É o
Mar,
Por
certo é o Mar!
O
Mar de Camões
O
Mar de Pessoa,
É a
ele que me lançarei...
Haverei
de construir com minhas próprias mãos
A
nau que me conduzirá aos confins do oceano mais profundo
Madeiras
e cordames e velas e metal
Fundidos
na estrutura hígida e flutuante
Lançar-me-ei
ao Mar
Sem
arroubos e nem temeridades,
Lançar-me-ei
ao Mar
Sem
titubeios ou tergiversações...
Lançar-me-ei
ao Mar
Lançar-me-ei
ao mais desconhecido dos rumos
Tripulante
de mim mesmo,
Hóspede
das tempestades
Refém
das calmarias
Lançar-me-ei
ao Mar
Não
temerei o escuro profundo,
A
ignomínia dos selvagens
A
pusilanimidade dos ilhéus
Não
temerei a imensidão purpúrea
A
âncora é a raiz do navegante
A
raiz transportável, vinculante, demiúrgica
Serão
os oceanos o meu domínio incontestável
Todos
eles!
Sou
herdeiro de Posseidon, irmão do hipocampo e do tritão
Minha
morada é o salitre
O
sargaço é fruto da minha semeadura
O
arrebol é meu norte e o plâncton, meu nutriente
Barlavento,
proa, calado, convés
Flotilha,
velame, bombordo, timão
Tenho
a sintaxe náutica na ponta da língua
E o
sal dos oceanos escorre-me pelos cabelos
Deixai-me
ir
Deixai-me
ir ao encontro do meu destino
Retirai-me
os grilhões,
Retirai-mos
Deixai-me
ir que estou pronto
Deixai-me
construir a minha nau
Deixai-me
singrar até os confins do oceano mais profundo
Dai-me
a liberdade
Concedei-me
o Mar que é meu por direito
Deixai-me
ir e alcançar o Mar
O
Mar de Camões
O
Mar de Pessoa
O
Mar que é meu destino
Deixai-me
percorrer os costões
As
íngremes falésias
Os
proeminentes arrecifes
Deixai
que os ventos inflem as velas
Deixai-me
ir
Deixai-me
Porque
só o Mar
Ele,
e apenas Ele,
É
grande o bastante para acomodar a minha dor.
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O trompetista Sam Noto nasceu no dia 17 de abril de
1930, em Buffalo, estado de Nova Iorque. Tendo estudado trompete desde a
infância e feito parte de diversas orquestras escolares da cidade natal, ele
começou a tocar profissionalmente aos 17 anos, em bandas de R&B da cidade
de Buffalo e seu entorno. Suas primeiras influências foram Fats Navarro, Dizzy
Gillespie e Miles Davis.
Em busca de melhores oportunidades profissionais,
ele se muda para a Califórnia no início da década de 50. Após cumprir o
circuito de clubes e tocar com alguns expoentes do West Coast Jazz, ele foi
descoberto pelo pianista e bandleader Stan Kenton, que o contratou em 1953. Noto
passou cinco anos na orquestra de Kenton e participou de gravações históricas,
como “Contemporary Concepts” (1955), “Kenton in Hi-Fi” (1956) e “Cuban Fire!”
(1956), todos pela Capitol Records. Sua primeira gravação como líder foi feita
no ano seguinte, também para a Capitol.
Ele deixou o posto em 1958, para seguir carreira
como freelancer, exibindo em suas credenciais participações em álbuns e
concertos de jazzistas de peso, como Frank Rosolino, Anita O'Day, Claude
Williamson, Curtis Counce, Carl Fontana, The Hi-Lo's, Louie Bellson, Oscar
Peterson, Buddy Rich, Don Menza, Lennie Niehaus, Bud Shank, Bill Perkins, Bob
Fitzpatrick, Bill Catalano, Mel Lewis, Richie Kamuca, Charlie Parker e muitos
mais.
No ano seguinte, excursionou pela Europa, com uma
banda liderada pelo baterista Louie Bellson e pela cantora Pearl Bailey. De
volta aos Estados Unidos em 1960, ele volta a tocar por alguns meses com
Kenton. Entre 1964 e 1965, foi integrante da orquestra de Count Basie, saindo
para montar o próprio clube, na sua cidade natal, chamado Renaissance, em 1966,
onde se apresentava todas as noites com seu grupo, do qual faziam parte os irmãos
Tom e Joe Azarello (respectivamente, contrabaixista e pianista), o saxofonista Joe
Romano e o baterista Al Cecchi.
O empreendimento não foi muito bem sucedido e ele
voltou a trabalhar exclusivamente como músico profissional, retornando à
orquestra de Basie em 1967. No ano seguinte, se muda para Las Vegas, onde atua
como trompetista nas orquestras de diversos cassinos, hotéis e casas noturnas.
Ali faz amizade com o lendário trompetista Red Rodney e com ele monta uma banda
que faria algum sucesso nos clubes de jazz da Capital do Jogo.
Durnte os anos 70, Noto teria uma rápida passagem
pelo “The National Jazz Ensemble”, cujo fundador e diretor artístico era o
baixista Chuck Israels. A orquestra, formada com o intuito de preservar a obra
e a memória de compositores dos primórdios do século XX, como Jelly Roll
Morton, Duke Ellington e Louis Armstrong, chegou a gravar alguns discos ao
longo daquela década e por ela passaram figuras do primeiro escalão do jazz,
como Bill Evans, Jimmy Knepper, Lee Konitz, Sal Nistico e o então jovem Tom
Harrell. Os arranjos ficavam a cargo de craques como Gil Evans, Hall Overton e
David Berger.
Noto permaneceria em Las Vegas até 1975, quando
recebeu uma ótima oferta de emprego em Toronto, no Canadá, como músico e
arranjador de uma rede de TV. No país vizinho, não demorou a ser reconhecido
pala comunidade jazzística e fez parte da orquestra do trombonista Rob
McConnell. Ao mesmo tempo, firma-se como um dos principais músicos do cast da
gravadora Xanadu, participando de dezenas de gravações naquela casa, sob a
liderança de craques como Al Cohn e Dexter Gordon.
Um dos pontos culminantes da parceria entre Noto e a
Xanadu está registrado no estupendo álbum “For Sure”, sob a liderança do
pianista Kenny Drew. As sessões de gravação foram realizadas nos dias 16 e 17
de outubro de 1878 e além do líder e de Noto, o grupo é composto pelo
saxofonista Charles McPherson, pelo baixista Leroy Vinnegar e pelo baterista
Frank Butler. Morando na Europa desde 1961, Drew aproveitou-se de uma rápida
passagem pelos Estados Unidos para gravar dois discos naquela ocasião: o já
mencionado “For Sure” e “Home Is Where The Soul Is”, em formato de trio e
também com Vinnegar e Butler na seção rítmica.
A faixa-título abre os trabalhos na melhor tradição
do hard-bop, com McPherson entregando o primeiro solo de maneira energética e
articulada. A seguir, entra Noto, que se mostra um improvisador ousado e
fluente, um legítimo representante da escola de Kenny Dorham ou Blue Mitchell.
Seu sopro é febril, pulsante, cheio de vibrato e possui uma enorme extensão. Butler
é um baterista de enormes recursos, capaz de executar viradas rápidas e de
acrescentar uma dinâmica quase selvagem aos contextos em que atua. Como um
anfitrião generoso, Drew assume uma postura essencialmente rítmica, embora
durante o seu solo ele improvise com ferocidade e convicção.
Logo em seguida é a vez da balada “Mariette”.
Obliqua e dissonante, ela guarda algum parentesco com as composições de
Thelonious Monk. Mostrando ser bastante versátil, Noto exibe grande domínio nos
andamentos mais lentos e usa a surdina para dar um timbre mais agudo ao seu
trompete. Suas frases são curtas, diferentes, por exemplo, das de um Miles
Davis, que preferia alongar as notas para criar climas mais sombrios. O dedilhado
de Drew, envolvente e acolhedor, cria uma atmosfera de puro lirismo.
Novamente o hard-bop dá o tom, agora em “Arrival”,
uma poderosa conjugação de riffs assobiáveis e batida infecciosa. A introdução
fica a cargo do voluptuoso Butler e, em seguida, os demais instrumentos se
agregam à bateria. O brilhantismo das intervenções de McPherson, um intérprete
sempre fogoso e instigante, e a enxurrada criativa de Noto, que se revela um
verdadeiro ás nos registros mais graves, são os principais destaques da faixa.
“Blues Wail”, um blues sincopado de autoria do
líder, possui uma levada contagiante, com uma marcação impecável de Vinnegar. A
abordagem do pianista, bastante ortodoxa no início, com notas espaçadas e uso
dos registros graves, se desenvolve em um crescendo e incorpora ao blues as
notas velozes e as harmonias transversas típicas do bebop. McPherson é um
improvisador astuto e tributário da mais nobre linhagem parkeriana. Seus solos
jamais são lineares ou previsíveis e seus diálogos com o trompetista, outro
músico exuberante e que também passa ao largo da obviedade, são dos mais
empolgantes.
A climática “Dark Beauty” talvez seja o tema mais
conhecido de Drew. Trata-se de uma balada sombria, dotada de uma beleza árida,
cuja melodia sofisticada e exótica guarda paralelo com as composições do
irrequieto Charles Mingus. O piano de Drew é pendular, bruxuleante e oscila
como a chama de uma vela. Ele e Noto, mais uma vez com o trompete assurdinado,
interagem com uma intimidade quase sobrenatural, de maneira a criar um
arcabouço melódico de contornos impressionistas.
O encerramento fica por conta da tórrida “Context”,
petardo sonoro de alta volatilidade. O hard bop direto e sem invencionices do
quinteto pega na veia, com uma melodia empolgante, citações a “Four”, de Miles
Davis, e formidáveis atuações de Drew, McPherson e Noto. A maior referência
aqui é o trabalho dos notáveis combos dos anos 50 e 60, especialmente os
quintetos de Horace Silver e de Max Roach/Clifford Brown e, óbvio, os Jazz
Messengers. Um disco que se alinha entre os mais relevantes dos anos 70 e um
verdadeiro marco na história de todos os envolvidos.
Sam Noto também lançou, pela Xanadu, quatro álbuns
em seu próprio nome, ao longo da década de 70, nos quais se faz acompanhar por
sumidades como Barry Harris, Leroy Vinnegar, Sam Jones, Billy Higgins, Ronnie
Cuber, Monty Budwig e Jimmy Rowles. Ainda em 1978, Noto fez parte do grupo de
músicos da Xanadu que se apresentou no Festival de Montreux, cujo concerto foi
transformado em LP: “Xanadu at Montreux”. Ao lado do trompetista, estavam Dolo
Coker (piano), Ronnie Cuber (sax barítono), Sam Jones (contrabaixo), Frank
Butler (bateria), Sam Most (flauta) e Ted Dunbar (guitarra).
No final dos anos 70, Noto montou um grupo com o
baterista Joe La Barbera e seu irmão, o saxofonista Pat La Barbera, outro
expatriado norte-americano então vivendo e trabalhando no Canadá. O quinteto
costumava se apresentar com regularidade em clubes da região de Toronto e
Buffalo, bem como em festivais de jazz ao longo do território canadense.
Durante toda a década de 80 o trompetista manteve-se
em constante atividade. Um dos momentos de maior repercussão naquele período
foi no álbum “Hip Pocket” (Palo Alto, 1981), sob a liderança do saxofonista Don
Menza (dobrando no alto e no barítono), e que foi gravado ao vivo no clube Carmello's. A sessão contou ainda com as
participações de Shelly Manne (bateria), Andy Simpkins (contrabaixo), Frank
Strazzeri (piano), Sal Nistico (sax tenor) e Carl Fontana (trombone).
Ainda naquela década, Noto protagonizou um
eletrizante duelo com outro virtuose do trompete, o endiabrado Woody Shaw. Shaw
e o saxofonista Joe Henderson, que na época co-lideravam um grupo, foram
contratados para uma temporada de algumas semanas no clube Bamboo, em Toronto.
Ocorre que, às vésperas dos concertos, Henderson teve um impedimento e não pôde
cumprir a agenda. Noto foi chamado às pressas e ele e Woody reeditaram as
célebres batalhas de trompetes dos anos 40 e 50, como aquelas estreladas por
Fats Navarro e Howard MgGhee ou Roy Eldridge e Charles Shavers. Quem assistiu
àquelas apresentações, jamais esqueceu.
O enciclopédico John Lester, comandante em chefe do
blog Jazzseen, analisa o estilo de Noto nos seguintes termos: “Ele me lembra um
Clifford Brown ligeiramente bêbado, com aquele som encorpado e redondo,
rascante e doce, capaz de, em momentos imprevisíveis de lucidez, desferir
saraivadas de semifusas alucinadas do bocal de seu trompete. (...) Apesar de
ser um músico superior do bebop, Noto nunca recebeu o reconhecimento que merece”.
No ano 2000 o trompetista se mudou para Fort Erie,
Ontário, mas até hoje se mantém ativo, como músico de estúdio, compositor e
arranjador. Ele costuma se apresentar com seu quinteto em clubes de cidades
como Toronto, Buffalo e Nova Iorque. Sua última gravação como líder, “Now Hear
This”, foi feita em 1999, para o selo independente Supermono. No disco, o
veterano trompetista está à frente de um quinteto integrado por alguns dos
principais nomes do jazz canadense: o saxofonista Kirk MacDonald, o pianista Mark
Eisenman, o contrabaixista Steve Wallace e o baterista Bob McLaren.
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10 comentários:
Dear Gran Master Boss,
Esse é um timaço de respeito, sem dúvida: KENNY DREW,SAM NOTO, LEROY VINNEGAR E FRANK BUTLER!
Don Schlitten contou-me que Frank Butler era totalmente pirado, mas quando sentava na bateria para tocar e gravar não havia outro capaz de competir com ele.
Sam Noto também gravou para a XANADU no início da gravadora, mas não tenho nenhum disco dele naquele selo.
Mais uma vez, voce acertou na mosca com mais uma resenha impecável. Conmgrats!
Keep swinging,
Raffaelli
\
Dear Gran Master Boss Érico,
Não ria, mas lembrei que tenho o primeiro disco (LP) gravado por Kenny Drew em trio para a extinta BLUE NOTE de saudosa memória, gravado em 1950!!!
Por outro lado, tenho vários LPs 12polegadas que ele gravou para a Steeplechase dinamarquesa, dois deles em duos alucinantes com Niels Henning Orsted Pedersen.
Um grande amigo meu recentemente falecido dizia constantemente que nunca houve um baixista como Niels Henning.
Por sinal, num jantar com Joe Pass ele disse-me que "nem daqui a 50 anos surgirá um baixista como Niels"! Isso foi em 1985.....
Keep swinging,
Raffaelli
Mais um que eu não conhecia; mas, gostei muito e já baixei. Obrigado, Mestre Érico, pelas magníficas aulas sobre o jazz e seus fabulosos intérpretes.
Abração!
Outro trumpetista que não recebeu o reconhecimento merecido. O "garoto de ouro" da banda de Stan Kenton gravou muito pouco ou quase nada como líder e, não sei porque, em suas "andanças" como sideman lembrava-me muito o estilo vigoroso de Clifford Brown. "Entrance!"(1975) gravado pela Xanadu é também um bom álbum. Mais uma vez parabéns mr.Cordeiro pela ótima resenha e por trazer à tona músicos excelentes, que tiveram pouca repercussão e praticamente passaram despercebidos na "cena jazzística".
Ah! Já ia me esquecendo: quase afoguei-me no mar extenso e profundo do Poema Épico.
Caríssimos Mestres Raffaelli, Fig e Predador,
Sejam mais que bem-vindos.
Ao primeiro, como sempre, obrigado por dividir conosco suas preciosas lembranças da convivência com esses monstros do jazz. E até onde sei, o Noto continua em atividade e tem até uma página no Facebook.
Ao segundo, digo apenas que o Noto é muito bacanudo e o que você encontrar dele pode baixar sem medo.
Ao terceiro, obrigado por descer de Predatória para confraternizar conosco. E também agradeço as palavras generosas.
Grande abraço!
Salve Érico,
Tirando do fundo do baú os poemas e evocando os bons tempos do Bambu bar. As gloriosas tardes da Ufma, onde a rapaziada ia pra lá ou então pra Casa de Sucos do Jarbas. Até me lembrei dos Párias :D
Quanto ao Sam Noto, me junto ao amigo Figbatera. Não conheço, mas gostei bastante das músicas. Vou procurar pra ver se descolo alguma coisa. Se puder, me manda por e-mail, tá beleza?
Um abraço do José Carlos Fontinele.
Vixe Maria, Zé,
Agora você foi longe, rapaz!
Deixa quieto, porque senão a gente vai começar a entregar a galera :-) E lembra do Risco de Vida, na Praia Grande, palco de shows antológicos de mano Borges e Beto Pereira? E do supercult Ponto de Fuga, na Madre Deus?
Bons tempos!!!
Quanto ao disco, daqui a pouco eu ter passo, ok?
Abração!
Hi, uma vêz por ano Montreal transforma-se na capital do Jazz.Mas eu adoro todo o ano,assim como toda a musica!Para agradeçêr a entrada no seu blog,vou enviar um blues.Bravo
por seu instrutivo blog,adoro a musica Brazileira...Nunca esquecerei quando éra miudo o Orfeu Negro.
"Manha tão linda manha"
Rock Me Baby-BB King/Eric Clapton/Buddy Guy/Jim Vaughn Youtube
Salve, Mowack,
Bom tê-lo a bordo.
E melhor ainda saber que você gosta da música brasileira. O Bonfá é um dos nossos maiores violonistas e tem um trabalho lindíssimo. Tem coisas maravilhosas, como Manhã de Carnaval e Correnteza (essa, em parceria com Tom Jobim).
Grande abraço e Keep Swingng!
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