Amigos do jazz + bossa

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

SE O QUE NOS CONSOME FOSSE APENAS FOME...


O saxofonista, compositor, arranjador e educador musical Julian Edwin “Cannonball” Adderley veio ao mundo no dia 15 de setembro de 1928, em Tampa, Flórida, em uma família extremamente musical. O avô paterno era músico, o pai era trompetista e educador musical e o irmão, Nat Adderley, foi um dos mais importantes cornetistas do bebop e do hard-bop. O apelido de infância – Cannonball, que significa “bala de canhão” – não se deveu, como pode parecer à primeira vista, às formas rechonchudas do futuro saxofonista. De fato, o apelido era mais prosaico – Cannibal, isto é, canibal – por conta do aparentemente insaciável apetite do garoto.

Por influência paterna, Cannonball iniciou os estudos no sax alto com apenas oito anos de idade, e o talento musical logo se revelou verdadeiramente descomunal. Tanto é que o garoto tocava, também, trompete, clarineta, sax tenor e flauta. A educação musical formal veio, primeiramente, nos bancos da Dillard High School, em Fort Lauderdale, Flórida, onde a família passou a residir. No início da década de 40, nova mudança, desta feita para Tallahassee, no mesmo estado, pois o pai do saxofonista deveria assumir um emprego como professor na Florida A&M University e levou a família junto.

Em Tallahassee, os garotos Julian e Nat conheceram o grande Ray Charles, que, embora ainda não fosse famoso, despontava como um dos mais talentosos pianistas da cena local, capaz de dominar como poucos os idiomas do blues, do jazz e tudo quanto se relacionasse à música negra norte-americana. Os garotos tocaram durante algum tempo com o cantor e pianista e foram firmando reputação no cenário local. A música gospel e os spirituals faziam parte da formação dos irmãos Adderley, que freqüentavam a Igreja Protestante Episcopal.

As influências de Cannonbal eram, basicamente, Lester Young, Coleman Hawkins, Budd Johnson e Buddy Tate, que ouvia com devoção. Depois, encantou-se com a sonoridade sofisticada e aconchegante de Benny Carter, que firmou a sua convicção de se dedicar ao sax alto. Por fim, aos 14 anos, conheceu Charlie Parker, que então tocava na orquestra de Jay McShann, que despertou no garoto a necessidade de buscar novos horizontes estético-musicais.

No final dos anos 40, Cannonball e o irmão já tinham uma quilometragem considerável, como respeitados músicos da Flórida, tocando com inúmeras orquestras locais. Além disso, o saxofonista havia iniciado uma promissora carreira como educador musical, sendo que de 1948 a 1950 deu aulas de música e dirigiu a banda da mesma Dillard High School em que havia estudado alguns anos antes. Em 1952, Julian foi estudar teoria musical na U. S. Naval School Of Music, em Washington.

Pouco tempo depois, foi convocado para o exército, onde passou cerca de dois anos e chegou ao posto de sargento. Desnecessário dizer que o saxofonista participou ativamente das bandas e orquestras da corporação, tendo servido em diversos lugares, como Fort Knox, Kentucky. Alguns dos músicos com quem fez amizade naquele período foram o pianista Junior Mance e o trombonista Curtis Fuller, que serviam na mesma companhia.

Dispensado, continuou a trabalhar como freelancer no estado natal e a ensinar para sobreviver. A vida seguia sem muitos sobressaltos para os irmãos Adderley, até que Cannonball decidiu tentar a sorte em Nova Iorque. O ano era 1955 e o mês, junho. Ele e o irmão alugaram um pequeno apartamento em Corona, no bairro de Queens e partiram para a luta.

Sem conhecer ninguém e armado apenas com a cara e a coragem, o saxofonista começou o périplo pelos clubes da cidade, para ouvir os grandes músicos da época e, também, para se divertir nas inúmeras jams que rolavam com habitualidade. Durante uma passagem pelo Cafe Bohemia, Cannonball, que sempre levava consigo seu sax alto, foi convidado para subir ao palco. No momento, era o grupo de Oscar Pettiford que fazia sua apresentação e o convite, segundo alguns relatos, partiu do saxofonista Charlie Rouse, que participava de uma jam com o baixista.

Aos 27 anos, ele não era mais nenhum garoto e, deixando a timidez de lado, simplesmente arrebentou com tudo naquela noite. Sua interpretação de “I Remember April” foi tão sensacional que o grande Jerome Richardson, que tocava sax tenor no grupo de Pettiford, custou a crer no que seus olhos viam e no que seus ouvidos escutavam. Ficou perplexo, assim como toda a audiência, que incluía dois dos mais reputados altoístas da cena novaiorquina: Phil Woods e Jackie McLean.

A performance foi tão extraordinária que, na semana seguinte, ele já era uma espécie de integrante informal da banda de Pettiford. A sensação causada por Cannonball despertou toda espécie de especulação e logo houve quem o comparasse a Charlie Parker – inclusive alcunhando-o de “The New Bird”. A morte de Parker, alguns meses antes, abrira um vácuo enorme na cena jazzística e as pessoas tinham a necessidade de preencher esse vazio, buscando, desesperadamente, o Novo Messias.

Cannonball foi um dos pretensamente ungidos como Novo Bird, mas, sabiamente, jamais deu crédito às comparações ou buscou, de alguma forma, delas tirar proveito. Ao contrário, continuou a tocar a sua carreira de forma tranqüila e os acontecimentos foram se sucedendo de forma bastante natural. Tanto é que em julho daquele mesmo ano, entrava no estúdio para gravar o seu primeiro álbum como líder, chamado apenas “Julian Cannonball Adderley”, para a EmArcy. A seu lado, uma banda simplesmente fenomenal: J. J. Johnson, Cecil Payne, Jerome Richardson, Jimmy Cleveland, Paul Chambers, John Williams, Max Roach, Kenny Clarke e o indefectível irmão Nat Adderley.

Parker era, certamente, uma referência das mais evidentes, como ocorria, virtualmente, com todos os altoístas surgidos nos anos 50 e 60. Mas Cannonball também apontava o elegante Benny Carter como sua influência mais imediata. Além disso, a esmerada educação musical lhe permitia conhecer desde as mais elementares manifestações da música popular até as mais sofisticadas harmonias da música européia. Bach e Robert Johnson, Stockhausen e Earl Hines, tudo era processado e digerido pelo apetite musical voraz do ex-canibal.

A reputação crescia na mesma proporção em que a agenda do saxofonista se enchia de compromissos. Passou a ser um disputado acompanhante, tocando com gente como Kenny Clarke, Sarah Vaughan, Louis Smith, Milt Jackson, Quincy Jones, Machito, Dinah Washington e muitos outros. Também passou a liderar seus próprios grupos, mas, misteriosamente, não obteve o sucesso esperado, mesmo considerando os modestos padrões do jazz.

Entretanto, se a sonoridade calcada no blues não era propriamente uma novidade, a exuberância técnica de Cannonball era muito bem recebida por crítica e público. Não foi por outra razão que o esperto Miles Davis o convidou, em outubro de 1957, para integrar o seu sexteto, onde pontuava também os extraordinários John Coltrane, Paul Chambers, Philly Joe Jones e Red Garland. A parceria perdurou por quase dois anos e Adderley participou de álbuns fundamentais da discografia do trompetista, como “Milestones”, “Miles And Coltrane”, “Porgy And Bess” e “Kind Of Blue”. Miles retribuiu os bons trabalhos prestados, participando do fabuloso “Somethin’ Else”, considerado uma verdadeira obra-prima da discografia de Adderley e lançado em 1958.

No ano seguinte, o saxofonista pediu dispensa do emprego, para se dedicar exclusivamente à carreira solo e a seus próprios combos, por onde passariam nomes fundamentais – alguns em início de carreira – como os trompetistas Blue Mitchell e Joe Newman, os pianistas Bobby Timmons, Bill Evans, Victor Feldman, Barry Harris, Joe Zawinul, Junior Mance, Hal Galper e Wynton Kelly, os baixistas Milt Hinton, Sam Jones, Walter Booker e Victor Gaskin, os bateristas Jimmy Cobb, Louis Hayes e Roy McCurdy e os saxofonistas Charles Lloyd e Yusef Lateef.

No mesmo ano em que deixou Miles, Adderley foi contratado pela Riverside, do produtor Orrin Keepnews (com quem havia trabalhado no antes, tendo lançado ali os discos “Things Are Getting Better”, onde dividia os créditos com Milt Jackson, e “Portrait of Cannonball”, ambos em 1958), e lançou pela gravadora alguns belíssimos discos. O primeiro deles – que fez bastante sucesso comercial – foi “The Cannonball Adderley Quintet In San Francisco”. Gravado ao vivo em outubro de 1959, o álbum trazia o hit “This Here”, composição do pianista da banda, Bobby Timmons.

A moral do saxofonista na Riverside era tanta que ele chegou a produzir diversos discos, como, por exemplo, “Sounds Of The Wide Open Spaces”, de James Clay e David Fathead Newman, “Jazz Brothers”, de Chuck Mangione, “Budd Johnson And The Four Brass Giants”, do antigo ídolo Budd Johnson, e “The Resurgence Of Dexter Gordon” todos de 1960. Este último, lançado pelo selo associado Jazzland, marcou a volta de Dex aos estúdios, após um longo período de hibernação, e foi decisivo para alavancar a carreira do tenorista.

Relembrando os tempos de professor, Adderley fez a narração do álbum “The Child's Introduction to Jazz”, também para a Riverside. Como se não bastasse, foi ele quem levou para a gravadora o fenomenal Wes Montgomery, que em pouco tempo se tornaria um dos mais retumbantes sucessos comerciais do selo e um dos mais importantes e influentes guitarristas dos anos 60. Em sua futura gravadora, a Capitol, o generoso Cannonball faria algo semelhante pela cantora Nancy Wilson, com quem chegou a dividir os créditos do álbum “Nancy Wilson & Cannonball Adderley”, de 1961.

Grandes álbuns, como “Know What I Mean” (1961), onde Bill Evans comanda o piano, “African Waltz” (de 1961, no qual o saxofonista empreende um mergulho profundo nas raízes africanas do jazz) e “Nippon Soul” (1963) marcaram a tabelinha entre Cannonball e a Riverside. Em 1963, com a falência da Riverside, o saxofonista iniciaria uma prolífica associação com a poderosa Capitol, sem que houvesse qualquer oposição por parte do ex-patrão Keepnews que, gentilmente, concordou em ceder à nova gravadora do pupilo os originais de diversos discos que, devido à quebra da empresa, corriam o risco de ficar no limbo. Tanto é que em vários desses discos, Keepnews aparece como produtor.

A parceria com a Capitol renderia alguns dos mais bem-sucedidos discos da carreira de Adderley – tanto do ponto de vista artístico quanto comercial. Um deles é o delicioso “Cannonball Adderley And The Poll-Winners”. As gravações transcorreram nos dias 21 de maio e 05 de junho de 1960, nos estúdios United Recording, em Los Angeles. Na produção, estava o amigo e protetor Orrin Keepnews e o líder estava acompanhado por uma verdadeira constelação: Wes Montgomery na guitarra, Victor Feldman, no piano e no vibrafone, Ray Brown no contrabaixo e Louis Hayes na bateria.

A faixa de abertura é “The Chant”, de autoria de Feldman e que traz um groove infeccioso, calcado no blues. A performance de Cannonball é um verdadeiro deleite, com solos efusivos, às vezes lancinantes e cheios de efeitos, lembrando Eric Dolphy. A sessão rítmica é bastante coesa, com destaque para a maleabilidade de Brown, um colosso de precisão e swing. Surpreendentemente, Montgomery se mostra bastante discreto, dando mais ênfase ao acompanhamento que aos solos.

Em “Lolita”, Feldman pilota o vibrafone e Montgomery, agora sim, começa a se soltar, com solos atrevidos e de muita fluência. O intenso diálogo entre os dois é o ponto alto da faixa, uma composição de Barry Harris impregnada de influências caribenhas. Grande atuação de Hayes, cuja batida reproduz, com sucesso, a contagiante atmosfera da música afro-cubana. Aqui, o líder é quem se apresenta de maneira mais comedida, para que seus parceiros Wes e Victor possam brilhar com toda intensidade.

De volta ao piano, Feldman é o autor de mais um tema: “Azule Serape”, bebop de excelente safra, com destaque absoluto para a convulsiva atuação do líder. Fazendo jus à fama de músico intuitivo e de enorme gabarito técnico, Adderley reinventa a melodia e explora, com enorme paixão, as possibilidades harmônicas da composição e lhe reveste de uma saborosa pitada de soul. O pianista entrega um solo irrequieto, com as notas se sucedendo a uma velocidade estonteante. Montgomery é garantia de virtuosismo e inteligência e aqui não desaponta seus inúmeros fãs.

As comparações seriam inevitáveis e, corajosamente, Adderley inclui um tema do sobrenatural Charlie Parker no repertório: “Au Privave”. O líder não cai no erro de tentar reproduzir os acordes inventados por Bird e nem tenta macaquear o seu estilo. Ao contrário, demonstrando possuir enorme personalidade, sua abordagem é mais “suja” e bem mais calcada no blues, embora se mostre reverente à tradição parkeriana. Vale ressaltar, ainda, os momentos soberbos de protagonizados por Montgomery e Brown, que manda ver um solo devastador.

A belíssima composição de Franz Lehar, “Yours Is My Heart Alone”, mostra a atuação mais delicada do quinteto. O dedilhado de Montgomery é uma sofisticada tapeçaria melódica, com um swing discretíssimo e muito feeling. Bons momentos de Brown e de Feldman, aqui mais uma vez a bordo do vibrafone. Adderley incorpora a elegância do ídolo Benny Carter e extrai do sax uma sonoridade redonda, sem nenhuma aresta.

De volta à agitação, “Never Will I Marry”, de Frank Loesser, merece uma interpretação alegre e entusiasmada. O quinteto interage telepaticamente, com enorme força criativa e inapelável perícia técnico. O tempero bop e a animação contagiante se devem, em grande parte, ao arrojo do líder, que chuta para escanteio o bom mocismo e a obviedade. Seu toque é voluptuoso, quase selvagem. Os indomáveis Feldman e Montgomery acrescentam doses anabolizadas de swing e energia e Brown, fazendo uso do arco, dá à rapaziada toda a segurança necessária para vôos cada vez mais arriscados.

Uma segunda interpretação de “Au Privave”, tão empolgante quanto a primeira, é a faixa-bônus que encerra o álbum em altíssimo astral. Um disco que, se não é considerado revolucionário e nem provocou cataclismos junto à crítica especializada, é certamente um dos momentos mais formidáveis e criativos de um saxofonista que soube, como poucos, equilibrar inquietação criativa e reconhecimento popular, sem jamais abrir mão da indispensável integridade artística.

A trajetória de Cannonball na Capitol foi repleta de sucessos comerciais. O maior deles, sem dúvida, foi “Mercy, Mercy, Mercy”, composta por seu pianista, Joe Zawinul, e incluída no álbum homônimo, de 1966, que vendeu, somente no ano de lançamento, a astronômica quantia de 600.000 cópias – e isso apenas no mercado norte-americano. Outro grande momento foi o álbum “Cannonball’s Bossa Nova”, gravado em 1962, no qual interpreta temas brasileiros como “Corcovado”, “Minha saudade” e “O amor em paz”, ao lado de uma banda espetacular: Sérgio Mendes, Paulo Moura, Pedro Paulo, Dom Um Romão, Durval Ferreira e Otávio Bailey.

Então na crista da onda, sua apresentação na edição do Monterey Jazz Festival de 1968 foi consagradora. Muito embora não seja considerado um inovador, Adderley sempre foi reconhecido como um músico de técnica superior e um mestre na improvisação. Sua abordagem sem experimentalismos e altamente energética ajudou a manter a popularidade do jazz nos anos 60, apesar de todo o bombardeio do pop e do rock. Muitos jovens músicos devem a ele a primeira oportunidade em suas carreiras e um dos seus grandes prazeres era freqüentar escolas e universidades para mostrar aos alunos a história do jazz, suas vertentes e seus heróis.

Nos anos 70, influenciado pelo antigo patrão Miles Davis, Adderley também enveredou pelo fusion, usando recursos como contrabaixo elétrico e sintetizadores. O pianista George Duke, conhecido por sua ligação com a música pop e o funk, fez parte da banda do saxofonista e álbuns como “The Price You Got to Pay to Be Free”, de 1970, “The Soul Zodiac”, de 1972, ou “The Happy People”, de 1973, são bastante representativos dessa fase.

Outra mudança em sua sonoridade foi a adoção do sax soprano, que passou a usar com bastante freqüência. Além disso, fez algumas participações no cinema e na televisão, como, por exemplo, no suspense “Play Misty For Me” (no Brasil, “Perversa paixão”), dirigido e estrelado por Clint Eastwood em 1971, e no seriado televisivo “Kung Fu”, um dos maiores sucessos da TV nos anos 70 e que lançou o ator David Carradine ao estrelato.

Infelizmente, Adderley sofreu um acidente vascular cerebral durante uma turnê, no dia 08 de agosto de 1975, em Gary, Indiana. O saxofonista sofria de diabetes e não se cuidava, mantendo até o fim a rotina de exageros à mesa dignas de um Pantagruel. Seu corpo foi enterrado Southside Cemetery, Tallahassee, Florida. Sua morte causou comoção não apenas no mundo do jazz. Em reconhecimento, seu nome foi postumamente incluído no Down Beat Jazz Hall of Fame, no final daquele mesmo ano.

Músicos e fãs de diversas nacionalidades choraram sua perda. Hermeto Pascoal tinha uma enorme admiração pelo saxofonista, em cuja homenagem compôs “Cannon”, incluída no álbum “Missa dos Escravos”, de 1977. Outro que lhe prestou homenagem foi o velho amigo Joe Zawinul, que escreveu para ele “Cannon Ball”, gravada por seu grupo Weather Report no disco “Black Market”, de 1976.

O crítico Ted Gioia foi bastante preciso ao analisar a importância de Cannonball para o mundo do jazz: “Se Adderley falhou em se tornar o novo Messias do bebop que os fãs estavam buscando, fez, por outro lado, um trabalho admirável, capaz de agradar tanto os puristas do jazz quanto os ouvintes casuais, que adoravam suas performances e sua abordagem funky, como se pode ouvir em “Dis Here”, “Work Song” e, sobretudo, “Mercy, Mercy, Mercy”.”

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16 comentários:

pituco disse...

érico san,

sonzaço...também com essa 'gang'...até 'ciranda cirandinha', com eles, torna-se um standart de jazz...é ou não é?

abraçsonoros

José Domingos Raffaelli disse...

Èrico e demais amigos jazzófilos,

Cannonball tocou no Rio com seu conjunto em 1972, no Teatro Municipal.

Infelizmente, por obra e graça do empresário brasileiro trapalhão, para surpresa geral ele escalou o pianista Friedrich Gulda para abrir a noite tocando música clássica, irritando sobremaneira os jazzófilos da platéia - alguns retiraram-se do teatro. Quando Cannonball começou o clima melhorou bastante, mas a presença de Gulda subtraira em muito o entusiasmo da platéia.

Considero Cannonball um dos grandes saxofonistas-alto modernos. Sua resenha, como sempre, vai ao âmago da questão musical realçando sua grande capacidade como emérito solista/improvisador. Sua obra gravada merece a atenção dos jazzófilos. Ao lado de Coltrane, no sexteto de Miles, ele brilhou intensamente, especialmente no clássico "Kind of Blue", reafirmando-se como músico de altíssimo nível.

Fora do sexteto de Miles, ele e Coltrane, mais a seção rítmica mileseana, perpetuaram um excepcional disco (cujo nome agora não lembro - mencionando algo como "....In Chicago" coisa ) da maior qualidade.
E o que dizer de "Something Else" (Blue Note), com Miles, Hank Jones, Sam Jones e Blakey ?

Todavia, considero "Cannonball Aderley at the Lighthouse" (Riverside), com seu quinteto, o melhor de todos discos do seu conjunto, mas é apenas uma preferência pessoal.

Em 1973 ouvi-o no Half Note Café, então na Hudson Street, em New York. Após a apresentação, conversando com ele, perguntou-me se gostara. Disse-lhe que sim, especialmente porque seus solos soavam ainda mais concisos e coordenados em relação aos do início de carreira.

Sorrindo, ele comentou:

-That's because I'm playing less notes than before, concentrating much more on my ideas and its development.

Gostei tanto da explicação que anotei-a em meu livro de autógrafos, por isso não a esqueci.

Observem que músico extraordinário e modesto ele foi. Sua explicação demonstrou que somente alcançou o nível que desejava após aprimorar (se ainda fosse necssário) suas idéias e desenvolvê-las nas improvisações.

Uma observação: Mercy, Mercy, Mercy, de Joe Zawinul, nada mais é que um plágio do hinário da Igreja Presbiterina, da qual sou diacono há anos. Quando ingressei na Igreja, ouvi o referido hino cantado pelo nosso coral, constatei na hora que Zawinul tomou-o "emprestado" à revelia...

Keep swinging,
Raffaelli

Érico Cordeiro disse...

Caríssimos Pituco e Raffaelli,
Sejam muito bem vindos. Cannonball é um dos meus altoístas preferidos. O sujeito tem uma capacidade absurda de improvisar - faz parecer a coisa mais fácil do mundo. Acho que 'ciranda cirandinha' ia ficar lindíssima!!! :)
Sua mistura com soul/R&B enriquece o jazz e não retira suas qualidades, como acontece com muitos dos músicos do chamado soul-jazz.
Esse disco com Coltrane é soberbo: Quintet In Chicago. Pensei nele para uma postagem mas optei pelo Poll Winners, por causa da formação menos usual.
Quanto a esse "Cannonball Aderley at the Lighthouse", com Bobby Timmons arrebentando no piano, também está entre os meus favoritos - mas pelo mesmo motivo, por ser bem mais conhecido, preferi dar prioridade a um disco mais obscuro.
Realmente, quando o sujeito é grande, a humildade e a vontade de continuar a progredir sempre ficam à tona - essa história de criar fama e deitar na cama não está com nada!
Um grande abraço aos dois!!!!!

John Lester disse...

Prezado Mr. Cordeiro, é como eu sempre digo: todos que deixaram um hamburger próximo a Cannonball se arrependeram.

Outro álbum que poderíamos recomendar, entre tantos, é Japanese Concerts, lançado pela Milestone em 1975, reunindo gravações realizadas ao vivo em 1963 (parcialmente lançadas no álbum Nippon Soul, pela Riverside).

Tenho minhas dúvidas quanto à queda de produção de Cannonball na década de 1970: não creio que seu fraseado tenha se 'intelectualizado'. Apostaria na influência danosa de Miles Davis, que o levou à fusion, ou ao coração fraco, que o matou aos 46 anos de idade.

Grande abraço, JL.

Érico Cordeiro disse...

Meu bom Master Lester,
Sempre é uma honra tê-lo no jazzbarzinho!
Na qualidade de altoísta e discípulo de Parker, tinha certeza que você também era fã do grande Cannonball, o Pantagruel do jazz!
Pois é, hambúrgueres e pizzas jamais ficaram impunes, quando colocados a menos de 10 metros do valoroso saxofonista.
Não curto muito a sua fase setentista - na verdade, o pouco que ouvi não me agradou, por isso não tenho nenhum desses álbuns, embora tenha alguma coisa em coletâneas.
Como bem observado, Nippon Soul, com Yusef Lateef no sax e na flauta é um ótimo disco. Rola sempre por aqui.
E Miles, como sempre, aprontando das suas!!!

APÓSTOLO disse...

Prezados ÉRICO, RAFFAELLI e LESTER:

Vocês esgotaram a relação dos melhores albuns do "Cannonball", com certeza um mestre do improviso, sem concessões às versões anteriormente gravadas por outros músicos, inclusive PARKER, daquilo que ele executa com superior técnica e personalidade.
Um músico de exceção, uma resenha magnífica, uma gravação imperdível.
Vale "nota 11" ? ? ?

figbatera disse...

O que mais dizer? Eu tb sou fã do cara e pronto!
ps.: Érico, já estou "comendo" o seu livro aqui...

Celijon Ramos disse...

Oi, passei para deixar um abraço para todos que prestigiam o Jazz+bossa..., e pra dizer também que a resenha está ótima; informou muito sobre a capacidade de fazer grande jazz.Como se diz hoje em dia: tudo de bom! com Connonball Adderley!

Érico Cordeiro disse...

Caros Apóstolo, Fig e Celijon,
Bom tê-los a bordo. Obrigado pelas palavras gentis, mas o mérito é todo do nosso querido glutão Cannonball, que era tão bom à mesa quanto no palco!
E meu caro Fig, espero que o livro lhe agrade e lhe proporcione bons momentos lítero-musicais!
Um fraterno abraço aos três!

Salsa disse...

Graaaaaande Cannonball, família de feras. Pode mandar bala que nós agradecemos.

Érico Cordeiro disse...

Mr. Salsa,
Tenho certeza de que o nosso Pantagruel do jazz freqüenta com assiduidade o seu player - da mesma foema que costumava freqüentar as geladeiras quando em vida!
Abração!

Sergio disse...

Discos do "Bala" que tenho com capinha perfeitinha, tal e qual o original:Canonball's Sharpshooters 1958; Somethin' Else, 1958; Mercy, Mercy, Mercy! 1966 e ontem, inspirado pela última postagem de mestre Érico, Julian Cannonball Adderley With The Bossa Rio Sextet Of Brazil 1963! Este último, tudo providenciadinho (na capa e na satisfação), um provável... Provável não, certo Blockbuster! da casa.

Descordar é bom, seu Sam, entre seres civilizados, mas concordar é muito melhor!

Érico Cordeiro disse...

Grande Mr. Sérgio,
Dizem que toda unanimidade é burra. Ora, se toda unanimidade é burra, a unanimidade em torno desse silogismo também seria burra, não é?
Portanto, acho que há unanimidades inteligentes: Julian Cannonball Adderley With The Bossa Rio Sextet Of Brazil é uma unanimidade inteligente! É a exceção que confirma a regra!!!
Discaço, que tenho em vinil e nunca substituí por cd.
Acho que é hora!!!!
Abração!

dianadasha disse...

oi Érico,
A-DO-REI seu blog, vou adicionar aos meus favoritos. Tudo é bom: é bonito, traz muita informação interessante, nossa! fiquei um tempão te lendo. Um fato curioso: Haroldo Mauro Jr foi meu professor na Uni-Rio (fiz bacharelado de MPB). Vou sempre retornar, porque tem muita coisa, falando de um universo tão familiar pra mim. Parabéns!!!

Érico Cordeiro disse...

Oi, Dianadasha!
Seja muito bem-vinda e junte-se à nossa confraria.
Obrigado pelas palavras gentis e muito fico feliz que tenha gostado do jazzbarzinho e espero tê-la por aqui sempre!
Um fraterno abraço!

José Domingos Raffaelli disse...

Prezada Dianadasha,

Sou amigo do Haroldo Mauro Jr. há muitos anos, tendo a honra e a alegria de haver redigido o texto do seu CD "Bossa na Pressão", lançado pela Delira Música.

Haroldo vivou algum tempo em New York, onde tocou com muita gente do primeiro time, incluindo os brasileiros Duduka da Fonseca (disparado nosso melhor baterista) e Nilson Matta, além de Harry Allen e tantos mais.

Ele tocou com o saudoso e lendário Victor Assis Brasil, inegavelmente o maior jazzman brasileiro de todos os tempos.

Ele é modestíssimo, como todos os que conhecem profundamente o que fazem, possuindo vastíssimos conhecimentos musicais. Fico contente em saber que foi seu professor.

Tomo a liberdade de solicitar que sua presença seja assídua neste blog dirigido pelo nosso querido anfitrião Érico Cordeiro.

Keep swinging,
Raffaelli

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