Amigos do jazz + bossa

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

OS VERÕES POLARES




À estupidez que inebria os corações,
Vassalos de outros corações...
Às badaladas inconclusas do sino da capela,
Que anunciam o pesar nauseabundo...
Ao descompasso palpitante que acende
A chama pueril que insiste em não queimar...
À solidão, desdenhosa em seu desamparo,
Que persevera em me fazer companhia...
Ao resultado métrico do poema,
Tão profícuo e tão inútil...
À metáfora obstinada e submersa
Que revela o quão patéticas são as grandes aptidões,
À empatia piedosa com os que sofrem,
Imbuída da mais solene hipocrisia...
Ao amadurecimento das idéias brilhantes,
Que apenas apodrecem nas mentes dos covardes...
Ao fetiche precário do assassino hesitante,
Preso ao corcel arredio da docilidade...
À frivolidade e ao descompromisso engajados,
Tão insensíveis à arte...
Aos canalhas asilados no purgatório da mediocridade,
Pois eles um dia herdarão o reino dos céus...
Às horas vadias e noites sôfregas,
Que se escondem sob as montanhas escarpadas do desvario...
À neblina, periódica e imberbe,
Cuja frouxidão deixa atravessar, incólumes, as embarcações...
Aos percursos opostos, paralelas do imponderável,
Que derramam sobre os meus olhos a sombra dos ciprestes...
Aos hipocondríacos, aos endinheirados, aos compreensivos,
Aos militantes, aos militares, aos exonerados,
À sociedade, à futilidade, à necessidade,
Ao pai das invenções e ao país do futebol,
Aos verões polares e às flores de plástico,
Aos horizontes precários e às máscaras mortuárias,
À cultura milenar, aos ancestrais e descendentes,
Ao teatro do oprimido e à fogueira das vaidades,
Aos oligofrênicos, aos nefelibatas, aos pragmáticos,
Aos exploradores, aos esfomeados, aos misericordiosos,
Às almas, aos corpos, ao sêmen,
Eu rogo que parem
E descansem em paz!
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Clifton Anderson, nascido em 05 de outubro de 1957, em Nova Iorque, é um dos trombonistas de maior prestígio da atualidade. Sobrinho de Sonny Rollins, desde 1983 é um dos destaques da banda que acompanha o lendário saxofonista. A paixão pela música vem de berço: seu pai tocava órgão em uma igreja local e a mãe, Gloria Rollins Anderson, que faleceu em 2008, era cantora e pianista amadora.
Após assistir ao filme “The Music Man”, onde há uma cena com uma orquestra de trombones liderada por Robert Preston, o garoto manifestou à mãe o desejo de tocar o instrumento. Glória contou ao irmão famoso sobre o desejo do sobrinho, e Sonny deu ao pequeno Clifton o seu primeiro trombone, quando este tinha apenas sete anos. Mais tarde, aos 12 anos, o garoto decidiu investir com afinco na carreira musical. Até então, Anderson se dividia entre a música e o tênis, outra de suas paixões.
Os primeiros estudos musicais foram feitos na renomada Fiorella LaGuardia High School of Music and Art e, a partir daí, não parou mais de tocar. Estudou com Simon Karasick e Dave Schechter, na State University of New York, onde passou cerca de um ano. Em seguida, matriculou-se na Manhatan School of Music, onde se graduou em música, no ano de 1978, e teve como colega de turma o talentoso pianista Kenny Kirkland.
Uma das suas primeiras experiências profissionais foi integrar a “The World of Trombones”, orquestra criada e liderada por Slide Hampton, na qual atuaram outros jovens e talentosos trombonistas, como Steve Turre, Doug Purviance, Robin Eubanks e Conrad Herwig. A influência de J. J. Johnson é visível no seu fraseado, embora também se possam perceber ecos de Frank Rosolino, especialmente na forma adocicada com que toca baladas. A admiração pelo tio e pela mãe pianista é enorme. Anderson costuma dizer que “há um pouco da minha mãe e também de Sonny em cada nota que eu toco”.
Além de exímio trombonista e compositor, Anderson é um disputado produtor e arranjador, tendo atuado em diversos musicais da Broadway, como “Dreamgirls” e “Nine”. Também desenvolve uma renomada carreira como educador musical em escolas de Nova Iorque. Sua execução é envolvente e extremamente sofisticada e, no currículo, registra atuações ao lado de luminares como Wallace Roney, Frank Foster, Dizzy Gillespie, Geri Allen, McCoy Tyner, Clifford Jordan, Lester Bowie, Barry Harris, T. S. Monk e Muhal Richard Abrams.
Convidado pela Duke University, foi artista residente daquela prestigiosa instituição, entre 1999 e 2001. Como pesquisador musical, possui enorme afinidade com os ritmos afro-caribenhos, como a salsa, o calipso e o reggae. Também é bastante disputado por estrelas do mundo pop, tendo gravado com Paul Simon, Dionne Warwick, Wyclef Jean, Billy Ocean, Stevie Wonder e Mighty Sparrow. Produziu elogiados álbuns "Without a Song: The 9/11 Concert", de 2006, “Sonny, Please”, de 2007, e “Road Shows”, de 2008, que estão entre os melhores que o tio Sonny Rollins lançou nos últimos 20 anos.
Anderson tem apenas dois álbuns gravados como líder, sendo que “Decade”, lançado pela Doxi Records, é considerado o seu mais importante trabalho até agora. A produção de Sonny Rollins é o melhor selo de qualidade deste disco, que conta ainda com alguns dos melhores músicos contemporâneos. Ali estão presentes Larry Willis e Stephen Scott (piano), Bob Cranshaw e Christian McBride (baixo acústico), Al Foster e Steve Jordan (bateria), Kenny Garret (sax alto), Eric Wyatt (afilhado de Sonny Rollins, sax tenor) e Kimati Dinizulu (percussão). As gravações foram feitas entre 10 e 28 de dezembro de 2007.
Com os dois pés muito bem assentados na tradição bop e no blues, Anderson é um músico de enorme personalidade, altamente versátil e um inspiradíssimo compositor, assinando seis das dez faixas, incluindo as excelentes “So Wrong About You”, “Deja Blu” e o calipso “Aah Soon Come”, tributário da clássica “St. Thomas”, talvez o mais conhecido tema de Rollins.
A lindíssima versão de “I’m Glad There Is You”, com um arranjo minimalista e percussão orientalizada – a cargo de Foster – e a swingante releitura de “If”, antigo sucesso da banda pop Bread, merecem uma audição mais atenta. Destaque-se, ainda, a notável performance do grupo em “Noble”, também de autoria do líder, na qual a atuação do trombonista pode ser definida como vulcânica.
O standard “I'm Old Fashioned”, com uma irresistível levada bop, e a incandescente “Stubbs”, feita em homenagem ao falecido saxofonista John Sttublefields, apresentam a pegada vigorosa de Anderson, à vontade nos tempos mais acelerados. Em “Z”, os méritos recaem sobre o exuberante trabalho de Garret, num trabalho que concilia desenvoltura e complexidade, e sobre a robusta sonoridade que McBride extrai do seu contrabaixo.
A sofisticada balada “We'll Be Together Again”, tocada em dueto com o pianista Scott, é um dos momentos mais sublimes do álbum, com os dois músicos interagindo com muito lirismo e criatividade. Na época, a mãe de Anderson estava hospitalizada em estado grave e a canção foi gravada em sua homenagem, daí a enorme carga emotiva que a reveste. Por tamanhas qualidades, “Decade” é, justamente, considerado um dos melhores álbuns de 2008, e uma singular amostra do talento desse grande trombonista.

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19 comentários:

Anônimo disse...

procurando mais ...Vlw pela dica!

^^

APÓSTOLO disse...

Estimado ÉRICO:

Mais um gol, com um "artilheiro" que vem crescendo no cenário.
Parabéns ! ! !

PREDADOR.- disse...

O "artilheiro" que vem crescendo no cenário é Eder Luis. Gravação( 2007) de Anderson tendo como coadjuvantes Stephen Scott, Steve Jordan, Kenny Garret, Eric Wyatt e o malfadado Kimati Dinizulu, dentre outros, gera o seguinte resultado: um verdadeiro "xarope" misturado com ritimos afro-caribenhos. Não preciso mencionar mais nada. Tô fora!

Érico Cordeiro disse...

Caros Predador, Apóstolo e Rafaela (seja muito bem vinda e não se assuste com o predador - ele é um etezinho bem legal, embora à primeira vista possa parecer malinha - rs, rs, rs),
Sejam muito bem vindos. Amanhã, de volta a Saint Louis, formato a postagem e ponho a capa do disco. Estava em uma lan house e a internet é lentíssima!!!.
De qualquer modo, obrigado pelas presenças - leia uma matéria no jazzwax e uma entrevista no allaboutjazz e ouça o disco, viu Mr. Predador. O cara é um J. J. Johnson redivivo, bopper até a medula, e os standards são de emocionar até as pedras.
Muuuuuuuuuito bom esse disco. Ouço com freqüência, é um dos melhores dos últimos tempos!!!!
Grande abraço aos três e obrigado pelas presenças!!!!!!

Salsa disse...

O som é bastante clássico (no bom sentido - o do balanço). Não conhecia o trabalho do moço.
Quanto ao poema, você tem uma dicção curiosa que une elementos contemporâneos aos do nosso simbolismo (Cruz e Sousa) - os adjetivos denunciam. Acrescente-se uns traços barrocos expressos nas imagens paradoxais (a chama pueril que insiste em não queimar), a paixão romântica e uma volúpia a-histórica (pós?)modernista. Uma jam session do barulho. Cuide-se.

John Lester disse...

Prezado Mr. Cordeiro,

Nada como sangue novo período eleitoral. Certo, concordo que o trombonista sabe a que veio mas diga-me que pianista é esse!!!

Excelente dica, JL.

MARIO JORGE JACQUES disse...

Érico, excelente "descoberta" como lider, grande trombonista nivel Rosolino, Jay Jay. Aliás todo grupo muito bom. Vou garimpar para colocar no podcast do CJUB.
Abraços
Mario Jorge

Érico Cordeiro disse...

Caros Salsa, John Lester e MaJor,
Como diria o produtor George Wein, isso não é um trio, é um triunvirato.
Sejam muito bem-vindos.
Pois é, resolvi falar sobre um cara da "nova geração", não tão badalado, por exemplo, quanto um Wallace Ronney, um Terence Blanchard, um Brad Mehldau ou um Joshua Redman, mas no mesmo nível desses caras!
E sobrinho do Sonny Rollins, não renega o DNA musical.
Esse decade é ótimo, ouve-se várias e várias vezes sem cansar!
Os pianistas são Larry Willis e Stephen Scott, mas não sei precisar quem toca em que faixa - estou em Pinheiro City e não estou com o encarte. Amanhã providencio a indicação de quem toca em cada faixa, ok?
Mr. Salsa, vou tomar as suas palavras (você tem uma dicção curiosa que une elementos contemporâneos aos do nosso simbolismo (Cruz e Sousa) - os adjetivos denunciam. Acrescente-se uns traços barrocos expressos nas imagens paradoxais (a chama pueril que insiste em não queimar), a paixão romântica e uma volúpia a-histórica (pós?)modernista) como um elogio, ok? :D
Um fraterno abraço aos três!!!!!

PREDADOR.- disse...

Depois da publicação de seu livro, não posso ficar "detonando" você mr.Cordeiro, assim sem mais nem menos. Reouvindo o Clifton (Decade), apesar da sonoridade, para o meu gosto, ser "pasteurizda"/"glicerinada", e, eliminando-se o calipso "Aah soon come", mudei a minha primeira impressão e achei o disco bastante razoável. Isto não quer dizer que o álbum em questão seja uma "brastemp", mas neste caso "dou meu braço a torçer", aliás braço não, só alguns dedinhos da mão.

Érico Cordeiro disse...

Dando o braço - quer dizer, o dedinho - a torcer, Mr. predador? Isso é inédito.
Mas ainda bem que você mudou seus conceitos - ia perder um discaço!
Abração!

pituco disse...

érico san,

biblo's, poemaços e afinal-díssimamente muito jazz...

tô curtindo o som do homi...e que galera tocando junto, não é verdade?

valeô a dica
amplexossonoros

figbatera disse...

Eu gosto muito do som do trombone; e o disco é muito bom, sim!
Assim como o poema.

Érico Cordeiro disse...

Embaixadores Pituco e Fig,
Sejam muito bem-vindos a bordo.
Que bom que gostaram do som e do poema (quem sabe não venha por aí um livro de poesia?!?!).
No mais, é ouvir o Clifton muitas e muitas vezes, porque o cabra é muito bacanudo!!!!
Abraços aos dois!!!!

Sergio disse...

Olha, mr. eu tenho esse disco e é bem bom, sim. Tenho outro inclusive, CLIFTON ANDERSON (LANDMARKS) 1995, ótimo tbm. Como cheguei ao nome é exigir demais da minha (mé)mória. Só sei q não sou um piloto tão experimentado como o nosso Predador, mas minha navezinha avôa bem.

Noentanto, sabe o q na verdade, me trouxe, seu moço? Acabo de dar uma verificada e não tens ainda uma postagem dedicada a Hank Jones. Poxa no ano da morte desse gênio, não seria uma boa lembrança que faças justiça?

Bem, tenho um racadinho pra te dar sobre minha exaustiva incursão sobre a obra de mestre Hank, mas esse te mando por emeio.

Abraços!

E não faz mal lembrar de te desejar uma tarde/noite de autógrafos auspiciosa!

Érico Cordeiro disse...

Mr. Seu San,
Seja muito bem-vindo, meu garimpeiro!
Ainda não foi dessa vez que eu consegui postar um "inédito" - essa mina é inesgotável, meu amigo!
Quanto ao Hank Jones, tá na lista de futuras postagens - e um disco que você gosta muito, viu?
Obrigado pelas boas vibrações - foi muito legal no Marisco, com show do fantástico Léo Capiba, acompanhado de várias feras daqui! Muitos amigos (pena que você não pôde estar fisicamente, mas todos os amigos do jazzbarzinho estavam lá).
Agora é tentar ir ao Programa do Jô, prá vender muitos e muitos exemplares do livro e virar um novo Paulo Coelho :)
Abração!

Sergio disse...

Sobre o programa do Jô tenho uma recente, tipo do mês passado: a orquestra abria o 1º bloco do programa com Moanin – aliás, como já deve ter feito uma centena de milhares de vzs - quando o jô regeu o breque e perguntou: "Bom esse tema, qual o nome?” Fez-se um silêncio e nenhum do sexteto foi capaz de responder de pronto enquanto o maestro arranjador (esqueci o nome) tocava a revirar suas pautas atrás do nome do autor, no minuto seguinte (o silêncio durou perto disso) algum dos 6 gritou, "Moanin" e o Jô: “Quem é o autor?”, mais desespero do maestro catando o nome nas pautas e daí, ele grita Billy Timmons!

Está registrado, maestro. Seu Sam, minha memória é ruim, mas a do vídeo tape não faia...

Mas voltando as vacas magra (que carecem engordá) o Jô é perfeito pra fazer livro e blog bombar. Ai quero ver se iras encontrar tempo de responder todos os comentário.

Em tempo: água mineral com gas?

Érico Cordeiro disse...

É, Mr. Seu San
Sua perplexidade procede, mas vou explicar: na sexta fui a um jantar na casa de um amigo e tomei uns choppinhos a mais. Daí que no sábado fiquei só na água mineral (a idade, Seu San). Mas mesmo assim ainda tomei dois chops, só prá não perder a prática, afinal, água enferruja :)
Pô, mas os caras se complicando logo com Moanin', que é um dos temas mais conhecidos do jazz? Agora "Billy Timmons" é ótimo - mas de qualquer forma, acho que seria muito legal pro livro e pro blog poder um dia no programa do Jô - ele curte jazz prá caramba (tenho até po cd dele com o Sexteto, que é bem legal) e tem uma audiência bacanuda.
Um sonho "piramidal"!!!!
Abração!

Sergio disse...

Seu Érico, mais que concordo q o Jô Soares (o programa dele) pode dar o upgrade q precisa) pra levantar venda, procura e, por tabela, a distribuição do livro em todo o território nacoinal! Escreva um release bacanudo e corre atrás! Pq não é sonho nenhum isso de autografar os livros aqui na Modern Sound. Seria mesmo o lugar ideal.

Infim, mas se foi mico o Jô perguntar q música era Moanin', a banda de jazz ficar ali consultando pautas (sobre um tema q tocam dia sim outro tbm) foi o mico do século! É como se uma banda especializada em bossa nova ficasse em dúvida sobre qual era o nome de Águas de Março e creditando o tema a um certo Teo Jobim!!!

É ou não é?

Sorte!

Érico Cordeiro disse...

Ô Seu San, eu quero ir lá onde o "hômi" - essas perguntas tão meio indiscretas. Já pensou se ele olha o release e diz: Ah é aquele sujeito lá daquele blog que fica me zoando porque eu falei Billy Timmons (rs, es, rs). Mas taí uma boa dupla: Teo Jobim e Billy Timmons. Music for eexport :)
Vou anotar a sugestão!!!!

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