Amigos do jazz + bossa

segunda-feira, 28 de junho de 2010

PRELÚDIO


Condenados de quaisquer matizes,

Vinde e celebrai comigo.

Ateus de todas as crenças,

Entoai meu cântico resignado.

Partilhemos os nossos malogros

Enxuguemos as nossas lágrimas de sangue e pó

Brindemos à derrocada do amor!

Sim, o amor...

A herança de Medusa

O rochedo de Psinoe

Acreditem quando lhes digo que passei incólume pelo amor

Nenhuma cicatriz

Nenhum arrependimento

Nenhuma saudade

Nenhuma vontade de viver tudo outra vez

Sequer me lembro que existiu o amor

O olhar desatento me basta

O sorriso carbônico me sacia

Adeus, suave aragem noturna

Adeus, paisagem pintada com hidromel

Adeus, rubro músculo despudorado,

Esqueci o amor e seus versos

Atirei-o fora

Sem remorsos ou mágoas,

Sem o choro insolente que desafia a razão

Sim, livrei-me do amor

Escarneço do amor


Despi-me do amor

Tornei-me intacto novamente

Imune ao amor

A seiva que irriga minhas veias não tem cor

Nenhuma fratura a consertar

Antes, houve o amor

Então, despia-me dos bens mais caros

Abandonava a certeza, exata e métrica

Era um tempo de passos incertos

Era um tempo de dúvidas sedutoras

Era um tempo de falso aprendizado

Sim, livrei-me do amor

Sim, livrei-me do passo trôpego da dúvida

Sim, livrei-me da expectativa de véspera

Cartesianamente intacto

Racionalmente íntegro

Escarneço do amor

Mesmo nas noites de chuva fina...

Escarneço do amor,

Mesmo quando o vento breve me traz o cheiro do mar...

Escarneço do amor

Livrei-me do amor

Abandonei o amor à sua própria sorte

Ainda que surjam no céu todas as estrelas que um dia contei

Pouco me importa a face redonda da lua cheia

Escarneço do amor,

Atirei-o fora

Sem remorsos ou mágoas,

Sem lágrimas ou noites insones

Sem o drama vulgar ou consumição

Pouco se me dá o amor

Desprezo o amor

Vinde, velhos companheiros de infortúnio,

Celebremos e gritemos ao mundo

Que o amor não nos faz falta alguma!

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Nascido em Chicago, no dia 08 de setembro de 1923, Wilbur Ware foi um dos baixistas mais técnicos e ousados do bebop e do hardbop, com incursões muito bem sucedidas por outros gêneros e estilos, como o blues, o swing e até mesmo pelo free jazz. Autodidata, seus primeiros instrumentos foram o banjo, a bateria e o violino, até se fixar no contrabaixo.

Sua influência mais perceptível, pelo estilo percussivo e altamente rítmico, é Jimmy Blanton, embora também o próprio Ware reconheça a importância de Milt Hinton, outro ilustre baixista de Chicago, em seu toque. Serviu ao exército durante a II Guerra Mundial e começou a se apresentar profissionalmente em 1946, ainda em Chicago, ao lado de Roy Eldridge, Junior Mance, Sonny Stitt e Johnny Griffin. Entre 1954 e 1955, atuou na banda do saxofonista Eddie “Cleanhead” Vinson e participou de uma das primeiras formações da Arkestra, de Sun Ra.

Mudou-se para Nova Iorque, em 1956, para se juntar aos Jazz Messengers de Art Blakey. Na Big Apple, tornou-se um disputado músico de apoio, tocando com Thelonious Monk, Sonny Rollins, Wynton Kelly, Toots Thielemans, Mundell Lowe, Ira Sullivan, Kenny Dorham, John Coltrane, Grant Green, Tina Brooks, Zoot Sims, Cozy Cole, Hank Mobley, Herbie Mann, Matthew Gee, Blue Mitchell, Buddy DeFranco, Gerry Mulligan, Clifford Jordan, Lee Morgan, Thelonious Monk, Coleman Hawkins e Sonny Clark entre outros. Outra associação digna de registro foi com o pianista Kenny Drew, cujo trio integrou entre 1957 e 1958.

Apesar da quilométrica discografia como sideman, Ware fez apenas uma gravação como líder: “The Chicago Sound”, para a Riverside, onde o baixista está acompanhado por John Jenkins (sax alto), Johnny Griffin (sax tenor), Junior Mance (piano), Wilbur Campbell e Frank Dunlop (bateria). Como o próprio título sugere, este álbum reúne apenas músicos surgidos na cena de Chicago, que além da proximidade física, também comungavam das mesmas concepções musicais.

Acostumada a dividir os palcos de clubes como o Brass Rail e o Flame Lounge, a banda se mostra extremamente entrosada. Uma excelente amostra do desenvolvimento do hard bop em meados da década de 50, o álbum apresenta todos os cânones do estilo, sem lançar mão de clichês. Ware é um anfitrião discreto, reservando aos convidados Jenkins (autor das ótimas “Latin Quarters” e “Be-ware”) Griffin e Mance o maior espaço para os solos.

O líder, entretanto, sabe se impor como executante e ainda contribui com duas composições próprias: a exuberante “Mama-Daddy”, um petardo sonoro ao estilo dos Messengers, e o blues “31St And State”. Belíssimas versões dos standards “Body And Soul” e “The Man I Love”, nas quais o contrabaixo de Ware constrói alguns dos solos mais bem elaborados do disco, invariavelmente mantendo os registros mais baixos do instrumento com a sua técnica soberba. As gravações foram feitas nos dias 16 de outubro e 18 de novembro de 1957, com produção de Orrin Keepnews.

Entre 1963 e 1968 Ware esteve da cena musical, por conta de problemas com drogas, mas a partir de 1969 retomou a carreira, gravando com Elvin Jones, Archie Shepp, Don Cherry, Cecil Payne e Walt Dickerson. Falecido a 09 de setembro de 1979, o legado de Ware é visível em músicos como Charlie Haden e Henry Grimes.

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23 comentários:

Salsa disse...

Manhã cinza - espero que não seja um prelúdio para a tarde. E vá lá saber que diabo é esse tal de amor... De qualquer modo, beware, pode ser perigoso. Ainda mais com uma boa trilha sonora.
Bom dia, meu velho.

Sergio disse...

Seu Érico seu san, o Wilbur foi postado no sônico em abril de 2009 e o link do álbum está vivíssimo até hoje. Um discaço, imperdível, filho único e raro!

Faz um favô pro seu fiel amigo de incluir essa informação no seu texto. De quebra, ficas liberto de pandear os amigos.

Por via das dúvidas aí vai o link:
http://sergiosonico.blogspot.com/search?q=Wilbur+Ware

Abraço!

Érico Cordeiro disse...

Grande Salsa,
Como diria um antigo compositor alagoano, "amar é perigoso demais..." Mas a galera insiste - fazer o quê?!?!
Mr. Seu San,
Já em Pinheiro City, de onde só volto na sexta prá St. Louis - Pandear só a partir de então e vou tentar colocar o link em uma lan house (aqui é tudo bloqueado, Mr. Garimpeiro).
No mais, é preparar os espíritos prá daqui a pouco!
Brasil-sil-sil!
Abração aos dois!!!!

lolipop disse...

Ah! meu amigo como ás vezes gostávamos de ser "cartesianamente intactos" e desprezar o amor...mas que é que se pode fazer...e depois sem paixão não haveria música não...
Obrigada pela dica do blog do Pituco. Já visitei e deixei mensagem lá.Vou a Tóquio em Agosto e bem que gostava dumas dicas de bares de jazz.
Ternuras e cuidado com o amor!

Érico Cordeiro disse...

Oi, lolipop,
Tomara que você possa conhecer o Pituco pessoalmente - leve a ele um grande abraço do barzinho jazz + bossa. Tenho certeza que a viagem será maravilhosa.
Quanto ao amor, quem é que consegue ficar imune a ele - para o bem ou para o mal, sempre há noites de chuva fina e a brisa do mar rondando os que se dizem racionais.
Um fraterno abraço, diretamente do Brasil!

Lívia Inácio disse...

Oii Érico!

Tudo bem?

Obrigada pela visita!

Tbm estarei te seguindo!

Bjinhoss***

Tenha uma boa semana! =D

Érico Cordeiro disse...

Oi, Lívia,
Seja muito bem vinda e junte-se à nossa confraria. Espero vê-la sempre por aqui, ok?
Um fraterno abraço e uma semana maravilhosa (que já começou bem, com avitória do Brasil, não é? rs, rs, rs).

pituco disse...

érico san,

quiquéisso???...marrudo o signore, né não???...basta uma lua-de-mel no alaska, junto com baleias transando, pra se acreditar no amor novamente...hehehe...

ou keith jarrett e bill evans na vitrola tocando sem parar...

sobre a resenha, não consigo ler o texto por causa da diagramação...as linhas se sobrepôem umas às outras...suruba literária...hehehe...contudo ouvirei a radiola (deixa acabar mr.reece, do blog do salsa)

abraçsonoros
ps.lolipop, segue meu email pra contactos...mosquitorama@gmail.com/

ps2.não acredito em tua afirmação, érico san...adeus, rubro músculo despudorado...rs

Érico Cordeiro disse...

Mr. Seu Pituco,
E quem é que acredita nisso? É o auto-engano total! Quanto à resenha, esse blogspot é meio louco - aqui tá dando prá ler perfeitamente! Portanto, aqui, nada de suruba literária (e outro dia o Sérgio me veio com um lance de "bacanais desavergonhados", além da já mencionada lua de mel no Alaska - acho que o barzinho tá ficando apimentado - rs, rs, rs).
Abração, meu embaixador!

HotBeatJazz disse...

Ô¬Ô

É Seu Érico,

pinçastes ums tremendo músico, que esteve na cochia de grandes momentos da história fonográfica do jazz. Esse pessoal de Chicado era bacanudo demais. E este disco é um primor, assim como tua poesia.

Grande abraço mermão

Érico Cordeiro disse...

Grande Mauro,
O Museólogo do jazz! Em breve, pinta por aqui outro músico de Chicago prá lá de bacanudo: o multiinstrumentista Ira Sullivan, que nasceu em Washington mas se "criou" musicalmente em Chicago!
Valeu meu amigo um grande abraço!!!!

Andre Tandeta disse...

Erico,
muito bonito esse som. Amamos o jazz,ja é alguma coisa. Um passo de cada vez.
Não conhecia essa cara do sax alto,bom demais. E o grande Frank Dunlop,com a categoria e o swing de sempre mas com uma sonoridade mais grave,muito bacana mesmo que talvez não intencional. Naquela epoca ainda se usavam peles de couro que são sensiveis a mudanças de temperatura e umidade,nesse dia devia esta meio frio e umido ,as peles ficam mais frouxas. Dunlop é um mestre,sob quaisquer condições.

Érico Cordeiro disse...

Meu caro André Tandeta,
Seja bem-vindo. Também não conheço muita coisa sobre o John Jenkins, tenho apenas esse disco do Ware (em que ele atua como sideman) e um no qual ele divide a liderança com o Bobby Timmons e o Clifford Jordan (da Prestige).
Se quiser, sexta-feira "posso estar anteciPando". Pô, mas agora sacar que tava frio e que isso modificou a sonoridade da bateria é brincadeira!!!!! É por isso que eu digo que o jazzbarzinho só me dá alegria!
Valeu, Mestre!

Sergio disse...

Agora li o poema, seu san. Muito bom. Gosto da verve. Gosto da decisão: aos diabos com amor, quase invejo esse personagem...

Certamente ele não estaria no meu buteco fantasia o "Fossa Perfumada".

Sergio disse...

Ei Érico!

Gostei pra caramba do Poema!

Me lembrou o Chico...

"Ah, o amor, jamais foi um sonho..."


Abraços

Rivero

Érico Cordeiro disse...

Bacanudamente, dois Sérgios pintam aqui no jazzbarzinho. Valeu pelas palavras gentis!
Seu San, esse "discurso" de "ao diabo com o amor" é tão verdadeiro quanto uma nota de três reais. O cara, certamente, tá tomando todas e ouvindo a célebre seleção "Fossa Perfumada". Mas não dá o braço a torcer...
Ô Seu Sérgio NY, nem brinca com uma coisa dessas, sô: meus versinhos lhe lembrarem o Chico?!?!? Acho que isso é saudade do Brasil (rs, rs, rs).
Grande abraço aos xarás!

Andre Tandeta disse...

Erico,
foi só um palpite ,não posso afirmar qual era a condição metereologica do dia da gravação,alias muito perto do dia que nasci(cheguei em 28 /10/1957).
Só fiz uma teoria tentando explicar porque Fank Dunlop esta com um som bastante diferente do seu habitual,que é mais agudo. Alias Frank Dunlop é um musico com uma discografia de respeito,Monk,Sonny Rollins,Oliver Nelson ,e por ai vai.
Abraço

APÓSTOLO disse...

Estimado ÉRICO:

Wilbur ajudou a escrever a história. Mais que respeitado "side", sempre foi requisitado pelos músicos "top", exatamente por ancorar-se nos mestres Blanton e Milt Hinton.
Postagem oportuna, que nos remete a um ícone da "cozinha".

Ana Tapadas disse...

Quando cá passo aprendo sempre algo de novo!
Beijinho

Paul Constantinides disse...

brother erico qta retumbancia em seu poema com ares épicos e muito mais.
super interessante.

abs paul

Érico Cordeiro disse...

Caros Tandeta, Ana, Apóstolo e Paul,
Sejam muito bem-vindos e obrigado pelas palavras gentis, em especial á Ana, a quem convido para se juntar à nossa confraria.
Mr. Tandeta, e eu que pensei que você ia dizer até quantos graus tava fazendo naquele dia (rs, rs, rs)!
Mestre Apóstolo, o Ware tem uma folha de serviços impressionante. Pena que como líder tenha feito apenas um disco. Mas, como você disse, ele "ajudou a escrever a história"!
Mr. Paul, gostei da "retumbância épica", embora meus versinhos não tenham lá essa pretensão (rs, rs, rs). E hoje tem çpostagem nova, ok?
Um pianista talentoso, mas que não tem tido muito reconhecimento.
Abração aos quatro!

Ianê Mello disse...

Erico,

falar de amor é falar de dor, porque é onde ele invariavelmente termina.

Acho que fizeste bem descartando-o.

Mas o amor pelo humano, pelo ser vivo, esse não, pois nnão há nele passionalidades banais.

Saudades, amigo, de suas visitas. Apareça. Você tem Face Book. Se tiver me add, ok. Bjs.

Érico Cordeiro disse...

É, Ianê,
O amor às vezes nos apronta peças. Mas esse discurso "raivoso" lembra a moral da história da raposa e as uvas: quem desdenha quer comprar (rs, rs, rs).
Pois é, ando em falta com os amigos, mas prometo recuperar o tempo perdido. Já te adicionei como amiga no Facebook (não uso muito, pois não sei usar as ferramentas, mas vou aprendendo aos poucos).
Um fraterno abraço e uma ótima semana!

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