Galguemos a montanha!
Arremetamo-nos contra seus cumes nevados,
Irresignadamente,
Subamos pelas escarpas e fendas,
Ignoremos a dor e o cansaço,
Percamos o medo
Ergamo-nos com toda a nossa energia,
Atravessemos as proeminências sombrias e as geografias traiçoeiras
Continuemos a subir, impávidos
Abandonemos o conforto das tardes insípidas
Abracemos o risco venturoso e redentor
Percamos o medo
Percamos o medo e continuemos a subir, intrépidos
Rompamos o cerceamento da gravidade,
Sejamos livres,
Sejamos plenos,
Subamos a montanha, através das escarpas e das fendas
Ultrapassemos as cicatrizes geológicas,
Ignoremos a angústia e o medo,
Ignoremos as fronteiras dos músculos
Desafiemos a tensão perpendicular
Demos as mãos ao risco, ao venturoso risco sem o qual nada vale a pena,
Ultrapassemos a fronteira do imponderável,
Sejamos andarilhos da verticalidade,
Esqueçamos a ausência do oxigênio,
Não prestemos atenção se no caminho não brotam gramíneas ou rosas
Subamos, apenas
Apontemos para o alto a vontade íntegra
Sejamos como Quixote,
Sejamos como Ícaro,
A montanha é o sol e o moinho da nossa imprevisibilidade
Lancemo-nos para além das algemas gravitacionais
Ousemos o imponderável
Ignoremos as dores lancinantes, as esfoladuras e as câimbras
Realizemos o absurdo
Desprezemos o pavor da queda e subamos
Subamos por todo o sempre,
Subamos até os cumes nevados
Desafiemos a autoridade da rocha
Desafiemos a condição humana
Ergamo-nos com brio e destemor
Por que rastejar, se o que nos espera é o espetáculo triunfante?
Por que permanecer acorrentados ao chão, se os ares clamam por nós?
Transcendamos, pois!
E se algum paladino da objetividade nos perguntar:
- Porque fazem isso?
Responderemos, apenas:
- Porque alguém tem que fazê-lo.
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Niels Lan Doky nasceu no dia 03 de outubro de 1963 em Copenhagen, na Dinamarca. Filho de mãe dinamarquesa e de pai vietnamita, desde muito cedo o garoto teve um intenso contato com a música. O pai, médico, era guitarrista amador e este foi o primeiro instrumento que Niels aprendeu a tocar, quando tinha apenas sete anos. Aos 12 anos, trocou a guitarra pelo piano e não parou mais de evoluir.
Começou a chamar a atenção em seu país ao arrebatar, por duas vezes seguidas, o prêmio anual de melhor pianista conferido pelo Danish Royal Conservatory. Descobriu o jazz por meio de algumas antigas gravações de Scott Joplin e apaixonou-se intensamente pelo estilo. Seus primeiros ídolos foram pianistas da velha escola, como Fats Waller e James P. Johnson, mas com o tempo foi agregando outras influências, como Erroll Garner, McCoy Tyner, Ahmad Jamal, Bill Evans e Oscar Peterson.
Com apenas 15 anos já tocava com o exigente Thad Jones e participava de gigs em clubes de Copenhagen, ao lado de músicos consagrados como Ernie Wilkins, Slide Hampton, Kenny Drew, Ed Thigpen, Charlie Rouse, Albert “Tootie” Heath, Johnny Griffin e Niels-Henning Ørsted Pedersen. Datam dessa época as suas primeiras composições, nas quais se pode perceber uma nítida influência de Wayne Shorter, Chick Corea e Herbie hancock, seus compositores favoritos.
Seguindo os conselhos de Jones, matriculou-se no Berklee College of Music, onde permaneceu de 1981 a 1984. Em Boston, teve a oportunidade de conhecer e trabalhar com músicos de primeiríssima linha, como Joe Henderson, Gary Peacock, Jack DeJohnette, Ray Brown, Randy Brecker, David Sanborn, Al Foster, Billy Hart, John Scofield, John Abercrombie, Bob Berg, Tom Harrell, Charlie Haden, Alan Dawson e outros.
Durante a temporada em Boston, recebeu prêmios importantes, como o Oscar Peterson Jazz Masters Award, o Count Basie Award e o Boston Jazz Society Archievement Award. Concluído o curso, mudou-se para Nova Iorque, onde granjeou enorme respeito na cena local. Geralmente acompanhado pelo baixista Ray Drummond e pelo baterista Billy Hart, Doky era figurinha fácil em clubes tradicionais como o Village Vanguard, o Blue Note, o Sweet Basil e o Bradley’s. Ao lado de Drummond e Hart, fez algumas excursões à Europa, despertando sempre muita atenção de público e crítica.
Seu primeiro álbum como líder foi “Here Or There”, gravado no dia 17 de janeiro de 1986, em Copenhagen, para o selo dinamarquês Storyville. A seu lado estão o baixista Niels-Henning Ørsted Pedersen, também produtor do disco, e o baterista Alvin Queen. Cinco temas originais, todos de autoria do pianista, e um standard compõem o repertório do álbum.
A faixa de abertura é “I Want You”, bebop feérico e contemporâneo, que evidencia a influência de Chick Corea e Keith Jarrett, tanto no aspecto da composição quanto da execução. O dedilhado frenético de Doky encontra ressonância na percussão urgente de Queen, cabendo a Pedersen manter a coesão do trio, no que é muito bem sucedido.
“Oktoberhilsen”, que pode ser traduzida como “saudações de outubro”, é o tema mais lírico do álbum. A influência aqui é Bill Evans, cujo fraseado recatado é absorvido por Doky, que de forma alguma se limita a imitar os trejeitos do mestre. Grande melodista, Niels também sabe explorar as possibilidades harmônicas da composição e o faz com êxito. Queen e NHØP fazem um acompanhamento bastante sóbrio, que apenas realça a beleza do tema.
Em “Here Or There” Doky exibe um swing estarrecedor e demonstra enorme intimidade com a linguagem bop. Estruturado em um contagiante tempo médio, o tema flui com bastante naturalidade. Soberba atuação de NHØP, cujo solo é uma aula magna de groove, versatilidade e inteligência musical. Não menos impressionante é o trabalho de Queen, sobretudo com os pratos.
“I Think About You” transita pelo jazz modal, com sua introdução que remete a “So What?”, de Miles Davis. O andamento quebradiço e a total liberdade nos improvisos lembram, em alguns momentos, os experimentos radicais de um Cecil Taylor ou um Andrew Hill, mas sem o mesmo hermetismo. A bucólica “Peaceful” tem um andamento hipnótico e flerta, discretamente, com a bossa nova. Os três músicos dão demonstrações de virtuosismo explícito, com destaque para os bem concebidos solos de Pedersen.
Fechando os trabalhos, “Alone Together”, de Arthur Schwartz e Howard Dietz, é o único standard do album. A interpretação do trio é vigorosa e de muita personalidade, com destaque para o estupendo solo de Pedersen. A técnica exuberante de Doky parece escavar os recônditos melódicos mais obscuros da canção. Elegante e inspirada, a faixa deixa no ouvinte uma sensação de frescor das mais agradáveis.
Apesar da pouca idade, Doky possui uma carreira fonográfica das mais respeitáveis, com álbuns lançados por selos como Milestone, Blue Note, Verve, Columbia, Keystone, Soul Note, EmArcy, Blue Saphir e outros. No currículo, exibe trabalhos ao lado de pesos pesados como Toots Thielemans, Didier Lockwood, Alex Riel, Pat Metheny, Michael Brecker, John Scofield, Peter Erskine, Mike Stern, Eddie Gomez, Phil Woods, Gary Bartz, Bobby Hucherson, Jeff “Tain” Watts, Russell Malone, Branford Marsalis, Kenny Garrett, Woody Shaw, Clark Terry, Dave Liebman, Dianne Reeves, Dee Dee Bridgewater, Daniel Humair e muitos mais.
Além de instrumentista, arranjador e compositor, Doky, que atualmente mora em Paris, também é um respeitado produtor. Dentre os discos que produziu destacam-se “New York Meeting”, do guitarrista Ulf Wakenius, e “Those Who Were”, do baixista Niels-Henning Ørsted Pedersen. Em um dos seus últimos discos (“Niels Lan Doky”, Universal, 1998), o pianista apresenta interpretações jazzísticas para composições de Peter Gabriel, Michael Jackson, Eric Clapton, Prince e outros.
O incansável pianista também comanda os Doky Brothers, um projeto que mantém ao lado da irmã, a contrabaixista Chris Minh Doky. Atualmente, concentra-se na pós-produção do documentário “Dreaming with Open Eyes”, que mostra os bastidores do tradicional clube dinamarquês Montmartre e que conta com a participação do saxofonista David Sanborn, do trompetista Randy Brecker, da baterista Terri Lyne Carrington, do baixista Mads Vinding e dos cantores Gino Vannelli e Lisa Nilsson.
Em 2007 sua composição “Passionate Bliss” foi incluída na trilha sonora do filme “Manolete”, que retrata a vida do famoso toureiro espanhol Manuel Laureano Rodríguez Sánchez. Dirigida por Menno Meyjes, a película foi estrelada por Penelope Cruz e Adrien Brody. Em 2010, Doky foi sagrado cavaleiro pela Rainha Margrethe II, da Dinamarca e compôs o tema “The Story Of Earth And Water”, por encomenda da ONU, dentro das comemorações do Ano da Biodiversidade.
Nas palavras do crítico Dan Morgenstern: “não existe nada mais encorajador do que encontrar, pela primeira vez, um jovem músico de jazz de real estatura, alguém que pode fazer você sentir que o futuro da música está em boas mãos. Não pode haver a menor dúvida de que o talento Doky é de grande envergadura e que, coisa rara no jazz do nosso tempo, ele é uma voz original nessa grande tradição”.
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14 comentários:
éricosan,
creio ser o primeiro...ou um dos...a comentar esse post piramidal
pela primeira vez, salvo engano, uma resenha no jazzbossa de um instrumentista da nova 'generation'...o que não quer dizer nada, no meu entender...mas muito jazzófilo purista 'vai torcer o nariz'...ou não?
abraçsons e vamuquivamu
Estimado ÉRICO e prezado PITUCO:
Nada de "narizes torcidos"; nada sabia do "garoto", felizmente para mim revelado pelo ÉRICO.
É um PIANISTA e de JAZZ do melhor.
Realmente notam-se influências de antecessores (Corea e Hancock), mas a "linguagem" da digitação e das frases em suspenso (clima) é dele.
Grato, ÉRICO, mais uma vez !
Caros Pituco e Apóstolo,
Ouvi falar do Lan Doky pela primeira vez quando comprei o disco “Those Who Were”, NHØP, já resenhado aqui. Algum tempo depois comprei dois discos: este postado e um outro (acho que é Paris Nights, com o Randy Brecker no trompete).
Achei muito interessante e seu fraseado, embora lembre os ilustres antecessores Hancock, Corea e Jarrett, é bastante fluido.
Acho que os amigos do barzinho vão gostar!
Então, subamos a montanha ao som de Niels Lan Doky!
Abração!
éricosan,
esqueci-me de registrar...poema montanhês bacanudo...
mesmo não sendo afeto às alturas, qdo se assisti o nascer do sol próximo a 8 mil metro acima do nível do mar(tibet)sentimo-nos tão diminuto diante da grandeza do natureza...até aqui no japão, mt.fuji(haja fôlego pra escalar...rs)
mestre apóstolo,
folgo em saber que ouvidos experientes e sábios...como os vossos...não são intransigentes...por isso sou fã da galera que aqui navega...obrigado
abraçsonoros
Prezado PITUCO:
A persistência é dos sábios e estimula para os objetivos, a intransigência é dos tolos e convida à incompreensão.
Aquí no "barzinho virtual" do nosso querido ÉRICO tenho encontrado muita persistência no que é bom, aprendido bastante e participado / acompanhado discussões inteligentes, de seres com opiniões tão diferentes e importantes quanto cada um: e como é saudável e estimulante apreciar opiniões distintas (nos 02 sentidos).
Caros Apóstolo e Pituco,
A intransigência musical acaba por nos afastar de muita coisa boa. Referências de qualidade sim, mas sectarismo não!
Mr. Pituco no Tibet - precisamos de mais detalhes dessa história!
Abração aos dois!
Grande Erico,
Não fui apresentado ao moço ...
Só agora, atraves da sua resenha, foi que tomei conhecimento do Lan Doky.
Gostei! E ouvindo na sua radiola a musicalidade do moço, espero ansiosamente ao seu regresso para Pinheiro City (risos)
Abraços sonoros,
Mais uma descoberta que fiz aqui. Não conhecia, é evidente, porque sei pouco. Mas gosto de aprender e no seu blog encontro muita coisa que me interessa.
Desculpe ainda mais ignorência, e a poesia de quem é "Ìcaro e Quixote?
Mr.Cordeiro,o poema é digno de nota, mas quem é Niels Lan Doky? Não gosto muito de comparações e citações de influências e, principalmente com pseudo jazzistas como Wayne Shorter, Herbie Hancock, Chick Armando Corea...o que não quer dizer muita coisa ou melhor, nada. Conhecia o Doky de nome e, como representante de uma geração mais nova, nunca me interessei em ouví-lo, o que fiz agora, através de sua "radiola". As duas músicas que ouví não me desagradaram, mas precisarei ouvir o disco todo e mais alguma coisa de mr.Lan Doky para dizer "se o homem é bom mesmo". E, já que estamos abordando pianistas e trios, não poderia deixar "passar em branco sem aquela velha mania minha" de sugerir alguns álbums, que reputo da melhor qualidade:
"Dear Old Stockholm" - Eddie Higgins: repertório muito bem escolhido, interpretações com alta dose de liricismo e de um romantismo ímpar(olhe só, eu Predador, malvado e destruidor de mundos falando destas coisas!). Bom, o outro álbum é "Herbie's Room" - Herbie Brock: pianista pouco conhecido, mas de toque sutil e diferenciado. Por último o belíssimo "Kelly Blue" - Dan Nimmer: o correto e vigoroso Nimmer, prestando homenagem ao não menos vibrante Wynton Kelly. São três excelentes álbums. Se você os tem, parabéns pelo bom gosto mas, se não os tem, fica a sugestão!
Caros Edinho, MJ Falcão e Predador,
Sejam muito bem-vindos.
Ao primeiro, digo que essse fim-de-semana será de "estar anteciPando" muita coisa, ok? Sei que estou em falta, mas fim de ano é sempre assim.
À segunda, digo que o Lan Doky foi uma descoberta meio por acaso, pura sorte, eu diria. Tenho dois discos dele e ambos são bem interessantes.
Quanto ao poema, espero que tenha gostado. Os poemas publicados aqui no blog, na sessão Poemas de Jazz, são todos deste modesto escriba que vos fala :-)
Mr. Predador, sugestão anotada. Tenho alguns discos do Higgins (uns três, eu acho), e todos são com o vigoroso Scott hamilton. Não tenho nenhum dos álbuns sugeridos (na verdade, não conheço o Dan Nimmer: e nem o Herbie Brock, mas já vão ambos para a célebre listinha.
Abraços fraternos e muito obrigado aos três ilustres visitantes!
Eu tb não conhecia este jovem dinamarquês mas gostei muito do som do trio.
E o solo do batera em "I want you" foi lindo!
Obrigado!
Taí um cara que entende das coisas!
Essa conversa predatória de que tem que ouvir mil vezes prá saber se o "cabra" presta é meio "história prá boi espacial dormir".
Seu Fig ouviu, analisou e apreciou!
Simples como as melhores coisas da vida!
Não é à toa que é o nosso embaixador nas Terras d'El Rey!
E o pandazinho já seguiu rumo às Alterosas!!
Abração!
Parabéns ao poeta: lindo poema!
Abraço
E por que não hoje ouvir The Beatles?
Aqui os deixo...
http://falcaodejade.blogspot.com/2010/12/que-ano-horrivel-que-foi-este-e-caso.html
Prezada MJ Falcão,
Obrigado pelas palavras generosas.
Estou a caminho do "Ninho do Falcão" :-)
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