O escritor, educador e líder político Booker Taliaferro Washington, nascido em 1856, é uma das mais importantes figuras da cultura negra dos Estados Unidos. Filho de um fazendeiro branco com uma escrava negra, ele nasceu sob o odioso tacão da escravidão, mas em 1965, quando tinha nove anos, foi beneficiado pela abolição da escravatura em seu país. Após passar por inúmeras dificuldades na infância e na adolescência – trabalhou em minas de carvão e em uma fábrica de sal na Virgínia – ele finalmente conseguiu um emprego de zelador no Instituto Normal e de Agricultura de Hampton.
Custeando os estudos com o seu trabalho, ele se formou em 1875 e deu início a uma bem sucedida carreira como professor de crianças e adultos. Alguns anos depois da graduação, em 1879, integrou o corpo docente de Hampton, onde conseguiu implementar um programa experimental de educação indígena. Em 1881 foi convidado para dirigir a primeira escola normal voltada exclusivamente para negros em Tuskegee, Alabama, na qual permaneceu até a sua morte, em 1915.
Entusiasta da educação, ele acreditava, acertadamente, que apenas a cultura e a qualificação profissional poderiam romper os grilhões da pobreza e do preconceito racial que oprimiam milhões de afro-americanos. Por essa razão – e por suas convicções pacifistas – ele era bastante criticado por entidades de defesa dos direitos dos negros de cunho mais radical. Escreveu diversos livros, destacando-se “Up From Slavery”, em 1901, e “My Larger Life”, em 1911, que se tornaram símbolos da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos.
Booker também teve uma vida afetiva movimentada. Casou-se três vezes – e enviuvou duas – e teve dois filhos e uma filha, sendo esta a musicista Portia M. Washington, que após o casamento adotaria o sobrenome do marido, Pittman. Ela se estabeleceu como uma importante educadora musical na região de Dallas e por suas mãos passaram jazzistas de renome, como o pianista Sam Price e o saxofonista Budd Johnson.
Portia teve um filho chamado Booker Pittman, nascido em 1909, que se tornaria um renomado clarinetista e saxofonista, tendo trabalhado, nas décadas de 20 e 30, com os pouco conhecidos Gene Coy e Ralph Cooper, mas também com luminares como Louis Armstrong e Count Basie. De temperamento aventureiro, Booker Pittman foi um dos primeiros jazzistas norte-americanos a se estabelecer na Europa, mais precisamente na França, para onde viajou, em 1933, juntamente com a orquestra de Lucky Millinder. Em 1937, a convite do saxofonista carioca Romeu Silva, então diretor musical da banda de Josephine Baker, ele decidiu tentar a sorte no Brasil.
Aqui, Pittman teve uma vida errática. Fixou-se primeiramente no Rio de Janeiro, onde se tornou amigo de músicos como Pixinguinha – que lhe deu o apelido de Buca – e logo era uma das atrações do célebre Cassino da Urca. Por conta do espírito andarilho e, sobretudo, do vício em cocaína, o saxofonista empreendeu um longo périplo pela região sul do Brasil, indo parar na Argentina, onde morou por algum tempo. Pouco depois, estabeleceu-se em Londrina, no Paraná, cidade que então vivia uma era de opulência, por causa da exportação do café.
Em Londrina, Pittman costumava se apresentar em boates e casas noturnas, mas os problemas com drogas e álcool iam, pouco a pouco, minando sua energia e criatividade. No final dos anos 50, chegou ao fundo do poço quando vendeu seu instrumento para comprar drogas e sobrevivia como pintor de paredes. Seu desaparecimento da cena musical provocou uma série de especulações, culminando com uma matéria publicada em jornal e assinada pelo jornalista Fernando Lobo, que noticiava sua morte.
Pittman tomou conhecimento dessa matéria pelas mãos do trombonista francês Paille Cordelle, amigo de longa data que, por coincidência, reencontrou em Cornélio Procópio, cidade do norte do Paraná. A história calou fundo no saxofonista, que decidiu abandonar as drogas e reerguer a carreira musical. Voltou para o Rio de Janeiro e, em pouco tempo, tornou-se atração fixa da boate do Hotel Plaza, onde costumava se apresentar ao lado de um grande amigo, o cantor e pianista Dick Farney. Os dois, inclusive, gravariam juntos o álbum “Jam Session”, em 1963 e que, infelizmente, se encontra fora de catálogo. Outra atração da boate era um jovem cantor, apaixonado por João Gilberto, em início de carreira chamado Roberto Carlos, que logo em seguida abandonaria a bossa nova para se dedicar ao rock – ou iê-iê-iê, como se dizia na época.
Em 1958, Pittman foi convidado para assistir a uma apresentação de Louis Armstrong, amigo de longa data, em São Paulo. Durante o show, Booker subiu o palco para dar uma canja. Na platéia estava Dona Ophélia Leite da Silva e sua filha, a jovem Eliana, que ficaram encantadas com o talento do saxofonista. Após o espetáculo, as duas foram dar os parabéns a Booker, que não perdeu tempo e as convidou para jantar. Vivendo um casamento infeliz, Dona Ophélia não demorou a se apaixonar pelo sedutor Pittman e em pouco tempo separou-se do marido para viver uma nova história de amor. Eliana ganhou um novo pai e também um novo sobrenome. A partir de agora seria Eliana Pittman.
Sua vontade era tornar-se cantora e não demorou muito para começar a fazer shows e gravar discos ao lado do pai. Influenciada pelo jazz e por cantoras como Sarah Vaughan e Ella Fitzgerald, Eliana tornou-se uma atração constante na então poderosa Rádio Nacional. Ela e o pai viajavam pelo Brasil e pelo mundo, fazendo apresentações com bastante sucesso. Além do jazz, a cantora era uma ardorosa fã do samba e da bossa nova, que cantava com enorme paixão. Sua gravação do clássico “Tristeza”, de Haroldo Lobo e Niltinho, foi um dos sucessos mais acachapantes de 1966.
Em 1969, após uma intensa luta contra o câncer, Booker encerrou a sua carreira neste plano astral e foi se juntar à grande jam celestial onde, diz-se, os néons nunca se apagam e o bourbon jamais termina. Eliana quase desistiu da carreira artística, tão abalada que ficou com a perda do pai. Aos poucos, foi reconstruindo a vida, inclusive lançando-se como atriz. Gravou para a Copacabana, a RGE e a RCA e seus álbuns, geralmente produzidos pelo grande Sérgio Cabral, costumavam contar com a presença de nomes de peso, como o pianista Antônio Adolfo e o arranjador Erlon Chaves. Foi uma das primeiras a gravar composições do então iniciante João Nogueira.
Nos anos 70, explodiu nas paradas de sucesso com “Mistura de carimbó”, composição do paraense Pinduca. Eliana foi eleita “Rainha do carimbó” e se tornou presença obrigatória em programas de auditório de todas as redes de TV do país. Criticada por muitos por sua opção por um gênero considerado excessivamente comercial, a cantora jamais voltou a registrar outro sucesso tão retumbante, mas continua gravando e fazendo shows com regularidade.
Até ser gravado por Pittman, o carimbó era um ritmo tido como exótico e eminentemente regional. Sua origem remonta aos índios tupinambás do Pará, mas também sofreu forte influência portuguesa e africana, além de haver incorporado elementos de ritmos latinos como a rumba, o merengue, o mambo e a salsa. De qualquer forma, ao inseri-lo no cenário musical nacional Eliana mostrou ao mundo uma verdade irrefutável: carimbó também é jazz!
Bom, mas e qual a razão de termos falado tanto em Booker T. Washington, Portia Pittman, Booker Pittman, Eliana Pittman e carimbó? É que, como foi dito no início da postagem, Portia Pittman teve entre seus alunos um dos mais brilhantes e menos reconhecidos músicos da história do jazz, com uma trajetória musical e pessoal das mais íntegras e dignas. Seu nome é Albert J. Johnson, e além de saxofonista, clarinetista, compositor, arranjador, produtor e cantor ele também foi um entusiasmado educador musical, que certamente deixaria orgulhoso o pioneiro Booker Taliaferro Washington.
Albert, mais conhecido no meio jazzístico como Buddy Johnson, nasceu em Dallas, no Texas, no dia 14 de dezembro de 1910. A família era altamente musical: seu pai era músico amador, tocava trompete e era organista de uma igreja batista da cidade, onde também dirigia o coral. Seu irmão mais velho era o trombonista e guitarrista Frederic “Keg” Johnson, outro ex-aluno de Portia Pittman, que chegaria a trabalhar com nomes como Fletcher Henderson, Benny Carter, Cab Calloway e Ray Charles.
Os primeiros instrumentos a que Budd se dedicou foram o piano e a bateria, que aprendeu com o pai. Mais tarde, iniciaria seus estudos com Portia Pittman. Com inacreditáveis 14 anos já tocava bateria profissionalmente na região de Dallas, sendo que seu primeiro emprego foi na banda do pianista Sammy Price. Em 1927, quando tinha apenas 17 anos e já havia optado definitivamente pelo sax tenor, fixou-se em Kansas City, onde tocou com os “William Holloway’s Blue Syncopators”.
Durante os anos que se seguiram, vieram trabalhos ao lado de importantes músicos locais, como Ben Smith, Eugene Coy e seus “Happy Black Aces”, Terrence Holder, Jesse Stone e George E. Lee. Ao lado deste último, Budd registrou suas primeiras gravações em estúdio, incluindo uma versão do clássico “St James Infirmary”, em 1929. Durante uma incursão da banda em Amarillo, no Texas, conheceu Ben Webster, que então atuava como pianista. Budd lhe ensinou os rudimentos do saxofone e Webster foi em frente nos estudos, até se tornar um dos mais completos e influentes saxofonistas de todos os tempos.
Em 1932 Budd se mudou para Chicago, onde conheceu o pianista Teddy Wilson, com quem tocou por algum tempo. Louis Armstrong ouviu os dois e os contratou para sua banda, desfeita em 1933. Johnson não demorou a conseguir novo emprego, pois imediatamente foi convidado pelo pianista Earl Hines para integrar a sua banda, substituindo provisoriamente o saxofonista Cecil Irwin. Após algumas idas e vindas, que incluem uma rápida passagem pela orquestra de Benny Carter, Budd finalmente se tornou membro efetivo do grupo, após a morte de Irwin, ocorrida em 1935.
No final da década, a orquestra passaria por uma grave crise, sobretudo por conta do repertório antiquado e os arranjos pouco inspirados. Havia também uma crise de liderança, pois Hines parecia ter perdido o interesse na banda. A sua própria forma de tocar, repetitiva e com pouca criatividade, refletia esse momento delicado. Apesar de continuar sendo atração fixa do clube The Grand Terrace Cafe, de propriedade do gângster Al Capone, a orquestra perdia público e era infinitamente menos popular que as de Count Basie, Glenn Miller, Benny Goodman, Jimmie Lunceford, Cab Calloway ou Tommy Dorsey.
Inconformado com o que via e ouvia, Johnson assumiu o controle da orquestra, atuando como diretor musical e saxofonista. Contratou alguns jovens músicos, como os trompetistas Ray Nance, Freddy Webster e Harry Jackson e o trombonista Trummy Young, e deu ao veterano altoísta Leroy Harris mais espaço para solar. Também reformulou o repertório e incrementou os arranjos. O primeiro grande sucesso dessa nova fase foi uma versão de “Grand Terrace Shuffle”, de sua autoria. Em seguida, viriam outras gravações bem-sucedidas, como “G. T. Stomp”, “Boogie Woogie On St. Louis Blues”, “Jelly Jelly” e “Tantalizing A Cuban”, entre muitas outras.
A parceria com Earl duraria até 1942, com algumas breves interrupções, e resultaram na gravação de mais de 70 temas. Durante aquele período, Johnson também investiu maciçamente em sua carreira como arranjador, realizando trabalhos para as orquestras dos irmãos Fletcher e Horace Henderson, Gus Arnheim, Woody Herman, Boyd Raeburn e Johnny Long. Após a saída da orquestra de Hines, vieram trabalhos ao lado de Don Redman, Al Sears, Cozy Cole e George Auld, com quem permaneceu até 1944.
Johnson foi um dos primeiros músicos do swing a se identificar com o nascente bebop e a fazer amizade com os seus criadores Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Thelonious Monk e Bud Powell. Johnson era um freqüentador habitual do Onix Club e do Minton’s, onde o novo estilo estava sendo gestado e costumava participar das gigs que eram ali realizadas. Parker, inclusive, se dizia influenciado pelo toque aveludado e sutil de Johnson, ele próprio mais ligado à vertente lesteriana de tenoristas que à corrente que proveio de Coleman Hawkins.
Diga-se de passagem que foi Johnson quem primeiro chamou a atenção de Hines para os jovens que estavam barbarizando no cenário jazzístico de Nova Iorque e dando um rumo completamente diferente ao jazz que se fazia época. Tanto é que após a sua saída da orquestra do pianista, este contratou ninguém menos que Charlie Parker para substituí-lo. Para tanto, Earl dirigiu-se ao então empregador de Bird, o também pianista Jay McShann, e abriu o jogo: “Mac, se Bird estiver te devendo algum dinheiro, me diga quanto é que eu pago a dívida. Eu quero o garoto na minha orquestra de qualquer maneira”. Outros boppers, como Dizzy Gillespie, Wardell Gray e Little Benny Harris, acabariam entrando para a orquestra de Hines, ajudando a tornar a sua sonoridade das mais modernas e instigantes do período.
Em 16 fevereiro de 1944 Budd foi o organizador daquela que é considerada a primeira gravação do bebop, para o selo Apollo, em uma formação que incluía Dizzy Gillespie, Don Byas, Clyde Hart, Oscar Pettiford, Leo Parker e Max Roach, sob a liderança de Coleman Hawkins. Tocando sax barítono, Budd marca presença na sessão, em que foram gravadas versões de “Woody’n You”, de autoria de Gillespie, e “Bu-Dee-Daht”, do próprio Johnson.
O saxofonista também tocou por algum tempo com Billy Eckstine, em cuja orquestra ingressou como substituto do jovem Dexter Gordon e acabou como diretor musical e arranjador. Nessa função é bom que se diga que Budd era dos mais disputados do mercado. Ainda durante a década de 40 fez vários trabalhos para as orquestras de J.C.Heard, Sy Oliver, Machito e Lucky Millinder, e montou um grupo próprio que era atração habitual do clube Three Deuces.
Nas décadas vindouras, além de liderar seus pequenos conjuntos, trabalhou exaustivamente como músico de apoio e arranjador, atuando ao lado de Buddy Rich, Benny Green, Snub Mosley (ao lado de quem realizou a sua primeira temporada na Europa), Sarah Vaughan, Cab Calloway, J. J. Johnson, Maynard Ferguson (na espetacular Birdland Dream Band, que contava, entre outros, com os excelentes Al Cohn, Ernie Royal, Herb Geller e Ernie Wilkins), Ben Webster, Buck Clayton, Jimmy Rushing, Milt Hinton, Roy Eldridge, Gil Evans, Benny Goodman (com quem excursionou pela Ásia), Quincy Jones, Count Basie (onde substituiu Billy Mitchell e com quem fez diversas excursões à Europa), Gerald Wilson, Ruth Brown, Ray Charles, Charlie Shavers, Jimmy McGriff e incontáveis outros.
Em 1956, Johnson fez parte do “The International Jazz Group”, uma reunião all-star organizada pelo baixista Arvell Shaw e que incluía o trompetista Taft Jordan, o trombonista Vic Dickenson, o pianista francês Andre Persiany, o baterista Gus Johnson e o saxofonista George Berg. O grupo, infelizmente, teve vida curta, tendo gravado apenas um álbum, para a Columbia, que atualmente se encontra fora de catálogo.
Embora fosse bastante requisitado como sideman, o saxofonista tem bem poucos álbum em seu próprio nome. “Budd Johnson & The Four Brass Giants”, lançado pela Riverside em 1960, é considerado por boa parte da crítica o ponto alto de sua discografia. Nele, Budd se reúne a Clark Terry, Harry “Sweets” Edison, Nat Adderley e Ray Nance, quatro dos mais talentosos trompetistas da história do jazz, para uma descontraída jam session, que inclui os experientes Tommy Flanagan ou Jimmy Jones no piano, Joe Benjamin no baixo e Herb Lovelle na bateria. Como atrativo a mais, saiba-se que a produção ficou a cargo de Cannonball Adderley.
Todavia, há um outro álbum, menos conhecido, que merece ser descoberto pelos amantes do jazz. Trata-se do estupendo “Let’s Swing”, gravado no dia 02 de dezembro de 1960, para a Fantasy, no qual Johnson lidera um afiadíssimo quinteto, integrado por seu irmão Keg Johnson no trombone, por Tommy Flanagan no piano, por George Duvivier no contrabaixo e por Charlie Persip, na bateria. Profundamente calcado no blues e contando com a produção de Esmond Edwards e engenharia de Rudy Van Gelder, o álbum recebeu do Allmusic Guide cinco merecidas estrelas.
Não é para menos, pois além dos arranjos deliciosamente engendrados por Budd, o repertório é primoroso, equilibrando-se entre composições do líder e versões sublimes de quatro standards. A começar por “Serenade in Blue”, balada elegante de Mack Gordon e Harry Warren que abre o disco e cuja introdução arrebatadora é um atestado dos talentos do líder. Os sopros se correspondem com delicadeza e coesão, revelando uma intimidade que, sem trocadilhos, provém de berço. Flanagan, o poeta das 88 teclas, é decisivo na criação da atmosfera intimista.
“I Only Have Eyes for You” é outra preciosidade de autoria de Harry Warren, desta feita em parceria com Al Dubin. A interpretação do quinteto é despretensiosa e festiva, com destaque para as intervenções espetaculares de Flanagan e para o excelente solo de Duvivier. Percebe-se com clareza a diferença entre a abordagem dos irmãos: a do trombonista é mais centrada no swing e a do saxofonista é encharcada das harmonias tortuosas do bebop, mas ambas estão impregnadas de uma animação contagiante.
Em “Downtown Manhattan”, o saxofonista funde, com muita engenhosidade, a batida sincopada do blues com a fúria harmônico-melódica do bebop, chegando a um resultado mais que estimulante e cheio de groove. Além das acrobacias do líder e do fraseado certeiro de Flanagan, merece uma audição atenciosa a extraordinária atuação de Persip e seu toque quase opulento de tão vigoroso.
Os irmãos George e Ira Gershwin comparecem com “Someone To Watch Over Me”, uma de suas composições mais belas e delicadas, que aqui recebe um arranjo bastante respeitoso, onde cada nuance da melodia pode ser ouvida em sua inteireza. A execução do quinteto é refinada, com o líder demonstrando o quanto a sonoridade macia de Lester Young foi importante em sua formação. O sopro classudo de Keg e a percussão discreta de Persip, agora utilizando as escovas, acrescentam um charme especial à faixa.
Outra dupla de peso, Richard Rodgers e Lorenz Hart, é responsável pela encantadora “Falling In Love With Love”. A estimulante companhia do irmão deixa Budd extremamente à vontade e seu sopro é leve e relaxado, lembrando, em certas passagens, a sonoridade de um sax alto. O próprio Keg se encarrega de injetar bom humor e irreverência no tema, abusando dos efeitos e articulando frases que soam quase insolentes, mas sem apelar, em momento algum, para a vulgaridade.
“Blues By Budd”, também de autoria do saxofonista, é um blues em seu estágio mais profundo, um lamento expressivo carregado de dor e aflição. Ao contrário da faixa anterior, o arranjo aqui é austero e seus quase dez minutos merecem ser ouvidos com a devoção de quem escuta um hino. É como se aqueles homens estivessem narrando o sofrimento e a opressão vividos pelo povo negro durante a escravidão mas também durante o longo e tenebroso período em que os Estados Unidos toleraram a odiosa segregação racial, que só na década de 60 começou a ser superada. Soberbas atuações do líder, cujo sopro conjuga robustez e ferocidade, de Flanagan, um ás na exploração dos mais obscuros recônditos do blues, e de Duvivier, a quem se deve boa parte do peso e da atmosfera opressiva do tema.
Em outro blues, “Uptown Manhattan”, Budd flerta com o soul jazz e tem uma das performances mais impactantes do disco. Sua interpretação é ousada, caudalosa, repleta de referências às formas de jazz mais contemporâneas. Certamente, naquela época já conhecia e se deixava influenciar pelos novos mestres do tenor como Sonny Rollins e, sobretudo, John Coltrane. Os acompanhantes não dão trégua e elevam a temperatura a níveis infernais, especialmente Flanagan e Keg, este particularmente ensandecido. Um álbum à altura da grandeza do seu protagonista e que diz muito acerca de sua importância – nem sempre valorizada como deveria – para o desenvolvimento do jazz.
Entre 1965 e 1968 Budd restabeleceu a parceria com Earl Hines, gravando com este o elogiado “Up To Date With Earl Hines” e excursionando pela Europa, incluindo uma turnê na União Soviética. Outra associação importante foi com a orquestra de Tommy Dorsey, que então era dirigida pelo trombonista Urbie Green. Em 1969, montou o “JPJ Quartet”, que contava com o contrabaixista Bill Pemberton, o baterista Oliver Jackson (ambos originários dos grupos de Hines) e o pianista galês Dill Jones, revelado nas orquestras do trompetista britânico Humphrey Lyttelton. O quarteto, que foi uma das atrações do Festival de Montreux em 1971, se manteve em atividade até 1975, quando foi desfeito.
Durante a década de 60, Johnson se envolveu com a educação musical ministrando aulas em instituições de prestígio como o Queens College, a State University of New York e a University of Connecticut. Nesse período, passou a usar o sax soprano em suas apresentações e com o instrumento, gravou em 1971, para o selo francês Black & Blue, o disco “Mr. Bechet”, no qual homenageia o pioneiro Sidney Bechet. Também exerceu a função de Diretor Musical da Atlantic Records e fundou sua própria gravadora. Realizou uma série de concertos para o Smithsonian Institute e para esta entidade fez, juntamente com o editor David Baker, a transcrição para partitura de diversas gravações de jazz das décadas de 10 e 20.
O saxofonista participou do filme “L’Aventure du Jazz”, dirigido por Hugues e Louis Panassié, em 1970. Ele também pode ser visto no magnífico documentário “The Last Of The Blues Devils”, de 1979, ao lado de outros gigantes como Count Basie, Big Joe Turner e Jay McShann. Dirigido por Bruce Ricker e produzido por Clint Eastwood, o filme retrata o panorama musical de Kansas City dos anos 30, através de depoimentos e performances de alguns dos seus mais importantes protagonistas.
Trabalhando incessantemente, Johnson era atração constante em festivais como os de Nice, Newport, Lubljana, e outros mais, viajando intensamente pelos Estados Unidos, Europa e Japão. Em 1975 juntou-se à New York Jazz Repertory Orchestra e durante aquele período gravou alguns discos em companhia de Earl Hines para a “Black & Blue. Em fevereiro de 1984 gravou, juntamente com Phil Woods, o álbum “The Ole Dude & The Fundance Kid”, para o selo Uptown, bastante elogiado pela crítica. Como bem destaca o Mestre Pedro “Apóstolo” Cardoso:
“Se observarmos a bibliografia e todas as publicações noticiosas sobre o JAZZ, com certeza Johnson pode ser classificado como o “pré-parkeriano” menos notado, menos incensado. Ainda assim e por seu espírito sempre aberto para quaisquer tendências (veio da escola “swing” e com naturalidade aderiu ao “bop”), o que não era habitual em seus contemporâneos, Johnson foi, sem dúvida, um desbravador de caminhos e largamente apreciado por músicos mais jovens.”
O saxofonista morreria poucos meses depois da gravação com Woods, no dia 20 de outubro de 1984, em Kansas City, no Missouri. Deixou uma discografia relativamente modesta como líder e seus álbuns foram lançados, em sua maioria, por selos pequenos, como Felsted, Riverside, Swingville, Argo, Black & Blue, Master Jazz, Dragon e Uptown. Entre os músicos que tiveram a honra de acompanhá-lo, destacam-se Kenny Burrell, Hank Jones, Milt Hinton, Ray Bryant, Panama Francis, Osie Johnson e muitos outros. Extremamente querido por seus colegas de trabalho, sua morte foi lamentada por músicos ligados a todas as correntes do jazz e seu nome foi postumamente indicado para o Big Band and Jazz Hall of Fame, em 1993.
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25 comentários:
Achei..isso...espia. Rsss. Boas Músicas!
http://starline.dnsalias.com:8080/sbs/arquivos/15_6_2009_13_11_15.SBS.pdf
Meu Deputado,
É uma honra tê-lo no barzinho.
Vou dar uma sacada agora mesmo.
Abração!
érico san,
o título da resenha fisgou-me de imediato...tanto pelo inusitado quanto pelo ritmo que também pode ser jazz...hehehe...já que samba e bossa o são, conforme master lester e colaboradores do jazzseen...
agora...o relato inicial é mais que atraente e estórico...não conhecia a genealogia de miss pittman, apesar de curtir na infância vários sucessos da cantora via rádio...esse mar é meu, leva seu barco pra lá desse mar...e saber do padastro que tocava no cassino da urca...só isso...portanto, obrigadão
também não conhecia mr.budd johnson...aliás, um músico com 'm' maiúsculo...reitero, domo arigatôzão...
vou à radiola com a certeza de curtir um sonzaço...de tua seleção
abraçsonoros e saudosos
Estimado ÉRICO:
Fiquei surpreso com a gravação escolhida (e tão bem resenhada), tão dificil de encontrar.
Resenha muitíssimo bem alinhavada, com parte da magnífica história e "ressuscitação" do grande Booker Pittman.
A sonoridade "bop e opulenta" de Budd é marca inconfundível dos grandes.
Mais uma vez, parabéns e grato pela música ! ! !
Em tempo:
"Ressureição" é mais natural e própria, "ressuscitação" seria por terceiros.
Enfim, viva Pittman !
Meus caros mestres Pituco e Apóstolo,
Sejam muito bem-vindos.
Como você, meu embaixador, também só sabia que a Eliana era filha adotiva de um músico americano, mas não conhecia maiores detalhes da vida do Pittman.
E que história bonita tem ele e a sua família. Realmente, uma origem de encher de orgulho. Ainda bem que ele conseguiu retomar a carreira e tocar por ainda uns bons anos.
Eu também ouvia muito a Eliana na infância - ela tocava muito no rádio. Infelizmente, parece que ela não grava há algum tempo.
Mestre Apóstolo, desnecessário dizer que essa resenha teve a sua contribuição valiosíssima - obrigado mesmo!
Foi a partir de suas preciosas informações que eu fui atrás de conhecer um pouco mais da vida do Pittman. Engraçado como a vida desses dois grandes músicos se cruza: um é filho da professora do outro, ambos tocaram com Louis Armstrong e Count Basie, ambos são multiinstrumentistas.
Pois é, não se pode dizer que carimbó não seja jazz (só quero ver o que o Predador vai dizer!!)
Abraços fraternos aos dois!
Esse estava na fila de espera para um futuro post. bacana.
Grande Salsa,
Pois corra a colocar no quintalbarzinho essa preciosidade. Assim, mais amigos vão poder ter acesso a essa verdadeira pérola sonora!
Abração!
Primeiro parabenizo-o pela lembrança, nesta resenha, da trajetória do grande Booker Pittman e segundo por ter ressuscitado e apresentado aos participantes do seu blog, mr.Cordeiro, outro mestre dos sopros: Buddy Johnson. Músico "esquecido" pelos críticos e desconhecido da maioria dos apreciadores do gênero, com poucas gravações como líder, mas com boa participação como side-man de grandes músicos de jazz, no qual gostaria de destacar "Live at the Village Vanguard", fazendo parte do quarteto de Earl Hines, álbum gravado pela Columbia/Sony em 1965. Aliás esse "Let's swing" também é muito bom. Agora, quanto a dizer esta tremenda heresia de que carimbó tambem é jazz, acho que posso esperar tudo de vocês, mentor e participantes desse blog. Qualquer dia vocês vão dizer que Fado, merengue, salsa(o rítmo) também são jazz. Preciso estar com o "gatilho do detonador atômico muito bem afiado". Haja paciência!!!!
Oi Érico...
Passando para me deliciar com todo esse clima musical e romântico que tem seu blog... e ler e ouvir jazz! Acho que preciso vir aqui mais vezes! rs
Lindo fim de semana...
Beijo
Sil
Com carinho
Caros Predador e Silene,
Sejam muito bem vindos.
Ao primeiro, digo que não precisa ficar mal-humorado, só porque o carimbó também é jazz e Pinduca um tremendo jazzman. Afinal, clássicos como "Mataram meu peru" e "Sinhá Pureza" estão à altura de petardos como "Yardbird Suite" ou "Song for my father".
À segunda, agradeço as palavras generosas e fique à vontade aqui no jazzbarzinho. Boa conversa, amigos bacanas e boa música não faltam.
Um fraterno abraço aos dois!
Tive gratas oportunidades de ouvir ao vivo o Booker e até um papinho cheguei a ter com ele. Uma figura maravilhosa, humilde, muito simpática. Em termos de sax soprano, depois de Bechet não tem para ninguem, é Booker, aliás instrumento de sonoridade difícil, músicos mais modernos conseguem um som chocho, sem brilho, principalmente sem usar o vibrato fundamental no soprano. Bem a estrela da resenha é o Budd Johnson sensacional, um magnífico sax. abraços
Mario Jorge
Estás se especializando em encontrar artistas que não conheço, meu mestre...
Lembrei de várias coisas a respeito dessa postagem, a última me veio agora quando me preparava pra deixar comentário: e o seu sax, seu sam? Aliás, era trumpete? Faz tempo esqueci. A pergunta é, como vai ele (sax ou trumpete)? Largadinho num canto, ou recebendo uns tratos? Outra coisa: pra mim o Booker era o pai da Eliana, como diria o cinéfilo, "vinvenders e aprendenders"... Outra: consegui baixar e ouvir pelo soulseek o álbum do Dick com o Brooker, uma maravilha! O disco estava postado no Louronix, mas, parece q virou mistério na Rede o sumiço do Zeca Louro e dos links (pra baixar álbuns) e fotos de capas - o blog ainda está lá – que desapareceram. Aí consegui o disco no soulseek e sim, além de maravilhoso, o destaque pra mim, fora tudo que já imaginava ótimo, é a participação do Heraldo do Monte, na guitarra. Excelete! Com todos os meus milhares de álbum, não tenho nada dele. Terei q reparar este erro. Do Budd ainda nada sei – ainda não li a sua postagem até o fim. Consegui o Budd Johnson & The Four Brass Giants, mas ainda não ouvi.
Ah! E que bom q os discos chegaram, já estava ficando preocupado.
Prelado Mestre, imensa satisfação encontrar alguém que entenda que carimbó também é jazz. Tenho dito isto faz alguns anos lá no Jazzseen, mas ninguém acredita. Conhecia toda esta história fantástica sobre os Booker, Taliaferro e Pittman, homens fortíssimos que venceram duas grandesbarreiras: a escravidão e o vício.
Quanto ao álbum dele com Farnésio, sinto informar que o possuo, verdadeiro documento do jazz no Brasil.
Grande abraço, JL.
Caríssimos MaJor, Sérgio e John Lester,
Sejam muito bem-vindos!
Não é todo dia que o jazzbarzinho pode contar com presenças tão ilustres!
Ao primeiro, uma saudação especial, já que ter visto, ao vivo, o grande Booker atuar deve ter sido uma experiência inesquecível!
Confesso que tirando Coltrane, Steve Lacy e alguns outros poucos, não sou dos maiores entusiastas do sax soprano.
Talvez o problema seja exatamente essa falta de "pegada" que alguns músicos, especialmente os atuais, imprimem em seu toque. Fica algo "levinho" demais.
Mr. Sérgio, és um privilegiado, pois esse disco é raríssimo - coisa para poucos "escolhidos", como o notável Cap. John Lester.
Aliás, meu capitão, sabia que compartilhávamos da mesma, nas palavras do Predador, "heresia".
O carimbó, arrancado das selvas paraenses, acrescido da linearidade européia e da malemolência africana, é uma espécie bastante pitoresca de jazz!
Ave Booker T. e Booker P.
Quanto ao sax (é sax, e não trompete, meu Garimpeiro), digamos que eu não estou com muita vontade de eclipsar Charlie Parker, por isso dei um tempinho. Mas qualquer hora eu volto a treinar.
Um fraterno abraço aos três!!!
Seu Sam, mudando de fio pá pavio, eu juro que é quase tão de coração como é o amor pelo meu Tricolor... Mas HOJE e não só hoje, mas sempre que houver esse confronto (quase sempre, digamos, já que existem as circunstâncias) o meu grito de guerra é: VASCO!!!
Deus te ouça, mizifio, Deus te ouça!
Caro Érico e demais confrades,
Vi e ouvi Budd Johnson na única vez em que tocou no Brasil, em 1969, em São Paulo, no quarteto de Earl Hines.
Como curiosidade, o concerto começava com Hines, Perbemton e Jackson tocando no palco, enquanto Budd Johnson entrava no teatro pela porta principal tocando sax-soprano e caminhando lentamente pelo corredor até juntar-se à seção rítmica no palco sob o delírio da platéia.
Por tudo de bom que fez, Budd Johnson foi um underrated no jazz.
Ele participou e tocou alguns ótimos solos no disco que Sarah Vaughan gravou em 1950 para a Columbia acompanhada por um excelente conjunto liderado por Miles Davis. Em minha opinião, a Divina gravou vários dos seus melhores vocais nesse disco e algumas dessas interpretações foram as versões definitivas de certos standards do repertório.
Keep swinging,
Raffaelli
Mestre Raffaelli,
É um enorme prazer e uma alegria maior ainda tê-lo de volta ao jazzbarzinho.
Seja muito bem-vindo e saiba que seu camarote VIP está intacto e bem cuidado.
Não sabia que o Johnson tinha vindo ao Brasil - são poucas as informações sobre ele disponíveis em livros ou na internet.
De qualquer forma, deve ter sido um espetáculo fabuloso - Earl Hines é outro músico do swing que, como Johnson, Hawkins e Webster, se integrou sem dificuldade à linguagem bop.
Um fraterno abraço e obrigado pela participação aqui no jazzbarzinho!!!!
Caro Érico,
Um adendo em relação a meu post anterior.
Esqueci de mencionar que naquela ocasião, em 1969, o empresário americano vendeu um pacote com dois conjuntos para tocar em São Paulo no Teatro Cultura Artística:
* Earl Hines quarteto e Oscar Peterson Trio (completado por Sam Jones e Bobby Durham). O trio de Peterson foi extraordinário, com Sam Jones e Durham empolgando o público e os músicos brasileiros que assistiram os concertos. Quanto a Peterson, nem preciso dizer que matou a pau. Na época, poucos brasileiros sabiam da existência de Bobby Durham.
Keep swinging,
Raffaelli
Mestre Raffaelli,
Felizes os convidados para esse verdadeiro banquete musical.
Poder ver de perto Earl Hines e Oscar Peterson, dois monstros do piano, secundados por bandas da mais alta qualidade, realmente é um privilégio.
Ainda mais que os espetáculos ocorreram no Brasil, onde a presença de artistas desse calibre não é lá tão corriqueira.
Um fraterno abraço!
Hello é a 3ª vez que li a tua página e reflecti tanto!Bom Projecto!
Cumps
Gracias, Anonomo!
OMG , você vê o que está acontecendo na Síria ? Apesar de uma brutal repressão do governo , as manifestações continuam
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