Amigos do jazz + bossa

terça-feira, 28 de abril de 2009

O SOL SOMBRIO: GENIALIDADE E LOUCURA SE ENTRECRUZAM NA VIDA E NA OBRA DE BUD POWELL


Quem assistiu ao filme “Por volta da meia noite” certamente se emocionou com os desencontros e desventuras do velho jazzista exilado em Paris – magnificamente encarnado pelo grande Dexter Gordon. A película, verdadeira declaração de amor ao jazz dirigida pelo francês Bertrand Tavernier, se passa no final dos anos 50 e início dos anos 60 e reproduz, com extrema fidelidade, diversos episódios da vida do pianista Bud Powell – à época exilado voluntariamente em Paris – com ênfase em sua amizade com o produtor francês Francis Paudras e em seu embate diário contra o álcool e as drogas, que lhe consumiram a saúde, a sanidade mental e a própria vida. Somente não destruíram seu talento, embora tenham prejudicado bastante a sua carreira.

Bud Powell é, na visão de muitos críticos, o maior pianista da história do jazz. Mesmo que não seja, sua importância para o desenvolvimento do estilo é gigantesca e o coloca no panteão dos maiores nomes do jazz, ao lado de Louis Armstrong, Duke Ellington, Charlie Parker, Miles Davis, Thelonious Monk (seu mentor e grande amigo), Charles Mingus e John Coltrane. Compositor iluminado, é o autor de inúmeros clássicos como “Parisian Thoroughfare”, “Bouncing with Bud”, “Tempus Fugit”, “Dance of the Infidels”, “Um Poco Loco” e “Celia”. Basicamente todos os pianistas que o sucederam – de Bill Evans a Keith Jarrett, passando por Wynton Kelly e McCoy Tyner – sofreram a sua influência.

Nascido em 27 de setembro de 1924, em Nova York, Bud trafegou por todos os becos e embriagou-se em todos os bares do mundo. Apesar disso – ou por causa disso – construiu uma obra sólida e personalíssima. Ajudou a revolucionar o jazz que se tocava até meados dos anos 40 e foi o mais importante pianista do bebop, estilo que ajudou a criar nas incontáveis e históricas sessões do Minton’s. O gênio, todavia, era uma alma atormentada por milhares de demônios. Vida errática, envolvimento intenso com o álcool e a heroína, prisões, demência, exílio, internações, isolamento, solidão, morte... A matéria prima da obra de Bud Powell – verdadeiro operário da tragédia – é a miséria humana, mas a partir de um ambiente de ruína e devastação física e mental ele soube escrever um dos mais belos capítulos da história do jazz.

Na confluência da genialidade e da loucura, Bud nos legou um álbum tributo ao amigo e parceiro Charlie Parker, outro célebre habitante dessa gélida e sombria região. O disco, denominado “Bud Plays Bird”, foi gravado entre outubro de 1957 e janeiro de 1958 para o selo Roulette, mas, por um desses insondáveis mistérios do universo, permaneceu inédito até 1996, quando foi lançado pela Blue Note, graças ao empenho do produtor Michael Cuscuna. Dois perdidos nas noites sujas de Nova York, Bud e Bird se irmanam como siameses trágicos nesse disco seminal, que revela o quanto a obra de um se reflete na do outro.

Extremamente à vontade em um trio que conta com os experientes Art Taylor (bateria) e George Duvivier (baixo), Bud desfia uma torrente de composições de Bird, como “Ornithology”, “Ko Ko”, “Scrapple from the Apple”, “Yardbird Suite”, “Relaxin’ at Camarillo” e “Confirmation”, além de uma gema de Dizzy Gillespie, “Salt Peanuts”. Todas as faixas do álbum são soberbas, sobressaindo-se em várias delas o “acompanhamento” vocal à Keith Jarrett – décadas antes do excêntrico gênio de Allentown inventar o seu estilo.

O grande mérito do disco é revelar como Powell consegue transpor para o piano o fraseado de Parker, sem qualquer prejuízo às idéias do saxofonista. Em “Scrapple from the Apple”, por exemplo, o ouvinte é brindado com uma versão extremamente original, que realça todas as potencialidades harmônicas da canção. A busca por uma nova abordagem harmônica também é fortemente percebida em “Yardbird Suite”, tocada em tempo um pouco mais lento que nas versões consagradas por Bird, com destaque para a extraordinária linha de baixo. A belíssima versão de “Confirmation” é uma festa para os ouvidos – o amálgama de velocidade e lirismo típico de Powell está aqui representado em sua expressão máxima – e os músicos interagem de forma telepática.

São três extraordinários músicos dando e exigindo dos parceiros o melhor de si, em um ambiente de total simbiose. O disco é nada menos que uma aula magna de ritmo, harmonia, melodia e improvisação, passando ao ouvinte a impressão de que, mais que um simples trabalho, a gravação desse álbum foi uma verdadeira festa. O sorriso escancarado do pianista na capa do disco revela tudo: apesar de todos os seus fantasmas, Earl “Bud” Powell não desconhecia a alegria.

15 comentários:

James Magno Farias disse...

Mestre Molosso,
que grande satisfação ler seus textos musicais; já adicionei em meus favoritos;espero cada vez mais,
abs
James

Érico Cordeiro disse...

Molosso-mor,
a satisfação é minha, por poder compartilhar com pessoas tão queridas como você esse amor incondicional pela música.
Grande abraço!

figbatera disse...

Caro Érico,
o texto está ótimo; só estranhei o fato de vc citar Dexter Gordon (saxofonista) no papel de Bud Powel (pianista). Já assisti ao tal filme duas vezes e acho que há um pequeno equívoco aí; vc pode me explicar?

Salsa disse...

Ô, rapaz, eu havia escrito as dicas para a radiola, mas algo deve ter acontecido - apertei o comando errado, sei lá.
Vamos lá de novo:
Eu uso o gcast.com. É fácil usar: vá ao site e se registre. Em seguida, aparecerá a opção "create a podcast...", depois disso é só seguir as orientações para fazer o upload das músicas. Eu uso mp3 128kbps (é mais leve para tocar) - convém, pois, que você tenha um conversor (eu uso o Efficient WMA MP3 Converter - disponível no baixaki) e/ou um "ripador", caso você vá copiar do cd (eu uso o freerip - também disponível gratuitamente). Feito o upload, você observará a opção para copiar a radiola para o seu blog - escolha o modelo e o modo de funcionamento (se você usar só uma, pode ser automático - a radiola toca ao entrarem no blog). Aguardarei o som.

Érico Cordeiro disse...

Caro Figbatera,

é a mais pura verdade. Aquele músico viajandão do filme é interpretado pelo grande Dexter Gordon (que também era ator bissexto e fez um papel de relativo destaque no filme "Tempo de Despertar", com Robert de Niro e Robin Williams), cuja atuação foi muito elogiada pela crítica. O músico do filme era, de fato, um saxofonista, mas os episódios ali narrados são relatos da vida do Bud Powell (há alguma coisa de Lester Young e de Charlie Parker no personagem, mas, essencialmente, ele é baseado em Powell).
Maluco do jeito que o Dexter Gordon também era, acho que ele não precisou se esforçar muito para interpretar o personagem, né?

Caro Salsa, muito obrigado pelas dicas. Vou tentar agora mesmo. Se não conseguir, não se preocupe: vou perturbar você do mesmo jeito (rs, rs, rs).
Abraços.

Érico Cordeiro disse...

Caro Salsa,

Como você pode ver, consegui adicionar a raiola. Todavia, desde ontem ela está indicando a mensagem "No posts. If you just added audio, try again in 5 minutes".
No entanto, eu fiz o upload de uma música no site do gcast ontem à noite e, ao que parece, o bichinho não está descarregando.
As músicas que pretendo disponibilizar estão todas arquivadas em meu computador, no I-tunes, cujo formato é MP3. Pergunta 1: O que pode ter acontecido?
Pergunta 2: É necessário o tal conversor, já que o upload foi feito no formato MP3, direto do I-tunes?
Desculpa tomar seu tempo - são coisas de blogueiro iniciante.
Forte abraço.

Salsa disse...

Eu nunca uso esse recurso. Você já conseguiu copiar essas faixas para, por exemplo, ouvir em seu carro? Se sim, creio que você pode salvar direto em seu hd e depois fazer o upload para sua radiola gcast.
Clique na opção upload e siga os passos: o nome do intérprete e da música, localizar o arquivo, escolher o podcast e pimba, autorizar o upload. Depois de alguns minutos a faixa estará disponível.
O conversor só é necessário se a música estiver em outro tipo de arquivo (flac, ape, wav e por aí a fora - que não é aceito pelo hospedeiro) ou se estiver muito pesado (nesse caso, o problema é apenas para ouvir - fica travando - e a solução é reduzir a resolução para 128kbps ou menos).
Tente de novo.
Abraços,

Érico Cordeiro disse...

Caro Salsa,
Obbrigado pela dica. Foi exatamente o que fiz. Todas as faixas que pretendo disponibilizar para o leitor (e quiçá ouvinte) são de cd's meus que eu passei pro HD do meu computador (através ddo I-tunes) para carregar o meu i-pod. Acho que no formato MP3 do I-tunes os arquivos são menores que os arquivos em WMA.
De qualquer forma, vou tentar fazer outro upload.
Obrigado pela atenção,

Salsa disse...

Só pode mp3. O gcast não aceita outro tipo de arquivo.

Érico Cordeiro disse...

Grande Salsa, valeu a dica.
Baixei um programinha supermaneiro chamado AIMP, fiz a conversão para MP3 e o resultado tá aí. Espero que você goste.
Forte abraço.

Salsa disse...

Grande Bud! E essa versão de Ko ko é muito boa, ainda mais quando o som rola tranquilo, sem bugs.
PS - você postou a faixa duas vezes. Sempre demora um pequeno lapso de tempo até o tema ir para o podcast.

Érico Cordeiro disse...

Mestre Salsa,
Não sabia desse detalhe, por isso fiz o upload várias vezes. Daqui prá frente vai ser mais fácil. Obrigado pela força e um grande abraço.

pedrocardoso@grupolet.com disse...

O filme "Por Volta da Meia Noite" dirigido por Bertrand Tavernier recebeu o "Oscar" de trilha sonora (Herbie Hancock) e teve a indicação de melhor ator para DEXTER GORDON (realmente primoroso em sua interpretação).
O roteiro é baseado na narrativa de FRANCIS PAUDRAS, hospedeiro e amigo pessoal de BUD POWEL enquanto esteve na França (o magnífico e luxuoso livro de FRANCIS PAUDRAS "La Danse Des Infidèles", de 1986 e com prefácio por BILL EVANS, foi uma base para o roteiro do filme). Recorde-se que FRANCIS, infelizmente, suicidou-se aos 62 anos, em 27/novembro/1997

pedrocardoso@grupolet.com disse...

Em tempo:
onde se lê "PEDRO disse"
leia-se "apostolo disse"

Anônimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado

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