Poucos músicos na história do jazz conseguiram granjear o respeito da crítica e o sucesso de público na mesma proporção que James Moody adquiriu ao longo de mais de sessenta anos de carreira. Versátil, esse saxofonista (tenor e alto), flautista e clarinetista nascido em Savanah, na Geórgia no dia 26 de março de 1925, sempre pautou a sua trajetória musical pelo talento exponencial e por um aparentemente inesgotável bom humor, talvez a sua característica pessoal mais marcante. E tudo isso tendo que enfrentar um problema bastante sério para um músico: Moody nasceu com uma deficiência auditiva que lhe impedia de ouvir com clareza os sons agudos.
A família de Moody tinha uma relação bastante íntima com a música. Seu pai era trombonista e tocou na banda do baterista, pianista, cantor e bandleader Tiny Bradshaw, na qual também atuaram luminares como Russell Procope, Charlie Shavers, Billy Kyle, Charley Fowlkes e Sonny Stitt. Quando ainda era criança, James se mudou com a família para Newark, em Nova Jérsei, onde foi criado. Ali, travou conhecimento ainda mais intenso com o jazz e aos dezesseis anos ganhou de um tio um saxofone alto.
Em 1942, após assistir a uma apresentação da orquestra de Count Basie no Adams Theater, em Newark, o garoto ficou particularmente impressionado com as atuações de Buddy Tate e de Don Byas e decidiu-se pelo sax tenor. No ano seguinte, ao completar 18 anos, entrou para as forças armadas. Ali conheceu o trompetista Dave Burns, que já havia sido membro dos “Savoy Sultans”, com quem voltaria a trabalhar, após a dispensa do serviço militar. Outro acontecimento importante em seu período na aeronáutica foi que ali Moody iniciou-se no aprendizado musical formal, pois até então ele não conseguia ler e nem escrever partituras.
Mas nem tudo eram flores no caminho do jovem saxofonista. Nas forças armadas, ele se deparou com o racismo, chaga social que maculava a sociedade norte-americana. Moody recorda essa época. “Me juntei à Força Aérea em 1943 e toquei em uma orquestra de negros, pois as tropas eram segregadas. Três quartos da base eram brancos e um quarto era negro. Eu tinha um saxofone e foi ali que eu comecei a aprender a ler música”. Uma vez cumprido o serviço militar obrigatório, James retornou à vida civil em 1946.
Sabendo que a orquestra de Dizzy Gillespie estava precisando de um saxofonista. Moody apresentou-se para um teste, mas não foi aprovado porque, de acordo com o então diretor musical, Gil Fuller, possuía uma saúde muito frágil. O James então passou um tempo na banda do amigo Dave Burns até que, poucos meses depois da primeira audição, foi chamado pelo próprio Gillespie para acompanhá-lo em uma temporada no “Spotlite”, em Nova Iorque.
A formação da banda de Gillespie era um luxo, pois dela faziam parte ases do calibre de Thelonius Monk, Milt Jackson, Howard Johnson, Ray Brown e Kenny Clarke, sendo que os arranjos ficavam a cargo de Gil Fuller, John Lewis e Tad Dameron. Moody permaneceu na orquestra até 1948 e logo em uma das suas primeiras gravações com a banda, “Emanon”, em 1946, começou a chamar a atenção de crítica e público para a qualidade de seus solos.
Com Gillespie, Moody faria outras gravações importantes, como “I Waited For You”, “Two Bass Hit”, “Good Bait”, “Manteca” e “Ow”, para o selo “Musicraft”. Para a “Arco”, gravou com o grupo de Gillespie clássicos como “Stay On It”, “Ool-Ya-Koo”, “Round’bout Midnight” e “I Can’t Get Starded”, com produção de Gene Norman, em 1948. Ainda naquele ano, o saxofonista participou de inúmeros programas de rádio, que eram gravados diretamente do clube “Royal Roost”. Ao mesmo tempo, James aprofundou os estudos musicais, especialmente em teoria e composição, estudando com Tom McIntoch e Michael Longo.
Esse período foi importante não apenas no aspecto profissional como também do ponto de vista do amadurecimento pessoal e intelectual de Moody. Como bem recorda o Mestre Pedro Cardoso, “Gillespie, conhecido por seu aspecto e trejeitos de brincalhão, na realidade foi um dos músicos mais sérios e preparados intelectual e tecnicamente no jazz e, sem dúvida, um dos melhores professores de sua geração”. Moody pode ser visto no documentário americano “Jivin’in Be-Bop”, de 1947, dirigido por Leonard Anderson e que conta com as participações de Milt Jackson, Benny Carter, John Lewis e outros grandes nomes do jazz.
Com experiência adquirida ao longo dos dois anos com Dizzy, James estava pronto para empreender vôos ainda mais audaciosos. À frente do grupo “James Moody and His Bebop Men” gravou seu primeiro álbum como líder, em 1948. Ainda naquele ano, inconformado com o racismo que imperava em seu país, ele decidiu se mudar para a Europa, fixando-se na França. No ano seguinte, apareceu no documentário francês “Une Nuit à Saint-Germain-des-Prés”, filmado no “Paris Left Banck” em 1949, com direção de Fred Savdié e Jean Laviron, e que conta com a presença do grande Don Byas.
Também em 1949, gravou em Estocolmo, na Suécia, de maneira bastante informal, uma melodia baseada na seqüência de acordes do standard “I’m in the Mood for Love”, composta por Jimmy McHugh e Dorothy Fields. A canção havia sido lançada em 1935, no filme “Every Night at Eight” e a nova versão recebeu o nome de “Moody’s Mood for Love”, com letra de Eddie Jefferson. Essa gravação foi feita para o selo “Prestige”, e Moody toca um sax alto que lhe foi emprestado pelo saxofonista sueco Lars Gullin. Liderando uma formação de músicos escandinavos, James gravou, além de “Moody’s Mood for Love”, outros 97 temas, que foram distribuídos em 08 LP’s diferentes.
Essa gravação chegou aos Estados Unidos e converteu-se em um grande sucesso, vendendo milhares de cópias em pouquíssimo tempo. Uma versão feita pelo cantor King Pleasure transformou “Moody’s Mood for Love” em um verdadeiro hit. Moody não fazia idéia da repercussão de sua despretensiosa composição, até se apresentar em Paris, no famoso Club St. Germain, onde a audiência pedia, aos gritos, que executasse o tema. Ao tomar conhecimento de que a versão de King Pleasure ocupava ótimas posições nas paradas do seu país, James resolveu voltar à terra natal, em 1951.
Antes desse retorno, impõe-se destacar a participação de Moody no “Paris Festival International de Jazz”, realizado nos dias 08, 09, 11, 13, 14 e 15 de maio de 1949. Ali, o saxofonista tocou em uma banda all-star, sob a liderança de Miles Davis e que incluía Tadd Dameron no piano, Barney Spieler no contrabaixo e Kenny Clarke na bateria,. Foi durante esse festival, que também contou com a presença de Charlie Parker e seu quinteto, que Miles Davis conheceu a atriz e cantora francesa Juliette Gréco, com quem manteria um tórrido romance. A gravação parcial do áudio do festival, foi disponibilizada no LP “The Miles Davis Tadd Dameron Quintet”, lançado pela CBS, através da série “Contemporary”.
De volta aos Estados Unidos, James montou uma banda com sete integrantes, com uma orientação mais voltada para o Rhythm & Blues e que incluía o trompetista Dave Burns, o cantor Babs Gonzales e o trombonista William Shepperd, mas a repercussão do trabalho do grupo ficou aquém do esperado. Moody trabalhou como freelancer por algum tempo, até que em 1956 gravou “The James Moody Story”, mais uma vez ao lado de Babs Gonzales. Em seguida, co-liderou um grupo com o cantor Eddie Jefferson, em uma parceria que durou, com algumas interrupções, por cerca de 20 anos.
O novo grupo passou por sérias dificuldades, sobretudo por conta do mergulho de Moody no alcoolismo. Corria o ano de 1957 e ele fazia uma temporada no “Blue Note” da Filadélfia. O clube foi quase que totalmente arrasado por um incêndio que, para desespero do saxofonista, lhe destruiu instrumentos, partituras e vestuário. Moody afundou no álcool e quase abandonou a carreira. Ele passou 09 meses no Overbrook Psychiatric Hospital, em Cedar Grove, Nova Jérsei, submetendo-se a um intenso tratamento para desintoxicação, mas conseguiu se reabilitar.
Em setembro de 1958, contratado pelo selo “Argo”, Moody vai para Chicago, onde grava o álbum “Last Train From Overbrook”, sendo que a faixa que dá nome ao disco é um blues composto durante o período em que esteve internado. Nessa época, ele passa a estudar a flauta e a dedicar-se intensamente ao novo instrumento. Em dezembro daquele ano, James monta nova formação com Tom McIntosh ao trombone (substituído pouco depois pelo ótimo Julian Priester), Johnny Coles ao trompete, Pat Patrick ao sax barítono, Gene Kee ao piano, Ernest Outlaw ao contrabaixo e Clarence Johnston à bateria.
Com esse novo grupo, sua carreira volta a deslanchar e ele passa por um período extremamente fértil de concertos em clubes, gravações (em especial para a Prestige) e apresentações em festivais. Seus álbuns como líder vão se sucedendo, sempre muito bem cotados nas avaliações da crítica especializada, por selos os mais diversos, como Blue Note, Prestige, Argo, EmArcy, Cadet, Muse, Vanguard, Chess, Milestone, Universal, Impulse, Savoy, Novus, Telarc, Xanadu, Vogue, Dial e MPS, entre outros. Ele também trabalha como músico de apoio de figuras importantes, como Oscar Peterson, Milt Jackson, Dinah Washington, Brook Benton e Quincy Jones.
Em 1962 Moody tocou no prestigioso “Carnegie Hall” e manteve, por um breve período, o grupo “Battle Of The Saxofones”, que liderava juntamente com os fabulosos Gene Ammons e Sonny Stitt. Ainda naquele ano, James retoma a parceria com Gillespie e se integra ao novo quinteto do trompetista, complementado pelo pianista Kenny Barron, pelo contrabaixista Chris White e pelo baterista Rudy Collins.
São dessa época alguns dos mais memoráveis de Dizzy, gravados principalmente para a Verve, tais como “Dizzy Atmosphere” e “Something Old, Something New”, ambos de 1963, e “Swing Low Sweet Cadillac“, de 1967. O grupo também incursiona pelo cinema, ao executar a trilha sonora do filme “The Cool World“, longa metragem americano de 1963, dirigido por Shirley Clarke. O pianista Mal Waldron compôs o score, que foi executado por Gillespie, Moody, Barron, White e Collins, e lançado em disco também pela Verve.
Ao lado do antigo companheiro, Moody participou de inúmeros festivais, destacando-se a apoteótica atuação no “Monterey Festival” de 1962, no qual Dizzy liderou uma big band composta por 27 músicos (dentre os quais Phil Woods, Al Porcino, Conte Candoli, Larry Bunker, Bill Perkins, Frank Rosolino e Mel Lewis), sob a direção de Benny Carter, para a interpretação do tema “The New Continent”, de autoria do pianista argentino Lalo Schifrin.
O saxofonista também aparece no álbum “Dizzy Gillespie & The Double Six Of Paris” gravado em Nova Iorque, Chicago e Paris, em 1963. Nessa gravação Gillespie se faz acompanhar, em algumas faixas, por Bud Powell ao piano, Pierre Michelot ao contrabaixo e Kenny Clarke à bateria, sendo que em outras usa a sua própria sessão rítmica habitual. A formação do grupo vocal “Double Six” é constituída por Mimi Perrin, Claudine Berger, Christine Legrand, Ward Single, Robert Smart, Jean-Claude Briodin e Eddy Louise e os arranjos são de responsabilidade de Lalo Schifrin. Dentre as faixas gravadas, destacam-se “Emanon”, “Anthropology”, Tin Tin Deo”, “One Bass Hit”, “Two Bass It”, “Groovin’ High” e “Hot House”.
Moody permanece com Gillespie até 1969, quando deixa o trompetista para trabalhar como freelancer em Nova Iorque. Monta então um grupo com Eddie Jefferson nos vocais, Mickey Tucker no piano e Eddie Gladden na bateria. Em 1972, James se muda para Los Angeles e faz alguns trabalhos para o cinema e a televisão, ao mesmo tempo em que realiza vitoriosas temporadas na Europa e no Extremo Oriente. Acatando uma sugestão de Harold Land, em 1974 Moody se transfere para Las Vegas, passando a trabalhar em hotéis e cassinos, até 1980.
Foi membro fixo da orquestra do “Hilton Hotel”, então palco das grandes estrelas, e acompanhou nomes como B. B. King, Bill Cosby, Elvis Presley, Liberace, Glen Campbell, Lou Rawls e Redd Foxx. Durante o período em Las Vegas, ele aproveitou para incluir a clarineta ao rol de instrumentos que dominava.
Moody não abandonou completamente o jazz durante esse período e realizou concertos em cruzeiros marítimos, participou de festivais (com destaque para o de Nice e o de Montreux) e atuou em grandes eventos, como a primeira edição do show “Showboat” (espetáculo nômade que foi de New York até as Índias Ocidentais). Ele também marcou presença em homenagem a Dizzy Gillespie, realizada em 1975, em Nova Iorque. O saxofonista retornou a Nova Iorque em 1980, fazendo uma elogiada temporada no “Sweet Basil”. O sucesso de público e de crítica foi o suficiente para que ele deixasse o trabalho em Las Vegas e voltasse com tudo para as hostes jazzísticas.
Para Pedro Cardoso, Moody é uma verdadeira instituição do jazz, além de ser um mestre do humor musical. Segundo o querido “Apóstolo do Jazz”, o saxofonista “pode ser considerado discípulo direto do genial Lester Young, conjugando as idéias deste com o “bebop”, sendo músico possuidor de “swing” generoso, claro, com fluidez no fraseado em legato e fiel ao “bebop”, tão cômodo no “up-tempo” quanto nas baladas, com sonoridade doce e com preferência por solos longos, intensos, sem nunca afastar-se totalmente da melodia que é sempre citada diretamente ou em paráfrases, estas devidamente ornamentadas com apoggiaturas (nota característica de um intervalo melódico, escrita um grau acima ou abaixo da nota que a sucede)”.
James realizou, ao lado de Dizzy Gillespie, várias temporadas européias, em 1982, 1983 e 1985. Também fez parte da United Nations Orchestra, liderada por Dizzy e integrada por músicos de várias partes do mundo, como o cubano Paquito D’Rivera e o brasileiro Airto Moreira. Moody participou, como líder ou sideman, de múltiplas gravações, com alguns dos mais destacados músicos da história do jazz, como Charles Mingus, Ernie Royal, Kenny Clarke, Elvin Jones, Arne Domnérus, Lionel Hampton, Jacques Diéval, Paquito D’Rivera, Jay McShann, Dexter Gordon, Horace Silver, Howard McGhee, Dave Brubeck, Al Cohn e uma infinidade de outros.
Em 1987 James Moody esteve no Brasil a bordo de uma formação liderada por Dizzy Gillespie e que incluía Sam Rivers nos saxes tenor e soprano, John Lee no contrabaixo, Ed Cherry na guitarra e Ignácio Berroa na bateria. O grupo se apresentou no Canecão, no Rio de Janeiro, nos dias 12 e 13 de maio. Presente ao evento, Pedro “Apóstolo” Cardoso relembra: “Tive o prazer de assistir aos espetáculos, ao lado do grande Mestre Luiz Carlos Antunes, sua esposa Dª Lúcia e de minha mulher Matilde. Infelizmente, Gillespie não “trabalhou” nessas apresentações (segundo informações que recebemos, ele havia se esgotado na noite anterior tocando para garçons, cozinheiros e demais funcionários da casa), ficando a satisfação por conta de Sam Rivers e do espetacular Ignácio Berroa”.
No dia 26 de março de 1995 Moody foi homenageado em Nova Iorque, com um concerto que contou com a participação do comediante Bill Cosby como Mestre de Cerimônia. O show foi gravado pela Telarc e pode ser conferido no cd “Moody's Party: James Moody's 70th Birthday Celebration, Live at the Blue Note”. Ainda naquele ano, James gravou para a Warner o álbum “Young at Heart”, um tributo a Frank Sinatra, com direito a orquestra de cordas.
Em 1998 o saxofonista foi agraciado com o título de Jazz Master, concedido pelo “National Endowment for the Arts”. Na primavera de 2000, quando completou 75 anos, ele foi reconhecido como membro do “International Jazz Hall Of Fame”, em um espetáculo no “Avery Fisher Hall” de New York. Na ocasião, foi realizado um concerto, a cargo da “Lincoln Center Jazz Orchestra”, reforçada figuras do quilate de Slide Hampton, Jon Hendricks, Annie Ross, Jon Faddis, Kenny Barron, Janis Siegel (do grupo vocal “Manhattan Transfer”) e Bill Cosby, que novamente atuou como Mestre de Cerimônias.
Ainda durante as comemorações do 75º aniversário, Moody recebeu das cidades de Nova Iorque e de Newark a “Congressional Black Caucus”. No dia 22 de julho, foi agraciado com o certificado de “Doutor Honoris Causae” do Berklee College Of Music, de Boston, honraria que lhe foi entregue na Itália, em Perugia. Ele também recebeu o mesmo título do Florida Memorial College.
Entusiasta da educação musical e membro da International Association for Jazz Education – IAJE, Moody costumava dizer: “Sempre gostei de estar próximo de pessoas que sabiam mais que eu, pois isso me incentivava a sempre querer aprender mais”. Por esse motivo, criou, em 2004, a James Moody Scholarship Endowment Fund, destinada a financiar a educação musical de jovens músicos. Em 2007, ele se apresentou juntamente com a WDR Big Band em Colônia, na Alemanha, com regência de Michael Abene e com a participação de Jon Faddis.
Contratado pela IPO Recordings em 2008, Moody gravou ali os seus três últimos álbuns, incluindo os formidáveis “Moody 4A” e “Moody 4B”. Ambos foram gravados no Avatar Studio, em Nova Iorque, nos dias 21 e 22 de julho de 2008, sendo que o primeiro foi lançado em 2009 e o segundo em 2010. James, que toca apenas o sax tenor, está acompanhado pelo pianista Kenny Barron, pelo contrabaixista Todd Coolman e pelo baterista Lewis Nash. Os dois álbuns passeiam por um repertório recheado de standard, sendo que o primeiro é mais centrado nas baladas e o segundo possui uma pegada um pouco mais swingante, razão pela qual escolho o “Moody 4B” para tecer algumas considerações.
O disco abre com uma fulgurante versão de “Take the A Train”, de Billy Strayhorn. A introdução fica a cargo de Barron, que brinda o ouvinte com uma levada alegre, quase um ragtime, no estilo de um Scott Joplin. Depois, a bateria de Nash e o saxofone do líder se juntam para uma performance de altíssima octanagem, sempre coadjuvados pela condução segura de Coolman.
Tadd Dameron é lembrado em uma elegante interpretação de “Hot House. Moody extrai do seu instrumento uma sonoridade aveludada, redonda, evitando os timbres mais ásperos ou estridentes. A versão do quarteto é mais cadenciada que o habitual, mas nenhum deles abre mão da impetuosidade nos improvisos, especialmente Coolman, autor de um solo dos mais energéticos, e Barron, cuja execução límpida e graciosa mostra que o seu prestígio no cenário atual do jazz é mais do que merecido.
Em “Speak Low” Moody e seus comandados cometem uma pequena heresia, ao agregar ao tema do refinado Kurt Weil uma nada parcimoniosa dose de latinidade. A percussão de Nash trafega pelos ritmos afro-caribenhos e até pelo samba com autoridade e maestria e Moody privilegia as notas longas, o que faz com que a canção, mesmo executada em um andamento mais rápido, não perca o seu conteúdo emocional.
A sofisticada “Polka Dots & Moonbeams”, de Johnny Burke e Jimmy Van Heusen, recebe uma roupagem à altura de sua belíssima melodia. O saxofone de Moody é lânguido e acolhedor, revelando-se em sua plenitude a grandiosa influência de Lester Young em seu fraseado. Barron é um pianista lírico como poucos e sua interpretação, comovente e delicada, é centrada no uso econômico das notas. Nash e Coolman são precisos e discretos em suas respectivas intervenções.
Cole Porter não poderia faltar nesse disco e a canção escolhida pelo quarteto é a pouco conhecida “I Love You”, que recebe um arranjo próximo do bolero. Moody e Barron estão particularmente inspirados, mas o longo solo de Coolman merece todos os encômios. O baixista também brilha, com uma performance eletrizante, na intrincada “O. P. Update”, composição de sua autoria, na qual presta homenagem ao ídolo Oscar Pettiford.
Barron contribui com “Nikara’s Song”, uma balada instigante que flerta com as sonoridades orientais e com as experiências feitas por Coltrane nos anos 60. Demonstrando ser um músico versátil e capaz de se adaptar a qualquer contexto, Moody imprime uma abordagem contemporânea a seu sopro e ajuda a criar uma atmosfera sonora quase impressionista. Nash agrega, com sobriedade, uma plêiade de timbres, com o uso inteligente dos pratos, sinos e outros recursos rítmicos.
“Along Came Betty” é uma composição de Benny Golson, cuja irresistível levada em tempo médio é um dos pontos altos do disco. Moody é um improvisador de muitos recursos técnicos, ao mesmo tempo em que é um intérprete altamente melodioso e possuidor de um fôlego sobre-humano. Nash e Coolman interagem com a solidez habitual e o dedilhado de Barron é cristalino e inebriante.
O encerramento fica por conta de “But Not For Me”, jóia da ourivesaria sonora dos irmãos George e Ira Gershwin, aqui executada em um andamento mais acelerado que o habitual. Parceiros há mais de quarenta anos, Barron e Moody possuem aquela espécie de cumplicidade musical que somente pode ser definida como telepática. O pianista é exuberante nos solos e absolutamente preciso no acompanhamento. O octogenário saxofonista possui o ímpeto de um iniciante e seu entusiasmo é um verdadeiro bálsamo para os ouvidos. Como definiu o crítico João Marcos Coelho, “Moody 4B não é apenas um bom disco. É um comovente e belo testamento musical para o talento de James Moody”.
Essa foi a última gravação do Moody como líder. O saxofonista partiu no dia 09 de dezembro de 2010, aos 85 anos, em San Diego, na Califórnia, após uma intensa luta contra o câncer de pâncreas. Sua esposa, Linda Moody, declarou, emocionada: “Me sinto muito gratificada pelo privilégio de ser a mulher deste homem fantástico por quase 22 anos. Aprendi muito com essa pessoa linda, graciosa e gentil”. O funeral foi realizado em cerimônia pública no dia 18 de dezembro, no “Greenwood Memorial Park” de San Diego, sul da Califórnia.
Mesmo abalado pela doença, Moody continuou trabalhando normalmente praticamente até o fim da vida. Cerca de um mês antes de morrer, ele deveria se apresentar no Blue Note de Nova Iorque, mas foi desaconselhado pelos médicos. Na ocasião, ele foi substituído por um escrete de saxofonistas de peso como Eric Alexander, Antonio Hart, Chris Potter, Lew Tabackin, Jimmy Heath e Joe Lovano, que aproveitaram para prestar-lhe uma merecida homenagem. Duas semanas após o seu falecimento, ele recebeu, postumamente, o “Grammy Award” pelo álbum “Moody 4B”, na categoria de “Best Jazz Instrumental Álbum”.
O crítico britânico Brian Morton explica que Moody possui um estilo vocalizado de tocar, isto é, ele imita a sonoridade da voz humana e que “seus improvisos parecem nascer a partir das letras das músicas que interpreta, e não simplesmente em função dos acordes ou da melodia escrita”. O venerando Ira Gitler escreveu: “Moody traz uma enorme energia a qualquer contexto musical em que atua”. O saxofonista Allen Eager, fã assumido de Moody, declarou: “Ele consegue fazer o que quer com um saxofone”. Para finalizar, Wynton Marsalis sintetizou a estatura musical de James Moody: “Ele foi um titã da nossa música”.
Ao longo dos anos, seu grande sucesso “Moody’s Mood for Love” foi gravado por astros do jazz e da música pop, como Aretha Franklin, Van Morrison, George Benson, Tito Puente, Queen Latifah, Amy Winehouse, Rod Stewart e Sarah Vaughan, entre muitos outros. Não obstante, Moody foi o autor de diversos outros temas, muitos dos quais são considerados clássicos do jazz, como “Jammin’ With James”, “Simplicity And Beaty”, “The Moon Was Yellow”, “Never Again”, “Hear Me”, “Don’t Look Away Now”, “Feeling Low”, “Everyone Needs It”, “Savannah Calling”, “Last Train From Overbrook” e “Darben The Red Fox”.
Ao saber da morte do amigo, Quincy Jones declarou: “meu coração está triste, por causa da morte do meu mentor, amigo e irmão James Moody. Ele tinha uma sonoridade, um coração e uma imaginação do tamanho da lua. Ele era a quintessência do saxofonista e sua composição “Moody’s Mood for Love” vai ser sempre lembrada, pois é parte da história do jazz, da mesma maneira que o célebre solo de Coleman Hawkins em “Body and Soul”. Devo muito do que sou a James Moody”.
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12 comentários:
Great job on the piece about James Moody; a super retrospective of the highlights of his career. Excellent timing as well as I am working on a feature about the 1948 Pasadena CA concert by the Dizzy Gillespie Big Band of which James was a part. Steve
Passei pra ouvir o som; vou ler depois...
Estimado ÉRICO:
Resenha dígna de um dígno "Músico de JAZZ" em toda a sua essência.
Moody foi um campeão e sua obra é para sempre.
Muito, muito grato pela música.
Caríssimos Steve, Fig e Apóstolo,
Sejam muito bem-vindos.
Steve, you ara a great source for my reseaches and an example for everyone who writes about jazz.
Fig, depois diga o que achou de mais uma resenha Made in Apóstolo (só fiz a parte da análise do disco e pus uma ou outra informaçãozinha - o texto e seus méritos são do nosso incansável Mestre!).
Meu caro Mestre, não sei se o blog sobreviveria sem o seu prestimoso auxílio - mais que informação, você tem me dado inspiração ao longo desse período que o barzinho está no ar. Eu é que lhe agradeço por tudo!
Grande abraço aos três!
Comprade, mal deu para eu ler o maravilhoso artigo do Ralph Burns e tu já sacas a caneta e nos atira um incrível James Moody. Aguenta mais pouquinho para eu comentar este último. Pelo jeito, estás mais perene que o Fonte das Pedras.
Valeu!
Celijon
No barzinho é assim: o cliente que que ficar satisfeito :-)
Beijo em todo mundo, compadre!
Quando a gente pensa que pelo menos na lista dos notáveis não falta mais ninguém, eis que aparece um James Moody, que exceto por participações em algumas coletâneas de fábrica, ainda não tinha nenhum álbum autoral. Valeu pela lembrança, mestre. Ainda não li a postagem, mas lerei. O fato é que já comecei a trabalhar. O álbum em questão ainda não cheguei nele, mas (se é q não está destacado em sua resenha), James Moody (Hi-fi party) 1956, é também um grande disco!
Abraços.
Mr. Sérgio,
Esse disco (junto com o Moody 4A) é sensacional.
Mergulhe no universo Moodyano com fúria, pois você não vai se arrepender.
Abração!
Não sei porque mas Moody, para mim, só "funcionou" e muito bem como "side man" de Dizzy Gillespie. Como líder, poucos discos dele se salvam: um é "Moodsville" (1954), outro, citado por mr.Sergio, é o "Hi-Fi Party" (1956). Com isto, não quero dizer tratar-se de um músico de menos importância. Nada disto. Só que "funcionava" melhor como "side man". E estamos conversados!!!
Mr. Predador, esses dois discos, o 4A e o 4B são espetaculares.
Também destaco o cd Fly Me to the Moon, reunião de dois LPs dos anos 60 (não lembro os nomes agora), onde ele está, mais uma vez, secundado pelo Kenny Barron.
Fica a dica - talvez você mude de opinião ouvindo esses discos.
Grande abraço, meu caro!
Dear Gran Master Boss Érico,
Desde muito cedo tornei-me admirador de James Moody quando ouvi seus discos gravados na França por volta de 1950.
Não demorou para detectar que ele foi o único saxofonista que conheço cujo estilo e fraseado foi totalmente influenciado pelo estilo de trompete de Dizzy Gillespie - uma raridade sui generis!
Tive a alegria de ouví-lo ao vivo duas vezes no Rio, em ambas tocando com Gillespie (a primeira com um sexteto e a segunda no Free Jazz Festival com a big band que incluia Paquito D'Rivera e outros latinos). Em ambas, James Moody estava em excelente forma.
Grande abraço e keep swinging,
Raffaelli
Mestre Raffaelli,
Que bom tê-lo aqui no barzinho!
Pode soar meio herético, mas acho que o Gillespie encontrou em Moody o parceito musical que havia perdido com a morte de Parker (por favor, não estou comparando Bird e Moody, apenas dizendo que com ambos os saxofonistas Dizzy conseguia se sentir muito à vontade e expressar a sua criatividade em toda a sua plenitude).
Li em algum lugar que o próprio Gillespie dizia que quando ele tocava com Moody, era como se tocasse consigo mesmo.
Grande abraço!
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