ornette Coleman, considerado o pai do free jazz.

À frente de um quarteto pianoless, integrado pelo trombonista Marshall Brown (que toca trompete baixo em algumas faixas), do contrabaixista Russell George e do baterista Ronnie Bedford, Russell gravou o estupendo “Ask Me Now!”, para a Impulse, sob a produção de George Avakian. As gravações ocorreram nos dias 09 e 10 de abril de 1963, em Nova Iorque. O blues “Turnaround”, de Ornette Coleman, é a faixa de abertura. Sua estrutura simples contraria a idéia que se tem do autor, de um músico excessivamente cerebral e quase inacessível, e concede um amplo espaço para o som aveludado e festivo de Russell. Destaque para o excelente trabalho do baterista Bedford, um craque com as escovas.

Gema pouco conhecida de Irving Berlin, “How About Me?” reproduz a alegria irresponsável dos loucos anos 20. Russell possui uma abordagem muito pessoal, com uma sonoridade peculiar – é quase como se o clarinete imitasse a voz humana. O formidável solo de George, uma perfeita combinação de destreza e sobriedade, é um dos pontos altos dessa faixa.

“Ask Me Now!” é o primeiro dos dois temas de Monk incluídos no álbum. Russell demonstra especial predileção pela obra do compositor, tanto que já havia incluído uma belíssima versão de “Round Midnight” em seu disco “New Groove”, de 1962. É uma balada soturna, quase lamentosa, mas de uma beleza enternecedora, onde não se ouvem as dissonâncias típicas da obra monkiana. A performance do líder é de um lirismo de de uma delicadeza comoventes, como se acariciasse os tímpanos do ouvinte

“Some Other Blues” é uma composição de John Coltrane, mais que assentada na tradição bop. Marshall esgrime seu trombone com ferocidade e o baterista mostra que também sabe percutir com o vigor de um Elvin Jones. Embora costume ser associado, cronologicamente, às formas mais tradicionais do jazz, Russell tem o mais absoluto domínio dos cânanes do bebop e do hard bop, soando tão contemporâneo quanto um Jimmy Giuffre, paradigma de modernidade e ousadia no clarinete.

Em outro tema que apela à emotividade, o quarteto expõe a alma na belíssima “I'd Climb the Highest Mountain”, balada de Lew Brown e Sidney Clare e que na década de 20 havia sido grande sucesso na voz de Al Jolson. A surpreendente “Licorice Stick”, composta por Brown, é uma espécis de blues subversivo, que flerta, muito remotamente, com a atonalidade característica do free jazz e, ao mesmo tempo, incorpora em sua estrutura alguns elementos do dixieland e do swing. Cheia de idas e vindas e com um riff hipnótico, é, certamente, a mais rica do álbum, do ponto de vista harmônico e a sessão rítmica está particularmente inspirada, ancorando com bastante firmeza os vôos de Brown e Russell.

Duke Ellington também está presente, com a sua maravilhosa “Prelude To A Kiss”, parceria com Irving Mills e Irving Gordon. A execução do quarteto é sóbria e desprovida de arabescos sonoros. Aqui a melodia é o mais importante e cada nota ou acorde soa, exatamente, como se tivesse sido milimetricamente ajustada por um caprichoso ourives.

“Baby, You Can Count On Me” é um blues de autoria de Freddie Stewart, gravado anteriormente por Charlie Barnett, Bing Crosby e Peggy Lee. Com um pé no dixieland, essa faixa despretensiosa e animada poderia, tranqüilamente, ser tocada em um daqueles célebres funerais de New Orleans. A atuação do baixista é notável e tanto Russell quanto Brown estão bastante inspirados, dialogando com argúcia e muito bom-humor.

“Hackensack” é mais fiel às bruxarias harmônicas de Monk. Sinuosa, dissonante, cheia de intervalos e notas quebradiças, é um desafio e tanto às habilidades de qualquer músico. Felizmente, tem-se aqui uma reunião de talentos de primeira linha e o que poderia ser uma tarefa inglória para instrumentistas menos hábeis, se revela um verdadeiro deleite auditivo, com direito a uma atuação impecável de Brown.

“Angel Eyes”, de Earl K. Brent e Matt Dennis, é uma balada sombria, ideal para os ambientes enfumaçados e madrugadas regadas a uísque. A sonoridade de Brown é encorpada, enfatizando as desventuras amorosas narradas na letra nada otimista. Encerrando o disco, “Calypso Walk”, de autoria de Brown, é quase uma vinheta, com seus pouco mais de dois minutos de percussão caliente e enorme proximidade com os ritmos caribenhos. Um álbum verdadeiramente sedutor, que agradará tanto aos tradicionalistas quanto aos adeptos do jazz moderno.

Grande apreciador da arte do clarinetista, o mestre Pedro Apóstolo Cardoso explica, em poucas palavras, os motivos pelos quais Pee Wee é tão reverenciado por seus pares e até hoje tido como figura seminal do clarinete jazzístico:

“A sonoridade de seu clarinete é às vezes queixosa, expressionista, tendendo para “dirty”, tangenciando o vibrato com efeitos “growl” de saxofone. Improvisa de modo intenso, veemente e pouco conseguido por outros clarinetistas, utilizando seu instrumento com toda a tessitura possível, desde o grave mais cálido, prolongado e “rouco”, até agudos que cortam como lâminas. A origem do encanto de sua música deriva claramente de uma modernidade que podemos definir como “cândida”, aliada à releitura do tradicionalismo, devidamente unificados em uma suavidade rítmica que facilita sua inventividade.”

Nos anos 60, o clarinetista adotou a pintura como hobby preferido, por influência da esposa Mary Chaloff, com quem estava casado desde 1943. A morte da mulher, em junho de 1967devastou-lhe o espírito e ele passou o resto de seus dias em um permanente estado de melancholia e prostração. Sua última apresentação pública foi em um baile na Casa Branca, em homenagem ao presidente Richard Nixon, no dia 21 de janeiro de 1969. Menos de um mês depois, Russell viria a falecer, no dia 15 de fevereiro de 1969, em um hospital da cidade de Alexandria, estado da Virgínia. A causa da morte foi cirrose hepática.

De acordo com o crítico Philip Larkin, “ninguém que esteja familiarizado com a emoção característica de seus solos, com sua técnica invulgar e com a intensidade de sua música, pode negar a singularidade de sua contribuição para o jazz”. Como reconhecimento à sua contribuição musical, Russell foi indicado postumamente, em 1987, para o Big Band and Jazz Hall of Fame.

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PS.: o presente texto não teria sido escrito sem a valiosíssima colaboração dos queridos Pedro Apóstolo Cardoso e Mário Jorge Jacques. Portanto, nada mais justo que dedicar esta postagem a esses dois valorosos companheiros das lides em prol do jazz. Muito obrigado aos dois e “keep swinging”!

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