Amigos do jazz + bossa

sábado, 22 de agosto de 2009

QUATRO ASES E UM CORINGA


Em 1957, Paul Lawrence Dunbar Chambers Jr., no esplendor de seus 22 anos, já era um músico consagrado e bastante experiente – no ano anterior havia sido premiado pela Down Beat com o New Star Critics’ Poll. Nascido em 11 de abril de 1935, na cidade de Pittsburgh, ele começou seus estudos musicais ainda no ginásio, tocando sax barítono – o amor por sons mais graves já se revelava então.
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Em 1948, com a morte da mãe, vai morar com o pai em Detroit, cidade conhecida por seu efeverscente cenário jazzístico e onde troca o saxofone pela tuba – os graves, mais uma vez presentes em sua vida. Finalmente, em 1952, começou a ter aulas com um músico da orquestra sinfônica daquela cidade e se apaixona pelo contrabaixo, instrumento que jamais abandonará, até o fim da vida.

Naquela época, era um incansável ouvinte de jazz, dedicando-se a escutar com avidez os discos de Charlie Parker, Bud Powell, Dizzy Gillespie e outros heróis do bebop. Dentre as principais influências, ninguém menos que Oscar Pettiford, Charles Mingus e Ray Brown. Em 1953 começa a freqüentar os clubes de jazz de Detroit e se integra à cena local, tocando com grandes músicos estabelecidos na Cidade dos Motores, como Kenny Burrell, Barry Harris (de quem também foi aluno), Yuseff Lateef, Thad Jones, Curtis Fuller e outros.
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Antes de se firmar como um dos mais promissores músicos de Detroit, teve que enfrentar a ira paterna, que sonhava para o filho uma gloriosa carreira no baseball. Felizmente para o jazz, o jovem Paul não haveria de trocar o intimismo dos palcos e estúdios pela imensidão dos estádios e o baseball perdeu, assim, um grande rebatedor.

Em 1955, excursionou com o saxofonista Paul Quinichette, que o levou para Nova Iorque. Na Grande Maçã, Chambers logo se inseriu à vida musical, fazendo amizade, tocando e gravando com gente do naipe de Art Taylor, Lee Morgan, Hank Mobley, J. J. Johnson, Donald Byrd e Jackie McLean, que o apresentou a Miles Davis. Encantado com a sua habilidade, o trompetista logo recrutou Chambers para integrar o seu quinteto, que incluía, simplesmente, Red Garland, Philly Joe Jones e Sonny Rollins (que em breve seria substituído por um certo John William Coltrane).

Davis, que podia ser tudo menos bobo, usou essa formação para gravar alguns álbuns que entrariam para a galeria dos mais importantes da história do jazz, como os da célebre tetralogia do gerúndio – Relaxin’, Workin’, Steamin’ e Cookin’. Mais tarde, após trocar Garland por Bill Evans e Wynton Kelly e adicionar a seu combo o talentoso Julian Cannonball Adderley, Miles haveria de cometer um disco quase mítico, mas isso é outra história!

Ao mesmo tempo em que assumia o baixo no combo de Davis, Mr. P. C. (apelido dado por Coltrane) se consolidava como um dos mais disputados músicos dos anos 50/60, gravando incessantemente como sideman, sendo que ocasionalmente atuava como líder. Um dos primeiros discos em seu nome foi o excelente Paul Chambers Quintet, gravado em 19 de maio de 1957 para a Blue Note.

Neste álbum, o coringa Chambers convocou alguns dos mais renomados músicos da época e perpetrou um dos pontos altos de sua pequena, mas altamente recomendável, discografia como frontman. Alinhavam-se ao baixista, Donald Byrd (trompete), Clifford Jordan (sax tenor), Tommy Flanagan (piano) e Elvin Jones (bateria) – uma valiosa quadra de ases, que correspondem plenamente às expectativas que seus nomes suscitam no ouvinte.

O som do contrabaixo de Chambers é sempre articulado, incisivo e melodioso, de uma beleza comovente no acompanhamento e de uma exuberância invulgar nos solos. Esses predicados são uma característica bastante evidente nesta sessão. A primeira faixa, “Minor Run-Down”, foi composta por Benny Golson especialmente para este disco (como também foi a excelente “Four Strings”, esta como homenagem direta ao amigo contrabaixista). É um blues acelerado, com tintura de bebop, no qual Chambers faz uma convincente apresentação do seu estilo e sua quase sobrenatural capacidade para solar. Um delicado trabalho de Philly Joe com as escovinhas e um excelente duelo entre Byrd e Jordan (que se encarrega de um dos mais belos solos do álbum) são outros pontos altos da faixa.

“The Hand Of Love” é de autoria do próprio baixista, na qual o piano de Flanagan baila por sobre a melodia e extasia o ouvinte com a sua admirável delicadeza, no que é auxiliado pelos metais sobremaneira discretos e pelo baixo do líder, menos voluptuoso que em outras faixas. Na outra composição de Golson, “Four Strings”, o versátil Chambers esbanja categoria, desta feita usando o arco com absoluta destreza – outra de suas mais destacadas habilidades. Interessante frisar que essa mesma música é apresentada em take alternativo, onde Chambers, sem abandonar o arco, se utiliza mais da técnica do pizicato, com um resultado igualmente soberbo.

Uma esfuziante versão de “What’s New”, tocada em um surpreendente tempo médio, apresenta ao ouvinte toda a maestria de Donald Byrd na condução de seu instrumento. O trompetista perpetra um solo antológico, com toda a pujança de sua sonoridade, no que é seguido, magistralmente, por Jordan e pelo anfitrião. Em outro standard, “Softly As In a Morning Sunrise”, centrada no colóquio entre Chambers, Jones e Flanagan (os metais não participam da faixa), o líder dá uma aula magna de técnica e harmonização, configurando-se um dos momentos mais sublimes do contrabaixo jazzístico.

Um Donald Byrd endiabrado volta à cena na avassaladora “Beauteous”, outra composição de Chambers, e mostra porque é um dos mais sólidos pilares do trompete hard bopper. Resta a Jordan replicar o trompetista com um solo primoroso, o que evidencia um dos duelos mais emocionantes do álbum. O anfitrião não se faz de rogado e também participa da festa com um solo demolidor, sendo imediatamente seguido pelo piano lânguido de Flanagan e pela bateria vigorosa de Jones – todos absolutamente irretocáveis.

Outro músico que partiu cedo demais, Paul Chambers, que também tinha sérios problemas com a bebida e as drogas, foi abatido pela tuberculose em 04 de janeiro de 1969, quando sequer havia completado 34 anos. Inscreveu-se entre os mais distintos nomes do instrumento, tocando em uma época em que atuavam, no auge da forma, monstros da envergadura de Oscar Pettiford, Charles Mingus, Leroy Vinnegar, Ray Brown, Sam Jones, Curtis Counce, Red Mitchell, Scott La Faro, Percy Heath, Richard Davis e George Duvivier.

Imprimiu a sua marca personalíssima em álbuns históricos, como “Kind Of Blue”, de Miles Davis, “Tenor Madness”, de Sonny Rollins, “Blue Train” e “Giant Steps”, do amigo John Coltrane (que compôs “Mr. PC” em sua homenagem), “Full House”, de Wes Montgomery, e “The Blues And The Abstract Truth”, de Oliver Nelson, para citar apenas alguns dos muitos discos inscritos em seu impressionante currículo.

Um músico notável, sobre quem Herbie Hancock disse certa feita: “Paul Chambers era um grande gênio do baixo. Era incrível. Algumas das coisas que ele fez foram realmente inéditas, ninguém conseguiria imitá-lo. Eram coisas que somente ele poderia realizar, nenhum outro músico seria capaz de fazer o que Paul estava fazendo. Ele era fantástico”. Sábias – e verdadeiras – palavras.

22 comentários:

Salsa disse...

PC é magistral. É porto seguro para qualquer instrumentista. Só nos resta sentar e ouvir. Beleza pura.

Érico Cordeiro disse...

Mr. Salsa,
E o que acho legal é que tanto na marcação quanto nos solos ele tem uma dinâmica muito especial de atacar o instrumento, sempre com muita volúpia e energia.
Cada sessão parece que vai ser a última da vida dele.
Abração!!!!

edú disse...

Sr.Cordeiro conduzindo com muita primazia o rebanho dos melhores músicos do jazz.Uma das experiências pessoais em q me belisquei para ver se não estava sonhando foi quando vi e ouvi Mc Coy Tyner,Avery Sharpe,Joe Henderson e Elvin Jones tocando juntos Mr.PC.

APÓSTOLO disse...

Prezado ÉRICO:

Perfeito ! ! !

pituco disse...

érico sama,
passei,li,ouvi e curti...valeô

amplexossonoros, suados e saudosos

Érico Cordeiro disse...

Caros Edú, Apóstolo e Pituco-San,
brigado pela presença. O Mr. PC tem uma discografia quilométrica como sideman (como líder só tenho três álbuns, lançados pela Blue Note) e a qualidade das gravações impressiona.
E ver de perto McCoy Tyner, Avery Sharpe, Joe Henderson e Elvin Jones é quase como ver o quarteto mágico de Trane dos anos 60 (Sharpe ombreia com Garrison e Henderson é dos poucos, pouquíssimos, capazes de não fazer feio ao substituir Coltrane).
Abração!!!

edú disse...

Tem um disco q permanece desconhecido por mim mas de uma quase irresistível curiosidade chamado "Special Quartet" com Mc Coy Tyner,Elvin Jones,Fred Hopkins e David Murray.Segundo algumas opiniões q li deixa a desejar.Outras coloca como um trabalho de alto nível pelos músicos reconhecidamente envolvidos.

Érico Cordeiro disse...

Valeu Seu JM. Edú,
Vou dar uma procurada.
Mr. Sônico, por favor. a sua próxima tarefa está lançada (ouvir um álbum com esse pessoal deve ser um trabalho muito desagradável, não é mesmo?).
Abração!

Celijon Ramos disse...

Compadre, esse instrumento é fabuloso. E a condução das mãos enérgicas de Chambers o coloca no patamar ainda mais mágico. Como Chambers há poucos!
Beleza de resenha,

Um abrasço!

Sergio disse...

Tenho 2 quartetos especiais: Se o álbum citado for ELVIN JONES - "SPECIAL QUARTET - TRIBUTE TO JOHN COLTRANE A LOVE SUPREME"...:

DVD 438, Seu mister Érico. Aí enfraquece, ta venaí... Lembra daquela ‘motinha’ chata de um desenho animado q repetia incansável "eu te disse, mas eu te disse, eu te disse, mas eu te disse..."

Tracklist:
01 - A LOVE SUPREME
02 - DEAR LORD
03 - HAPPY BIRTHDAY FOR YUKA
04 - BLUES TO VEEN

Elvin Jones Arranger, Drums, Musical Direction
Delfeayo Marsalis Liner Notes, Mixing
Wynton Marsalis Trumpet, Arranger
Marcus Roberts Piano

Agora vejo (relendo Edu) q o album em questão não era esse (desculpa a bronca imerecida, seu Erico...), mas um com David Murray. Eu tenho mei mêda do Murray, o cara é free demais pro meu gosto... Mas... pior q tenho tomém! Quaaaá! A questão é q está na leva dos que ainda não foram... Ouvirei-o-o com calma, pela dica ser de mestre Edu, mas já vi q “houveram” controversas!!!

Abraços.

Érico Cordeiro disse...

Compadre Celi, tá de parabéns. O JAZZ DA GEMA está de vento em popa. Ontem foi muito bom (como diria aquele famoso intelequitual tá "acima do arriba").
Lembro da Moto, Mr. Sonic-boy.
O desenho era Willie e Rota (um casal de fusquinhas) e a moto fazia parte da gang do Chapa, um vilão que só se dava mal.
Passava (eu acho) no Globo Cor Especial, se não me engano.
Seu Mr. Sônico, não dá prá ouvir tudo de uma vez, né?
Ainda tô só tateando, mas descobri muitas gemas. Uma delas: Steve Kuhn, álbum Pavane For a Dead Princess (extraordinário!!!!).
Valeu mesmo.
Abração aos dois!!!

edú disse...

Eu não ouvi o disco e nem o tenho.Quando ele foi resenhado recebeu ****1/2 da revista Down Beat e a cotação máxima da Penguin com reforço de certo “desapontamento” no comentário final pelo calibre dos músico envolvidos - aguardava-se uma masterpiece.Ele saiu pelo selo japonês DIW q por certo tempo foi distribuído pela Sony nos EUA.Como o contrato terminou seu custo é absurdamente caro, para os meus padrões,pelas vias convencionais.Apenas ressalto q sou fã de carteirinha do saxofonista David Murray, um dos mais criativos e surpreendentes músicos dos últimos 30 anos no jazz.

Érico Cordeiro disse...

Seu Mr. Edú,
Do pouco que ouvi do Murray, confesso que não me empolguei muito - achei, como o Sônico, um pouco free demais. Também não posso dizer que ouvi com muita atenção - acho que estava na FNAC ou na Livraria Cultura e dei uma ouvida muito por alto (falavam tanto no sujeito que fiquei curioso, mas já sabia de sua veia avant-garde e não deu prá ir muito longe).
Indique algo mais "tradicional", algo para iniciantes, não para iniciados no Murray, please!
Abração!!!

Sergio disse...

Eu já citei aqui um álbum do Murray que adorei, com a japonesa Aki Takase, AKI TAKASE & DAVID MURRAY (BLUE MONK) - 419, mr. Érico. Esse eu recomendo dar uma atenção especial. O Murray está surpreendente (como de costume) e tira um som de uma clarineta baixo ou clarone que é extremamente agradável. O disco todo é bótimo!

E, claro, q não dá pra ouvir tudo, Érico San, não é isso. É só pra saber que tem, pq com aquela discaiada toda, o único jeito de se saber é pelo word. Em compensação,quando se sabe, guarda-se na memória.Uma hora, de bobeira, lembra-se.

Por falar em memory, poxa, se lembrou-se de memória daquele desenho hilário, estás com uma cabeça excelente! Ou passou incólume pelos anos 70 ou era muito menino para ser afetado por eles...

Sr. Edu, se quiseres faço um link pro álbum e o deixo aqui nos comentários.

Andre Tandeta disse...

Erico,
otima escolha. Paul Chambers junto com Red Garland e Philly Joe Jones("Tio Joe")eram conhecidos na epoca que integravam o quinteto de Miles Davis como "The Rhythm Section". Referencia obrigatoria para baixistas que querem tocar jazz Chambers é um dos que ajudaram a escrever o livro do jazz.
Abraço

Érico Cordeiro disse...

Mestres Tandeta e Sonic-boy,
Muito bom contara com as suas excelsas presenças.
Sonic, eu vou dar uma sacada, viu. Não fique grilado não - pus um monte de discos no I-pod e estou ouvindo aos poucos.
E o Chambers é um baixista de primeira linha, tocava muito mesmo - basta ver a quantidade de álbuns clássicos nos quais ele atuou.
Abração!!!

Sergio disse...

Olha aí, mr. Edu e a quem interessar possa:

http://www.4shared.com/file/127372848/be05f71b/David_Murray_-_Special_Quartet_1990.html

Só espero q seja esse o Special Quartet que procura.

edú disse...

Vamos conferir, obrigado Sérgio.Ouvi dizer q o David Murray vai fazer um escala em São Luís durante sua viagem à Guiana Francesa.

Érico Cordeiro disse...

Valeu, Mr. Sonic-boy,
Valeu, Mr. Edú,
Quem sabe o Murray não dá uma canja no JAZZ DA GEMA?
Abração aos dois!!!!

Sergio disse...

Mr. Érico, só agora, nesse exato now, estou ouvindo o Paul Chambers Quintet. Mais precisamente, What's New, acabou de começar, "Donald Byrd na condução de seu instrumento. O trompetista perpetra um solo antológico, com toda a pujança de sua sonoridade, no que é seguido, magistralmente, por Jordan e pelo anfitrião"... Very bom, mr. Very buono.

Sergio disse...

... Mas o q eu queria falar não era tão somente isso. Hoje é um dia de grande sofrimento pra mim. Hoje tem FLA/FLU, e eu com esse timerreca...

Já estou bebeno.

Érico Cordeiro disse...

Mr. Sonic-boy,
Parabéns pelo empate com sabor de vitória. Tomara que o Flusão consiga se recuperar no brasileirão. Mas se não der, tudo bem! A segundona é o maior barato!!!!!
Abração!!!

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