Amigos do jazz + bossa

domingo, 11 de outubro de 2009

POEMAS DE JAZZ (2)


DÉDALO

Era apenas uma voz


Plangendo,


Ruindo,


Adernando,


Uma voz,


Morta na periodicidade inclemente dos silêncios


A sentimentalidade balsâmica de outrora

Deu lugar ao travo incontido


De um gozo cerceado e fóssil

O estoicismo do teu sussurro me consumia


O teu lamento sem regras ensurdecia a minha dor

O rufar das tuas asas era glosa truncada e inútil


Me assomava uma vontade retesada, herética


Enquanto as horas cerziam o amanhecer...

Na profusão daquela tranqüilidade imberbe,

Reconheci o cisne que eras tu

E que cantava por sobre os lençóis.


Vesti-me.


Não olhei para trás,


Parti-te, apenas...



====================================================


A sessão POEMAS DE JAZZ homenageia o poeta capixaba Miguel Marvilla, membro da Academia Espírito-Santense de Letras e que faleceu no último dia 10 de outubro. Por uma dessas coincidências da vida, Dédalo, nome desse poema escrito no final dos anos 80, é o nome também de um livro de poemas de Marvilla.

Segundo a Gazeta Online: “O poeta Miguel Marvilla foi um dos que formaram a chamada "Geração 80", que tentou inserir a criação literária do Estado no mapa da produção nacional. Marvilla também foi um dos criadores e colaboradores da Revista Você, da Ufes, que marcou época por reunir jovens escritores, comandados por grandes nomes como Bernadeth Lyra e Deny Gomes. Marvilla ganhou vários prêmios literários estaduais e nacionais, além de menção honrosa no III Concurso Literário Internacional, na Áustria, em 1996. Seu livro de poemas que mais se destaca é "Dédalo", de 1996. Mas é por "Os Mortos Estão no Living", de 1987, uma coletânea de contos, que ele é mais lembrado pelo público. A obra, sua única incursão pela prosa, não difere da temática de seus poemas. São textos enfatizando o fim: de um ciclo, de esperanças efêmeras, de relacionamentos afetivos.”

Para ser lido ao som de Denny Zeitlin, pianista que entende das dores da alma e que as cura pela música ou pela medicina. Esse músico não muito conhecido é, também, um respeitado psiquiatra – ele jamais abandonou a ciência de Hipócrates e, nessa trajetória, ainda soube nos presentear com alguns ótimos discos de jazz. Nascido em 1938 e em plena atividade, Zeitlin chegou a merecer elogios de ninguém menos que Thelonious Monk.

As músicas postadas foram extraídas do Box Mosaic Select, que reproduz na íntegra os álbuns “Catherxis”, “Carnival” e “Zeitgeist”, todos gravados na década de 60. Sempre atuando em trios, nessas gravações o pianista está acompanhado por Cecil McBee, Charlie Haden e Joe Halpin (baixo) e por Freddie Waits, Jerry Granelli e Oliver Johnson (bateria). Boa audição. E boa leitura.

29 comentários:

Celijon Ramos disse...

Que contracenso! a poesia venceu a música ou nela se encontrou? Dessa vez fico com a poesia.
Obrigado meu querido pelo seu comentário ao meu Bolinhas de Aço. Penso que muito podemos escrever sobre nossas infâncias. Há tantos papagaios e lancedadas a polvoar nossa existência que o ser adulto anda louco pra pedir socorro a sua criança. Talvez seja um bom tema pra ser desenvolvido, não achas?

Celijon Ramos disse...

Errata:
Lá vou eu de novo.
Contra-senso, claro!

Érico Cordeiro disse...

Tá certo, compadre!!!
E essas lembranças da infância são muito caras - talvez uma hora dessas saia algo desse estilo.
Valeu pela presença e espero que você tenha gostado da poesia postada.
Beijo!

O Pescador disse...

Érico,
as minhas felicitações por esta magnífica aquisição.
Tenho de confessar que sinto uma pontinha de inveja. :-)
As políticas dos distribuidores fizeram com que Zeitlin fosse um músico pouco divulgado em Portugal e, segundo as suas palavras, também no Brasil. Contudo, é um músico assaz referenciado nos blogs dos EUA.
Ouvi a sua música pela primeira vez quando da edição no selo ECM de "Time remembers one time once", em 1983, em duo com Charlie Haden. E, recentemente, num super trio com Buster Williams e Al Foster para o selo Venus.
Estas gravações que nos traz, algo distantes, não ficam a dever nada aos trabalhos mais actuais. São soberbas, e os temas escolhidos fizeram-me bisar a audição no podcast.
Saudações jazzísticas de terras lusitanas.

Érico Cordeiro disse...

Caro Pescador,
Seja muito bem vindo.
O Zeitlin é uma descoberta recente, tanto que não conheço o seu trabalho pela ECM. Já o trio com Buster Williams e Al Foster me interessou enormemente!!!!!!
As compilações da Mosaic são sempre muito esmeradas e a qualidade sonora é de primeira.
Talvez você consiga encontrá-lo no site da Mosaic Records.
Vale a pena ter na estante - são algumas horas sublimes de música e encantamento!
Um caloroso abraço deste lado do Atlântico!!!!

Maysa disse...

Érico

Céu azul anil...bem lavado
dias chuvosos já passados.
Palmeiras centenárias
meneam voluptuosas,
bailam, bailam...seduzem!
A inércia cala e o movimento desdobra seu vôo baixo.
Ícaro e Dédalo passam por aqui, por aí!
AH! Deuses inda que no Olimpo distante ...
amálgamam nosso existir!
Conduzem -nos da sensibilidade inquieta para a busca incontida...
Desconhecer...descobrir...
desinventar... acreditar ...
reinventar.Refazer: O que?
Cada dia por nascer!


Caríssimo, acabei de escrever essa reflexão, poemeto(?), pois vivo encantada com a sincronicidade que o velho Jung ensinava.
Ontem, revi o mito de Ícaro, reestudei-o. O papel de seu pai Dédalo.A ambiguidade dos mitos dá asas a nossa imaginação. Aliás, creio que as asas, em questão,mesmo de cera, representam o poder da imaginação.
Ontem, lembrei de minha infância, onde era a minha avó maranhense a me contar as histórias. Todas.
Porisso amo contar, ouvir e a terra sagrada da ilha de São Luiz.

Seu poema é intrigante e belo. Grata pela postagem da música escolhida do Denny Zeitlin
Beijos de Domingo
Maysa

Érico Cordeiro disse...

Prima Maysa,
Não me surpreendo com seus dotes literárrios, pois já sou leitor compulsivo do "Ninho e a tempestade".
Mas fico encantado com a sua facilidade para tecer as palavras e construir beleza - uma tecelã de palavras, acho que é a imagem que lhe cabe à perfeição.
Que bom que você gostou do poema e do Zeitlin!!!!!
Um fraterno abraço e obrigado pelas palavras gentis!

John Lester disse...

Prezado Érico, obrigado.

Érico Cordeiro disse...

A perda de um amigo - ainda mais quando se trata de uma pessoa especial, é sempre muito dolorosa.
A perda do Miguel, e suas circunstâncias, me comoveu bastante - a mim que tive um contato muito fugaz com a sua pessoa e sua obra, graças a um link no jazzseen.
Um abraço solidário, meu capitão.

pituco disse...

érico san,

poesia de gente grande...repleta de reflexões e sensações...taí,curti

o poeta não morre,encanta...

abraçsons pacíficos

Érico Cordeiro disse...

É isso aí, Seu Mr. Pituco,
Bem vindo a bordo e valeu pela presença!
Abração!

Salsa disse...

Miguel era um poeta muito bom. O pianista foi uma boa escolha para a trilha sonora.

Paul Constantinides disse...

erico
o poema eh supimpa, como dizia um velho amigo meu...instrospectivo e ao mesmo tempo nos leva a pensar nos ciclos da vida sentimental...
a musica...deliciosa, nao sei pq me remeteu um pouco ao Antonio Adolfo, numa passagem...coincidencia sonora....belo teclado.
abs
paul

Andre Tandeta disse...

Erico,
a hora de ir é uma constante na vida. Ha que saber partir,em silencio muitas vezes. Poema dos mais bonitos e interessantes,parabens. As dores da alma por mais incomodas que sejam são parte disso que chamamos vida e estão sempre pelo caminho. Mas vamos em frente e o jazz nos ajuda na caminhada.
Denny Zeitlin com Buster Willians e o Grande Al Foster,um dos meus favoritos,são com toda a certeza um trio que vale a pena correr atras.
Valeu!!!
Abraço

Érico Cordeiro disse...

Ave Mestres Salsa, Paul e Tandeta,
Grandes presenças, de pessoas por quem tenho o maior apreço, e que me honram com palavras sempre generosas.
Mestre Tandeta tem toda razão: os percalços são uma constante em nossa caminhada - mas é esse caminhar que nos dá sentido à existência e nos tem permitido encontrar bons amigos.
Caminhar é sentir a emoção de um solo de Parker sob a nossa janela para o infinito.
Zeitlin e Antônio Adolfo - que belíssima dupla - será que se conhecem ou chegaram a se influenciar mutuamente?!?!?!?!
Já o trio Zeitlin-Foster-Williams já tá na listinha.
Valeu mesmo - abração pros três!!!!!

figbatera disse...

Adorei o som do trio.
O Zeitlin é o cara que o amigo "edú" (ele faz questão do indevido acento agudo) acha que se parece comigo.
Mas só ele acha isso...rs

Érico Cordeiro disse...

Aí, Seu Mr. Fig,
Sei não, mas de repente pode ter uma certa semelhança.
O amor pela música eu sei que ambos compartilham, não é mesmo?
Vou dar uma checada nas fotos do encarte e conferir a opinião do Edú.
Valeu pela presença, meu dileto embaixador do JAZZ + BOSSA nas terras d'El Rey!
Grande abraço.

edú disse...

Alguns pitacos sobre Denny Zeitlin: ele era o pianista q Bill Evans mais ouvia nos seus dois últimos anos de vida.Um pianista brasileiro de jazz, nos anos setenta, foi morar na Califórnia e conseguiu o telefone do consultório de Denny em San Francisco .Liga e atende o próprio Zeitlin.Emocionado, manifesta comovido sua admiração de fã e pede de forma humilde umas dicas de como poderia melhorar sua técnica.Zeitlin foi direto: “me manda um vale postal de vinte e cinco dólares q lhe mando três lps meus”.Desconfia-se q furtivamente Zeitlin mudou-se, nos anos 90, para Zona da Mata mineira e atenda pelo codinome secreto de seu Olney.

Érico Cordeiro disse...

Grande Edú,
E aí ele pôs uma boina, aparou a barba, deixando apenas o cavanhaque e trocou de instrumento, nãao é mesmo?
E bons tempos em que o próprio músico/doutor atentia o telefone do consultório - e ainda vendia disco pelo "reembolso postal" (lembra?).
Abração!!

James Magno Farias disse...

Mestre Jazzy,

A poesia é ótima, mas o som de Denny Zeitlin também é ótimo. Adorei a sonoridade; vou conhecer mais a fundo o músico.
abração
James

Cinéfilo disse...

Miguel era - e será, até pova oposta - um dos grandes poetas deste país. Palavra de quem o leu e releu para puro deleite e para trabalho, porque o vestibular, que infelizmente o resumia, tinha-lhe apreço.

Deixa-me emocionado - sério, sem pieguices! - o fato de vc não o conhecer e homenageá-lo. É o que fazemos com grandes artistas, mortos ou vivos, em nossos blogues. Nós elegemos aqueles com quem nos identificamos. Esse destino é inevitável.

Valeu.
Onde quer que Miguel esteja, certamente apreciará a leitura de seu poema, e ouvirá - atento - o que Denny Zeitlin tem a dizer.
Abraço.

Gustavo Cunha disse...

salve Erico
essas caixas da Mosaic são sempre bem-vindas, nem sabia que tinha do Zeitlin

belissima interpretação da Maiden Voyage, uma clássico do Hancock !

abs,

Érico Cordeiro disse...

Caros James, Grijó e Guzz,
Grande prazer em tê-los a bordo.
Molosso, estou à disposição para copiar os discos do Zeitlin (deixa eu chegar em São Luís, ok?).
Em Pinheiro City dezenove horas!!!
Grijó, como falei antes no comentário do Lester (por intermédio de quem conheci o trabalho do Miguel), fiquei muito tocado com a sua morte tão prematura. Acho que sua obra, que conheço tão pouco, merece ser mais conhecida e divulgada para além do Espírito Santo - ela é de uma universalidade a toda prova.
E Guzz, meu caro, a Mosaic tem um trabalho muito bacana, recuperando a memória jazzística e preservando a obra desses músicos fabulosos.
Abraços a todos e valeu pelas visitas!!!!

pituco disse...

érico san,
poderias pandear-me com sir zeitlin?

se poss´vel,serei grato ad infinitum...rs

amplexossonoros e súplicos

Érico Cordeiro disse...

Claro, Seu Mr. Pituco-San.
Amanhã eu providencio, pois em Pinheiro City não é possível "estar anteciPando" as músicas, ok?
Abração!!!!

Sergio disse...

Passa pá k, é um assalto. Eu sempre tento encontrar suas dicas pelo soulseek q d uma maneira geral me apresenta algo desses artistas, mas não exatamente sempre aquele q vc indica, san, então... tô dentro no pedido.

Seu san, eu tô fraco qual d'angola para a apreciação do poema postado. Por exemplo:
"O rufar das tuas asas era glosa truncada e inútil / Me assomava uma vontade retesada, herética", achei-o um tanto labiríntico. Perdi-me. Há de se ter mais cultura e estudo para sorve-lo aproveitando toda a substância. Anfã, mea culpa.

Abraços!

em tempo: ouvindo um discaço: Sonny's Dream" / The Sonny Cris Orchestra que descobri indo atrás de mais coisas d'O entubador Ray Draper...

Seu san, me incomoda o fato de que ando me demorando mais que o previsto no cumprimento do apalavrado e acordado, mas a encomenda vai sair melhor que a promessa, acho que sobre isso estás traquilo – sem trema nem temor.

Érico Cordeiro disse...

Mr. Sonic-boy,
Seu desejo é uma ordem,
Breve estarei anteciPando.
Quanto à modéstia, esta é falsa, pois somente alguém de vasto cabedal intelectual haveria de usar a palavra "labiríntico" para se expressar.
Quanto à encomenta, não se avexe, ok?
Tá tudo certinho, certinho!
Abração, meu amigo!

nydia bonetti disse...

Uma beleza de poema. E Miguel Marvilla é mesmo grande. Sempre será.

Coisa boa ler poemas ouvindo jazz!

Abraços!

Érico Cordeiro disse...

Cara Nydia,
Seja bem vinda e, por favor, fique à vontade. Já havia feito uma rápida visita ao Longitudes e vou passar por lá mais vezes - é uma belíssima casa virtual.
Poi então agregue-se à nossa fraternidade e venha sempre, ok? De vez em quando vou postando minhas poesias, mas o jazz aqui rola o tempo todo.
Obrigado pela presença e volte sempre!!

Google Analytics