A esclerose múltipla ainda é um enigma para a medicina. É uma doença insidiosa, que ataca o sistema nervoso central, destruindo as camadas de mielina que envolvem e protegem os nervos. Suas causas ainda são desconhecidas, embora seja mais comum em mulheres e ocorra com mais freqüência em países de clima temperado. Os principais sintomas são comprometimento da coordenação motora, distúrbios na visão, disfunção urinária, espasmos e contrações musculares, dormência, perda de equilíbrio, tremores e formigamentos pelo corpo. Nos estágios mais avançados, pode causar insuficiência respiratória e até mesmo levar à morte.
A violoncelista inglesa Jacqueline du Pré, morta em 1987, foi uma das vítimas mais célebres da dessa moléstia e sua vida foi contada no emocionante drama Hilary e Jackie, que rendeu a Emily Watson uma indicação ao Oscar de melhor atriz. O ator Richard Pryor e o jogador de futebol Ivaylo Iordanov são outras vítimas famosas da esclerose múltipla. Não existe cura para a doença, mas atualmente os tratamentos são bastante eficientes para retardar seus efeitos e dar ao paciente uma melhor qualidade de vida. Já é possível a um portador da doença ter uma vida saudável e praticamente normal, desde que tome alguns cuidados em relação à alimentação e à prática de atividade física regular.
Infelizmente, quando Columbus Calvin Pearson, Jr. recebeu a notícia de que era portador da esclerose múltipla, em meado dos anos 70, o conhecimento que se tinha da doença ainda era bastante precário e o tratamento era pouco eficaz. Se o nome não é muito familiar, talvez o apelido Duke, dado por um tio apaixonado pela obra de Duke Ellington, ajude o leitor a saber de quem se trata. Sim, Mr. Columbus não é outro senão o fabuloso Duke Pearson, um dos mais notáveis pianistas dos anos 60, além de compositor, arranjador e produtor de primeiríssima linha.
Ele nasceu na cidade de Atlanta, estado da Georgia, no dia 17 de agosto de 1932. Aos cinco anos já tomava as primeiras lições no trompete, instrumento que o acompanhou por toda a adolescência e início da idade adulta e com o qual começou a se apresentar em clubes da cidade natal, no final dos anos 40. Problemas com a dentição forçaram o promissor trompetista a trocar o instrumento pelo piano no início dos anos 50, quando também recebe a convocação para o exército. Ali conheceu Wynton Kelly, sua primeira grande influência ao piano e que o fez esquecer, definitivamente, o trompete. Findo o serviço militar, Pearson começou a tocar profissionalmente em clubes da Geórgia e da Flórida, construindo um nome bastante respeitado naqueles estados.
Em 1959 decide se fixar em Nova Iorque e é contratado para integrar o Jazztet, de Art Farmer e Benny Golson. Pouco depois, Donald Byrd, encantado com suas habilidades, o convida a integrar o seu quinteto, ao lado do saxofonista Pepper Adams. Para o seu lugar, Farmer e Golson convocam um promissor iniciante chamado McCoy Tyner. Em 1961, uma doença afasta o pianista do grupo, sendo substituído pelo jovem Herbie Hancock.
A amizade com Byrd não sofreu qualquer abalo, tanto que no álbum “A New Perspective” Pearson fez os arranjos de várias músicas, inclusive do sucesso “Cristo Redentor”, de autoria do pianista e, segundo ele, composta após uma viagem ao Brasil, acompanhando a cantora Nancy Wilson. O Brasil, aliás, exerceu uma grande influência sobre Pearson, que chegou a gravar com diversos músicos brasileiros, como Hermeto Pascoal, Airto Moreira, Flora Purim e Dom Um Romão.
Contratado pela Blue Note no início dos anos 60, lançou vários discos pela companhia, dentre os quais os elogiados “Sweet Honey Bee” e “The Right Touch”. Além disso, acompanhou Grant Green, Thad Jones, Leo Wright, Johnny Coles e Bobby Hutcherson. Também fez arranjos para álbuns como “A Slice Of The Top”, de Hank Mobley, “Rough ’n’ Tumble”, de Stanley Turrentine, “Lush Life”, de Lou Donaldson, “Srandard”, de Lee Morgan, e “Boss Horn”, de Blue Mitchell. Com a morte de Ike Quebec, em 1963, também acumulou o papel de produtor, permanecendo no cargo até 1971.
Todavia, antes de se associar à célebre gravadora de Alfred Lion, Duke lançou pelo pequeno selo Jazzline (posteriormente encampado pela Prestige) um álbum espetacular, síntese de seu estilo econômico e avesso a pirotecnias. Trata-se do belíssimo “Dedication!”, gravado em 02 de agosto de 1961, no qual o pianista se faz acompanhar de Freddie Hubbard (t), Pepper Adams (sb), Thomas Howard (b), Lex Humphries (bt) e de um extraordinário trombonista chamado Willie Wilson, sobre quem não há maiores informações disponíveis salvo que tocou com o Jazztet por um breve período, que faleceu precocemente em 1963 e que ficou conhecido como “The Forgotten Trombonist”.
O disco abre com uma fabulosa versão de “Minor Mishap”, de Tommy Flanagan, cujo estilo lírico e discreto se assemelha ao de Pearson. Nessa faixa, o voluptuoso Wilson perpetra um solo magistral, o mesmo sucedendo com Adams, e a bateria de Humphries parece um dínamo. “Number Five” é a única composição do líder, um hard bop altamente combustivo, no qual o saxofone de Adams se destaca. A inusitada combinação de trompete, trombone e sax barítono dá a essa gravação uma sonoridade toda própria, difícil de ser encontrada em outros discos da época e todos os arranjos são do líder.
A atuação de Wilson nos standards “The Nearness Of You” e “Time After Time” é um capítulo à parte – seu sopro é melodioso, a um tempo aveludado e energético, capaz de deixar estarrecido o ouvinte com tamanha beleza. Ele também se revela um compositor bastante competente, em “Blues For Alvina”, o que faz com que o fã de jazz lamente ainda mais a perda de um talento tão prodigioso. As ensolaradas “Apothegm”, de Adams, e “Lex”, de Donald Byrd, completam o set, com duas excepcionais atuações de Wilson e de Hubbard – seu solo em “Lex” é sensacional. O álbum foi lançado em cd em 2000, pela OJC.
No final dos anos 60, Pearson liderou a própria big band, por onde passaram, entre outros, Chick Corea, Lew Tabackin, Bob Cranshaw, Mickey Roker, Randy Brecker, Garnett Brown, Julian Priester, Frank Foster e Pepper Adams. Essa verdadeira máquina de swing dividia as noites do Village Vanguard com outra orquestra célebre, a Thad Jones-Mel Lewis Orchestra. No início dos anos 70 deu aulas no Clark College e acompanhou os cantores Joe Williams e Carmen McRae. Todavia, a esclerose múltipla limitou-lhe consideravelmente os movimentos e ao final dessa década já não mais podia tocar. Ele morreu no dia 04 de agosto de 1980, a poucas semanas de completar 48 anos, mas deixou uma obra de enorme relevância. O apelido de Duke, ao final das contas, foi mais do que apropriado.
24 comentários:
O pior é que eu ainda não tenho esse disco. Falha que será, em breve, remediada. Curto muito o balanço de Duke.
Seu Mr. Salsa, o disco é muito, mas muito bom!!!!
Tenho três discos dele e esse é, disparado, o melhor (embora os outros também sejam bem bacanudos).
Abração!!!
Belo disco, mestre. Ouvi de cabo a rabo.
Esse trombonista fera e misterioso aparece no allmusic com dois álbuns - mas apenas a imagem das capas e nada a respeito. E se fores nos créditos do Dedication!, verá que há 1 Willie Wilson e 1 Wifrey Wilson (se não me engano) seriam a mesma pessoa? Sei lá. Só sei q Dedication! é excelente.
Mais um belo e esclarecedor trabalho sobre um grande artista quase esquecido.
Valeu!
Valeu, Sonic-boy,
E o Wilson me impressionou. Já tinha falado um pouco sobre ele antes, mas não achei muitas informações sobre o cara - taí uma dica para mais uma garimpagem!
Abração!
Caramba! Muito bom! Eu tb sou fã de trombone.
Não conhecia essa turma; sou mesmo um "analfa", mas vou aprendendo com os mestres.
Grande Fig,
Mas você é mineirinho, mineirinho mesmo!
Eu também não conhecia o Willie Wilson, só através desse disco, o que é ima pena, porque ele é muito bom - um trombonista e tanto.
Abração direto da baixada maranhense (estou em Pinheiro, numa Lan House e só retorno a São Luís na Sexta).
Abração!!!!
érico san,
som piramidal...trombone idem idem!!!
também não conhecia mr.wilson...procuremos mais informações...devo ir essa semana a umas lojitas especializadas...quem sabe com alguma sorte,algum material extra do trombonista esquecido...rs
curto muito uma interpretação de sir pearson em 'angel eyes'...standart mas dos bons.
abraçsons
Amigos se há alguém que corre atrás das raridades impossíveis - e faz com gosto - esse sou eu. O Willie Wilson citado aqui é mesmo um grande mistério, já que os discos solos do mesmo listados no allmusic são de 2005 “Son Shine” e 2009 “Love Thy Neighbor” e nesse último o cara que aparece na foto da capa parece novo demais e está com um sax tenor nas mãos. Há, certos, do WW dois álbuns dos 60s: o próprio “Dedication!” do Duke Pearson e um que estou baixando agora do Freddie Hubbard “Minor Mishap” de 1961. Cheio de alttakes. Isso é muito chato. Na verdade são 7 músicas em 12 faixas, 5 alttakes.
Outro disco que me abriu o apetite da curiosidade, é uma compilação de baladas em trombone “Ballads for Trombone” de 1998, com Bob Brookmeyer, Slide Hampton entre outros (q não conheço), cheio de sucessos.
No mais há sim outros álbuns listados como tendo a participação de WW – entre eles um de Little Richards “The Formative Years 1951-53” - mas são todos compilações. Discos que o trombonista participou de alguma fase de carreira de outros artistas.
Já esse Wilfred Wilson aparece como um integrante de uma boa banda de soul, r&b e latin jazz, Mandril e, acabo de conferir, é percussionista. Já que é provável q mr Érico tenha o original do Duke, se houver créditos na capa, ele verá se estão Wilfred e Willie Wilson. Repito que essas informações aqui foram colhidas no allmusic.
Deu saudade das enciclopédias mr. Edu e o mestre Raffaelli.
Abraços!
A garimpagem está difícil Mr. Érico.
Num curto texto em
http://members.cox.net/dave_pam_sherman/williewilson.htm
podemos ler que Dan Morgenstern saiu de uma pesquisa com as mãos a abanar quando solicitado por informações sobre Wilson.
Esperemos que o nickname de "Esquecido" o torne em alguém que se instala na nossa memória com os seus belíssimos solos, ainda que poucos.
Caros Sérgio, Pituco e Pescador,
Pois é, mais um desses mistérios do jazz.
Quem é Willie Wilson? Com quem ele gravou? Será que deixou discos em seu próprio nome?
Acho que o Wilfred Wilson é outro músico - nada a ver com o trombonista "esquecido".
A nós resta, exatamente, fazer como disse o Pescador: mantê-lo em nossa memória!!!!
Desejo-lhe sorte em sua busca, Pituco, e se você achar algo do Willie Wilson, por favor, não se faça de rogado - aceito pandoações.
Vou procurar o disco do Hubbard.
Abração!
Lee Morgan, Tommy Flanagan, Dexter Gordon, Jim Hall, Hank Mobley, Duke Pearson... Tenho encontrado, nestas últimas resenhas, belas postagens atinentes a ótimos músicos. Apesar de meu humor estar péssimo, estou botando fogo pela boca, parabéns mr.Cordeiro. É isso aí!
Botando fogo pela boca, Mr. Predador? Então isso quer dizer que estou no caminho certo e que ainda não será dessa vez que o nosso planeta será bombardeado com poderosos torpedos de fótons?
Fico aliviado.
Saudações.
Vida longa e próspera!!!!
Erico,
Duke Jordan tem um disco com sua big band que é excelente:"Now Hear This",selo Blue Note.
Curiosidade : descobri que ele tem uma composição ,meio samba,meio choro,meio jazz,chamada "Bunda Amarela".Em qual disco, eu fico devendo a informação.
E como o meu "Primo Altamirando", que voce ja conhece(ele assina com o nome de HYJ),faz questão de lembrar, Duke Jordan tem uma outra composição chamada"Chibaba". Voce deve saber o que isso significa,é o assunto preferido do HYJ. Ele é boa gente,conheço ha muitos anos, mas é o proprio Primo Altamirando,o nefando parente do genial Stanislaw Ponte Preta. Agora ele deu de me ameaçar com "revelações" sobre a minha vida,que segundo ele seriam postadas nos varios blogs de jazz que frequento e cai na asneira de recomendar a ele(CJUB,Jazssen e o seu). Eu mesmo estou curioso sobre essas "revelações" mas a curiosidade é sobre quando e onde ele aprendeu a escrever portugues corretamente.
Abraço
Ta vendo só, as pessiams influencias turvam o pensamento:Duke Pearson é que é o autor de "Chibaba" e "Bunda amarela".
Grato
Esse cara me leva a loucura:pessimas influencias.
Desculpem as falhas mas creio serem plenamente justificaveis .
Abraço
Valeu, Tandeta,
O seu "primo" HYJ já apareceu por aqui. Quando encontrar com ele, diga que é sempre bem-vinddo.
E também estou curioso prá saber que revelações são essas.
E vou dar uma procurada em outros discos do Pearson.
Abração!!!!
O mr. Érico, não me subestime. Agora vc tem praticamente a discografia do Pearson! Fiquei arrevorltado, como se diria na roça. Mas esse disco indicado pelo mr. Tandeta, mais revorlto fiquei mais é hoje! ao ver q não tenho. Porém 'sourlseek' existe pra q? Já tá no papo.
Estás na cidade histórica, né? Espero fazendo o que estou pra fazer, beber algumas e observar as moça.
Abraços! Necessariamente em qualquer ordem.
Mr. Sonic Boy,
Ainda não consegui chegar nem no primeiro terço dos discos.
Mas não se preocupe, vou sacar um por um - espero!!
Quanto ao chopp, vai ficar prá depois - agora tem uma tropinha prá ficar de olho.
Abração!!!
Ah, sou eu mesmo, só que usando a identidade do filho mais velho, Gabriel.
Valeu,
Érico
Está bem, mr. feliz pai do Gabriel (belo nome), mas agora aqui quem fala é aquele 'faz tudo' que toda casa tem que ter pra funcionar a contento, aquele que conserta o encanamento, é eletricista, bombeiro e faz serviços gerais do lar... Pq o trabalho foi braçal: sempre que um de seus ilustres commenters citarem um título de álbum de artista importante como Duke, ctrl c, ctrl v o mesmo e leve aquela listinha que mandei e investigue, por favor sr. Érico san, pq o disco tem boas chances de estar lá. Esse trabalho de listar os artistas, títulos e músicas foi – e sempre é- o mais desgraçado dos trabalhos, a parte braçal custosa, sr. Érico. E eu preciso ter certeza que estás fazendo uso dessa ferramenta, pq senão, a impressão de que tudo deu em nada dá-me uma tristeza arretada... Dá pra entender, né?
Em tempo, Duke Pearson (Now Hear This) 1968 é avassalador! Vai na próxima leva.
Abraços!
Erico,
eu sei que o "nefando" HYJ ja deu as caras por aqui e até mesmo deixou escrito a letra daquele insuportavel samba do bloco de Santa Tereza. Ja fui obrigado a ouvir n+1 versões desse samba,todas insuportaveis,como em geral são os que o "nefando" canta. Esse cara é uma grande autoridade nesse assunto("o negocio é dar dois..."),a tal da "chibaba",talvez Duke Pearson tambem gostasse.
De todo modo ja avisei a ele para não abusar da paciencia de voce, de Mr.Lester(H ja me disse que tambem esteve la )e da turma do CJUB com suas insuportaveis perorações a favor da "chibaba", seu assunto preferido. Pelo menos ele gosta de jazz,sempre acompanhado de um "baurete"(como ele diz) e cerveja gelada.
Abraço
Caro Sérgio,
Ok, você venceu... batata frita, quer dizer, vou checar se o disco mencionado tá na listona quase telegônica.
E seu Tandeta, deixa o menino ser feliz - pelo menos ele tem uma vocação, digamos, "natureba". Eu quero mesmo é saber das revelações!!!!
Valeu a presença (sem trocadilho).
Abraços aos dois!!!!
Pessoal, eu venho aqui para me orientar e,principalmente, aprender.Parece q Willie Wilson é rotulado por "forgotten trombonist"(trombonista esquecido).Participou de raras sessões como a do tema Dedication de Duke Pearson.Vindo a morrer em 1963.Segundo os arquivos da revista Down Beat ele substituiu Curtis Fuller, por breve tempo , no Jazztet e tocou com Dizzy Gillespie sem gravar, no entanto.Sua única gravação como lider foi do tema "Minor Mishap" para a Jazzline e atribuida, equivocadamente, depois, para Freddie Hubbard. A formação era :Freddie Hubbard, trompete, Willie Wilson, trombone, Pepper Adams, sax barítono, Thomas Howard, baixo ,Duke Pearson, piano, Lex Humphries, bateria.Dan Morgenstern diretor do acervo de jazz da Universidade de Rutgers(considerado o mais relevante dos EUA) recebeu uma consulta formal a respeito de Wilson e informou q não havia absolutamente nada a respeito do músico.
É Seu Mr. Edú,
O homem desapareceu da face da terra. Dei uma olhada nesse disco do Freddie Hubbard no Amazon e ele está com um preço aceitável, cerca de 15 dólares (usado, mais taxas e frete - novo tá 55 verdinhas).
O problema é que o disco parece ser apenas sobras do disco do Pearson (as músicas são as mesmas, mas com vários takes alternativos). Não sei se me arriscaria...
Abração!!!!
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